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Fisgas de Ermelo: a cascata monumental do Parque Natural do Alvão

É perto de Ermelo que fica uma das mais imponentes cascatas portuguesas. Conhecidas como Fisgas de Ermelo, são um abismo moldado pela força da água e do tempo, em pleno Parque Nacional do Alvão, uma área protegida, rica em diversidade de paisagem e vida, que atravessa os concelhos de Mondim de Basto e Vila Real.

Nem sempre é necessário percorrer grandes distâncias para sermos surpreendidos pela natureza e o Parque Natural do Alvão é exemplo disso mesmo. Apenas a hora e meia do Porto, é lá que encontramos as imponentes Fisgas de Ermelo. Se não conhece este abismo, situado no concelho de Mondim de Basto, prepare-se para a impressionante paisagem, que a ação da natureza produziu ao longo de milhões de anos, através da fracturação das rochas quartzíticas.

Esta falha geológica obrigou a que as águas do rio Olo se “enfisgassem” pelas rochas, formando uma das maiores quedas de água da Europa e uma das mais belas de Portugal. Uma das singularidades das Fisgas de Ermelo assenta no facto desta cascata não se cingir a uma única queda vertical, fazendo um percurso com sucessivos poços e quedas de água.

A água começa por brotar da rocha a 800 metros de altitude e ao longo de 1,5 quilómetros, com um desnível de mais de 250 metros, cria um percurso de várias cascatas. “O retalhado das falhas, a grandeza do desnível e o tom amarelado das rochas, fruto da presença de líquenes amarelos, conferem ao conjunto um poder e atração evidentes”, sublinha o ICNF – Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, que destaca o interesse paisagístico e geológico deste local, “cujo fulcro é a queda de água do rio Olo, em Fisgas de Ermelo”.

Quem as avista não fica indiferente e foi essa também a sensação do escritor Miguel Torga, que refere as Fisgas de Ermelo nos seus diários, em 1959: “Cá me vim debruçar também sobre o despenhadeiro das Fisgas, com os pés seguros pelos companheiros por causa das vertigens. E apreciei devidamente este misto de espanto e terror. A contemplação dos abismos naturais é necessária de vez em quando a quem tem a atração dos outros. Toma-se consciência, com rigor físico, das asas que nos faltam para estar à altura da máxima de Nietzsche…“.

Literatura à parte, as Fisgas de Ermelo são visita obrigatória no Parque Natural do Alvão, e merecem ser admiradas a partir do miradouro com o mesmo nome. A partir desta vista, ou dos percursos pedestres nas imediações, há muito para descobrir nesta paisagem protegida, do interesse paisagístico e geológico à variedade biológica que alberga.

Situado na região de Trás-os-Montes e Alto Douro, no distrito de Vila Real, o Parque Natural do Alvão cruza os concelhos de Vila Real e Mondim de Basto, numa área protegida com cerca de 7220 hectares. Se à primeira vista poderá parecer uma área reduzida face à dimensão de outros parques naturais (Montesinho, por exemplo, é dez vezes maior), não fica atrás nos atrativos que oferece, em especial aos amantes da natureza e das caminhadas.

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Percurso pedestre PR3 Fisgas de Ermelo: 5 etapas para percorrer sem pressas

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Para quem prefere uma experiência mais imersiva e completa, o conselho vai para o percurso pedestre PR3 Fisgas de Ermelo. Mas atenção: vá munido de água e com tempo para fazer este desafiante e longo percurso circular, que se estende por 12,4 quilómetros, recheados de oportunidades de banhos.

Inaugurado em 2016, este trilho permite aos caminhantes ter contacto com algumas das 500 espécies de flora identificadas no Parque Natural do Alvão. Com alguma probabilidade, os visitantes poderão ser “saudados” pelos rebanhos de cabras bravias, ou até por alguns animais bovinos de raça maronesa que por ali pastam. Este percurso permite também conhecer e mergulhar nas famosas piocas – as lagoas naturais, de águas cristalinas, que se formam a montante e a jusante das Fisgas de Ermelo. Ao todo, são cinco etapas que se percorrem em cinco a seis horas e permitem ao visitante embrenhar-se pela paisagem envolvente:

1. O percurso tem início na aldeia de Ermelo, junto à igreja paroquial. Depois de passar pelo pelourinho, desce-se o vale, passando por uma zona de bosque com carvalhos e castanheiros, até atravessar a pitoresca ponte de madeira sobre a ribeira da Fervença.

2. A partir daqui prepare-se para a subida íngreme que se avizinha até à aldeia de Varzigueto. No entanto, o esforço da subida é compensado pelas paisagens fulgurantes sobre o Parque Natural do Alvão e a falha geológica.

3. Antes de chegar a Varzigueto existe um acesso às Piocas de Cima, as lagoas alimentadas por pequenas quedas de água, cujo nome se deve ao seu formato, que lembra uma “pia”. Se o tempo estiver de feição, aproveite e desfrute das águas cristalinas destas piocas.

