Comentário

Rui L. Assis Pinto

O valor da pastorícia nos territórios de montanha

Apesar da importância da pastorícia que, em várias regiões de montanha, apoia a fixação e subsistência das populações e contribui para a redução do risco de incêndio, mantém-se uma reduzida valorização e participação dos pastores no planeamento das estratégias e iniciativas dirigidas à gestão do território.

Com cerca de 500 milhões de pastores em todo o mundo, a pastorícia é responsável por significativos contributos socioeconómicos e ambientais em mais de 100 países. Na Europa e de acordo com a Organização para a Alimentação e Agricultura das Nações Unidas (FAO), estima-se que existam cerca de 15 milhões de hectares consignados a sistemas agropastoris. Em Portugal, as pastagens permanentes (naturais e melhoradas) representam aproximadamente 1,92 milhões de hectares.

A importância da pastorícia em Portugal é, desde logo, relatada nos textos dos primeiros forais e reforçada por outros autores pela relevância económica, social, ambiental, histórica e cultural que representa para muitos territórios rurais. É sobretudo nos territórios de maior altitude, que a atividade pastoril tem maior tradição.

As zonas montanhosas portuguesas representam cerca de 40% do território nacional, sendo normalmente áreas marginais, periféricas e com solos maioritariamente ocupados por povoamentos florestais, matos e pastagens. A fraca aptidão dos solos e a altitude, ambos fatores limitantes para a agricultura, favorecem o desenvolvimento da pastorícia extensiva. Neste contexto, a atividade pastoril em regime extensivo com espécies e raças altamente adaptadas a estas condições, tornou-se mesmo, em muitas regiões, a única atividade possível para garantir a subsistência das populações locais.

Há cerca de 25 anos, um aluno do curso de Engenharia Florestal da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, terminava a sua licenciatura com a entrega de um relatório de estágio intitulado “O pastor de gado caprino da Serra do Alvão: ontem, hoje e amanhã”. Este trabalho visava traçar o perfil sociológico do pastor de gado caprino deste território, procurando conhecer melhor a atividade pastoril, os protagonistas e as respetivas motivações que justificavam a dedicação de homens e mulheres a esta atividade, assim como perspetivar o futuro da pastorícia no território nos anos vindouros.

Recentemente, entre dezembro de 2020 e fevereiro de 2021, o autor do anterior relatório, integrado numa equipa multidisciplinar, participou na realização de um diagnóstico à atividade pastoril em seis territórios de montanha em Portugal, designadamente no Planalto Mirandês e Montalegre (Norte) e Castro Daire, Cinfães, Figueira de Castelo Rodrigo e Território Serra da Estrela (Centro), recolhendo perceções de diversos atores sociais que têm relação com a pastorícia, identificando constrangimentos e potenciais estratégias de valorização para a atividade.

O estudo teve como base territorial o projeto nacional do Mecanismo de Apoio à Realização de Queimadas (MARQ), coordenado (à data) pela Agência para a Gestão Integrada dos Fogos Rurais (AGIF), assim como alguns dos objetivos propostos pelo projeto Interreg SUDOE “Open2preserve”.

Em janeiro de 2023 foi publicado um artigo, na Revista Portuguesa de Estudos Regionais, intitulado “A Pastorícia no Desenvolvimento dos Territórios de Montanha em Portugal: Uma Análise Multidimensional aos Desafios e Oportunidades”, onde é possível conhecer com maior detalhe os resultados deste estudo.

Em traços muito gerais, os resultados deste último estudo apresentam elementos que, na sua essência, são semelhantes aos identificados há 25 anos. A saber:

  • A estreita interligação observada entre as dimensões social, económica, ambiental, técnica e jurídico-legal é uma realidade corroborada por diversos autores na avaliação da sustentabilidade da pastorícia noutros países.
  • A análise multidimensional permite perceber que as questões socioeconómicas e ambientais assumem particular importância na discussão integrada da atividade pastoril, confirmando-se a interdisciplinaridade da pastorícia e as especificidades dos diferentes contextos sociogeográficos.
  • A tradição familiar, o gosto de trabalhar com animais e ao ar livre (na natureza) e o orgulho pessoal em serem pastores/criadores de gado continuam a ser os principais argumentos para a permanência na atividade.

A valorização da pastorícia, a ocupação do território e a redução do risco de incêndio

Em contraponto, a marginalização social da pastorícia, do pastor e a baixa rentabilidade desta atividade, associada à elevada dependência de apoios financeiros, são fatores que encabeçam alguns dos constrangimentos mais sublinhados. Para além de todas as outras limitações, estas apresentam-se com implicações diretas na reduzida participação dos pastores no planeamento de estratégias e iniciativas que visam a gestão do território, da qual é exemplo a ausência de pastores (ou seus representantes) nas Comissões Municipais de Defesa da Floresta Contra Incêndios.

A análise dos constrangimentos e limitações ao desenvolvimento da pastorícia, designadamente nos territórios que foram alvo dos estudos referidos anteriormente, identificou orientações que abrangem as diferentes dimensões analisadas. Estas propostas visam sobretudo experimentar abordagens integradas, pluridisciplinares e convergentes com o diagnóstico efetuado, nomeadamente:

  • Valorizar a pastorícia e melhorar a perceção social do pastor;
  • Aumentar a rentabilidade da atividade para o produtor, diversificando a oferta de produtos e garantindo a sustentabilidade da cadeia de valor (produção, distribuição e consumo);
  • Apoiar e acompanhar os pastores na sua atividade, desenvolvendo relações de cooperação e confiança com as comunidades pastoris. Deste modo, seria possível promover uma gestão do território mais inclusiva e participativa, designadamente através da aprendizagem mútua entre os diversos agentes responsáveis pela gestão do território;
  • Ajustar o enquadramento jurídico-legal e reduzir a burocracia para a prática da atividade pastoril, no que se refere à mobilidade, acesso à propriedade, ao uso do fogo e às candidaturas aos apoios financeiros;
  • Garantir um regime de fogo que permita conciliar as necessidades de renovação de pastagens com a conservação da natureza e da biodiversidade.

À tendência para o colapso dos sistemas agrossilvopastoris de montanha devido à redução de populações, pastores e rebanhos, contrapõe-se a crescente consciencialização para a relevância desta atividade nos territórios de montanha do norte e centro de Portugal, pensando sobretudo na redução do risco de incêndio e na ocupação do território.

À escala europeia e nacional propõe-se a conceção e melhoramento de políticas de apoio a jovens agricultores, que estimulem a prática e o rejuvenescimento da atividade pastoril.

Os exemplos de novos casos de empreendedorismo na atividade que se observam no país, com caráter inovador e com outra formação e mentalidade, deverão ser acompanhados, pois são um sinal de esperança na revitalização e sustentabilidade da pastorícia e no contributo que ela possa desempenhar na dinamização socioeconómica dos territórios, na redução de risco de incêndio e na conservação da biodiversidade.

Janeiro de 2024

O Autor

Rui L. Assis Pinto é Mestre em Engenharia Florestal pela UTAD – Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (2012) e tem uma Pós-Graduação em Desenvolvimento Local, Territórios, Sociedade e Cidadania. Atualmente, desempenha funções de Gestor de Projetos e Coordenador da Linha de Trabalho 2 – Gestão de Risco, no CoLAB ForestWISE – Laboratório Colaborativo para a Gestão Integrada da Floresta e do Fogo.

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