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Perfumes naturais: descubra de onde vêm

Quando passeamos numa floresta ou jardim, há diversos odores provenientes da terra, das flores e árvores que nos estimulam o olfato e nos despertam boas sensações. Mas de onde vêm e como se libertam estes perfumes naturais que muitas vezes reconhecemos, embora não saibamos descrever?

Um passeio numa mata ou uma caminhada num jardim é quanto basta para sentirmos cheiros diferentes dos que predominam nas vilas ou cidades e que, em muitas situações, nos despertam sentimentos de evasão e de comunhão com a natureza. Embora nem sempre seja fácil descrevê-los por palavras, muitos destes perfumes naturais são facilmente identificados, como é o caso do cheiro da terra molhada quando caem as primeiras chuvas ou do aroma mentolado que se liberta dos eucaliptos.

Mas o que faz com estes cheiros aromatizem o ar e a que se deve a existência destes perfumes naturais?

As fragrâncias naturais devem-se a compostos produzidos por microrganismos do solo, fungos e principalmente pelas plantas – nas suas folhas, galhos, frutos, raízes, madeira, seiva e principalmente nas suas flores. São compostos orgânicos voláteis – terpenos, fenóis, ésteres, etc. – que conseguem atravessar as membranas das células e que, quando entram em contacto com o ar, se vaporizam (volatilizam) à temperatura ambiente. Neste processo, as suas partículas dispersam-se e muitas delas são aromáticas.

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“Os compostos que constituem a fração aromática de uma planta são, regra geral, sintetizados e acumulados em estruturas secretoras microscópicas”, explica a Casa das Ciências em “O Aroma das Plantas”. Entre os diversos tipos de estruturas secretoras, as mais frequentes são os tricomas (estruturas externas com origem nas células da epiderme), os canais (que percorrem o interior das plantas) e as bolsas (semelhantes a bolhas no interior das plantas).

Embora estes compostos tenham despertado a atenção humana desde cedo e fossem usados já na antiguidade em inúmeras aplicações medicinais e aromáticas, a sua principal função é ecológica. A sua libertação é uma forma de comunicar com outros seres vivos, seja para atrair polinizadores que ajudam à dispersão do pólen (e à reprodução), seja para repelir herbívoros que procuram alimento e organismos patogénicos que tentam atacar, ou ainda para transmitir sinais entre plantas ou entre elas e outros organismos que partilham o habitat.

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Além de ser motivada por fatores biológicos (ou fatores bióticos), a libertação destes compostos é ainda influenciada por fatores relacionados com o ambiente que os rodeia (fatores abióticos). Aumentos de temperatura ou escassez de água podem estimular ou inibir a libertação das partículas que identificamos como perfumes naturais.

Estas múltiplas influências causam variações na produção e libertação destes compostos dentro da mesma espécie de plantas e até numa mesma planta ao longo do tempo, o que torna mais complexo o seu estudo e caracterização. Ainda assim, muitos destes compostos são amplamente estudados e valorizados tanto pelo seu perfume natural, como pelas suas propriedades bioativas. São, por isso, usados nos mais diferentes produtos – por exemplo em óleos essenciais, em perfumes, sabonetes, detergentes, velas e até em alimentos e medicamentos.

4 perfumes naturais e o que está na sua origem

Os perfumes naturais que existem num bosque ou floresta são muitos mais do que os seres humanos conseguem identificar, embora se pense que o número de odores que distinguimos possa elevar-se aos biliões. Os mecanismos por detrás da capacidade de reconhecimento dos odores foram aprofundados por Linda B. Buck e Richard Axel, reconhecidos com o Prémio Nobel da Medicina em 2004.

Além de outras descobertas, os investigadores identificaram a família dos genes que codificam os recetores de odores no epitélio olfativo – um conjunto de células localizadas na parede da cavidade nasal, que contêm cerca de cinco milhões de neurónios e detetam as moléculas inaladas. Perceberam também como estes genes interagem com as proteínas G (que atuam como mensageiras celulares), enviando mensagens sobre as moléculas inaladas diretamente para o bulbo olfativo cerebral. É esta estrutura que retransmite os sinais do odor ao córtex, tanto à parte do cérebro onde se gerem os processos de pensamento consciente, como ao sistema límbico que processa as respostas emocionais, as motivações e a formação de memórias.

É graças a este processo que associamos determinados cheiros a memórias que nos causam boas (ou más) sensações e que reconhecemos de imediato inúmeros odores, mesmo que não saibamos descrevê-los. Eis alguns exemplos.

1. Cheiro a terra molhada (Petricor)

Quando as primeiras gotas de chuva caem sobre o solo seco, o cheiro a terra molhada é um dos perfumes naturais universalmente reconhecidos. Mas qual é a razão por que se liberta este perfume da terra?

As gotas de chuva que caem sobre a terra capturam minúsculas “bolhas” que se encontram na superfície do solo ou das partículas de rocha. Quando as gotas se desfazem e estas bolhas rebentam, lançam para o ar os compostos orgânicos voláteis que antes continham. Estes compostos foram segregados por plantas, fungos e microrganismos e, entre eles, destaca-se um terpeno: a geosmina.