4. Saindo da aldeia de Varzigueto, atravessa-se o rio Olo e o percurso segue até ao miradouro das Fisgas do Ermelo, continuando a descida do vale. Pelo caminho, encontra-se um acesso às Piocas de Baixo, outro “conjunto de pequenas lagoas formadas nos afloramentos rochosos” e alimentadas pelas águas do Olo, também procuradas para ir a banhos.

5. Antes da subida até Ermelo, os caminhantes voltam a atravessar o rio Olo, pela ponte de madeira da Abelheira. E aqui, a paisagem do troço é marcada pelos campos agrícolas. O percurso termina com a chegada ao lugar de partida.

Considerado como um trilho difícil, que se faz por caminhos de terra e rochas, é aconselhável algum cuidado e atenção por parte dos caminhantes, que devem evitar o trajeto em dias de nevoeiro ou tempestade. Os dias de sol intenso também não são os mais aconselhados, uma vez que uma grande parte do percurso pedestre é feito sem sombras naturais e com elevada exposição solar.

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À descoberta da vida no Parque Natural do Alvão

Embora as Fisgas de Ermelo sejam consideradas o ex-libris do Parque Natural do Alvão, o facto de o Parque estar localizado numa zona de influência climática mista, do litoral húmido e do interior mais seco, faz com que esta área protegida seja composta por uma grande diversidade de paisagens, e por isso também de habitats e espécies.

Foram identificadas nesta região um total de 486 espécies de flora e de 200 espécies de fauna. Do total de plantas, 25 só existem na Península Ibérica e seis em Portugal (endemismos ibéricos e lusitanos), enquanto dez das espécies animais também só existem em território ibérico. Entre as espécies exclusivas do território nacional está, por exemplo, a açucena-brava (Paradisea lusitanica).

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Na fauna, além das vacas de raça maronesa e dos rebanhos de cabras de raça bravia que, com sorte, os visitantes podem observar a pastar livremente pelos campos, vive também neste Parque o mais esquivo lobo-ibérico (Canis lupus ssp. signatus), enquanto a lontra (Lutra lutra) e a toupeira-de-água (Galemys pyrenaicus) são outros dois exemplos que, por vezes, se avistam nas zonas húmidas.

No ar, são mais difíceis de avistar a gralha-de-bico-vermelho (Pyrrhocorax pyrrhocorax), uma espécie considerada “em perigo” em Portugal, e o bufo-real (Bubo bubo), que embora um pouco mais comum é considerado “quase ameaçado”. Destaque ainda para o facto de o Parque Natural do Alvão albergar a maior colónia, em Portugal, da borboleta-azul (Phengaris alcon), uma espécie frágil, nascida nas turfeiras e que pode ser vista no verão.

Na flora, enquanto nas zonas mais altas e montanhosas predominam o carvalho-negral (Quercus pyrenaica), os vidoais de bétula (Betula alba), as turfeiras com urze-peluda (Erica tetralix) e os narcisos (Narcisus asturiensis), à medida que descemos encontramos outas espécies florestais e florísticas.

Por exemplo, nos vales encaixados, aparece o sobreiro (Quercus suber), o medronheiro (Arbutos unedo), a gilbardeira (Ruscus aculeatus) e o lentisco (Phyllirea angustifolia). Já nas zonas mais baixas deparamo-nos com bosques de carvalhais, onde é possível encontrar também azevinhos (Ilex aquifolium), cerejeiras-bravas (Prunus avium), castanheiros (Castanea sativa), pilriteiros (Crataegus monogyna), aveleiras (Corylus avellana) e pereiras-bravas (Pyrus spp.), apenas para mencionar alguns exemplos. De salientar ainda a presença da rara carnívora Drosera rotundifolia.

Iniciou-se em finais de 2019, no Parque Natural do Alvão, o projeto RESTALVÃO, para o restauro de habitats naturais. Entre outros objetivos, pretende erradicar a invasora háquea, que impede o desenvolvimento da vegetação nativa e afeta a vida selvagem: as suas folhas picam, o que além de dificultar as operações de controlo, afasta os animais. O projeto pretende também melhorar a capacidade de abrigo para espécies animais prioritárias, como o já referido lobo-ibério e a salamandra-lusitânica (Chioglossa lusitanica).

Paisagens muito diversas: das Fisgas de Ermelo a Lamas d’Olo

Além de conhecer o vasto património ambiental, torna-se também praticamente obrigatória uma visita por algumas das pitorescas aldeias da região. Além da aldeia de Ermelo, recomenda-se, pelo menos, uma visita a Lamas d’Olo, a Arnal, à aldeia do Barreiro e à aldeia Fervença – esta última impressiona pela sucessão de socalcos verdejantes que a rodeiam.

Nestes lugares é possível encontrar ainda alguns exemplos de construções mais tradicionais, feitas com materiais da região e que constituem uma prova viva da arquitetura rural tradicional. Algumas delas ainda conservam os telhados em colmo.

Um ponto interessante advém do facto de as aldeias refletirem a morfologia do local onde estão inseridas. Dessa forma, por exemplo, na zona de Lamas d’Olo o granito é rocha dominante e a paisagem é marcada pela vegetação mais rasteira, típica da montanha. Já junto a Ermelo, prevalece o xisto e a paisagem é composta por bosques.

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