Quando a terra está seca e quente (menos ativa), certas bactérias e fungos que vivem no solo desenvolvem esporos que contêm geosmina. E bastam pequenas quantidades para que o odor por ela libertado seja identificado pelo olfato humano.

O cheiro a terra molhada é mais intenso quando a chuva é leve, pois a velocidade das gotas numa chuva torrencial inibe a difusão do odor pela atmosfera.

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O cheiro a terra molhada foi estudado cientificamente e batizado como Petricor, nome que vem do grego “pétra”, para pedra, e “ikhôr”, que significa o sangue dos deuses. Este nome foi atribuído na sequência dos estudos de dois investigadores australianos que submeteram à destilação a vapor partículas rochosas antes expostas a condições quentes e secas, descobrindo que delas se libertava uma substância – um género de um óleo amarelado – responsável pelo odor inconfundível a terra molhada.

2. O perfume mentolado do eucalipto

Muitas espécies de eucalipto, incluindo o Eucalyptus globulus que melhor conhecemos em Portugal, produzem compostos químicos voláteis, como o cineole – originalmente chamado de eucaliptol e conhecido cientificamente como 1,8-cineole. É principalmente a este composto que se deve o cheiro fresco e mentolado – um perfume natural que lembra canfora – que nos envolve ao caminharmos numa floresta de eucaliptos jovens.

O cineole é um monoterpeno que se encontra numa ampla variedade de plantas e árvores por todo o mundo, mas os eucaliptos têm cineole em proporções superiores, contribuindo para que as árvores de muitas espécies de Eucalyptus sejam especialmente perfumadas.

A libertação deste e dos outros compostos voltáveis presentes nestas árvores varia em função de inúmeros impulsos. Um deles é a temperatura. Quando a temperatura é mais elevada a emissão aumenta e é por isso que este é um dos perfumes naturais que se sente mais intensamente durante o verão.

O cineole está presente em várias partes dos eucaliptos além das folhas – incluindo ramos, frutos e flores – e é este composto que está na base do óleo essencial de eucalipto.

Noutras espécies de eucalipto sobressaem outros aromas. Por exemplo, no Eucalyptus citriodora são as notas de limão que se destacam, por ação do citronelal, um composto orgânico volátil responsável pelo aroma cítrico que emana (especialmente das folhas jovens) desta espécie a que chamam eucalipto-limão.

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Além de se “cheirar”, a concentração de cineole pode ser vista ao segurar uma folha de eucalipto jovem contra a luz e ao observar os pequenos pontos brancos espalhados sob a sua superfície: são as glândulas que contêm o cineole (assim como outros compostos). Para sentir mais intensamente o perfume, pegue numa folha e esmague-a no interior da sua mão.

3. A fragância fresca e resinosa dos pinhais-bravos

Há quem associe a fragrância dos pinheiros ao Natal, mas o cheiro fresco, resinoso e levemente apimentado que se sente ao caminhar num pinhal mantém-se muito além desta época, graças à libertação de pinenos – principalmente alfa-pineno e beta-pineno.

Estes compostos são abundantes em várias espécies de pinheiros, incluindo na mais frequente em Portugal, o pinheiro-bravo (Pinus pinaster). A sua presença tem diferentes concentrações em várias partes destas árvores: nas suas agulhas (folhas), pinhas (frutos), casca, galhos e na fração volátil da resina.

Também neste caso, o calor ajuda a libertar estes dois terpenos, acentuando o perfume a pinho nos dias de verão, mas a sua libertação é igualmente uma resposta natural de proteção contra ataques de herbívoros e patógenos. O cheiro intensifica-se também quando a casca da árvore é danificada, o que significa que é mais fácil de sentir o perfume das árvores resinadas.

Os pinenos são dos mais abundantes terpenos na Terra e contribuem para o perfume de muitas coníferas (árvores que dão pinhas) e de muitas outras plantas, desde o alecrim à salsa.

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Além dos pinenos, outro dos compostos que influencia o perfume de vários pinheiros é o limoneno. Trata-se também de um terpeno e está presente, por exemplo, na madeira e nas agulhas dos pinheiros – assim como em vários citrinos (na casca da laranja, por exemplo). Contribuiu com notas frescas para o perfume do pinho.

4. A doçura relaxante da alfazema

A alfazema ou lavanda (Lavandula angustifolia) é amplamente reconhecida pelo seu perfume doce e relaxante (um aroma também presente noutras espécies do mesmo género, assim como em híbridos e variedades de cultivo).

Este é um dos perfumes naturais que pode sentir-se no ar quando passamos perto de arbustos de alfazema, mas que se intensifica quando passamos a mão pelas folhas e flores da alfazema. Este fenómeno acontece porque ao tocarmos nestas estruturas danificamos as bolsas microscópicas – tricomas glandulares – onde estão armazenados os compostos voláteis aromáticos, libertando-os para o ar e para a nossa pele.

Entre as dezenas de compostos identificados na alfazema, destacam-se pela maior concentração o acetato de linalila e o linalol. O primeiro é um éster, o segundo um terpeno e ambos contribuem para um perfume natural descrito pelas suas “notas doces, florais, amadeiradas, canforadas, frutadas e herbáceas”. Os dois compostos são também os principais químicos do óleo essencial de alfazema.

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Este mecanismo de liberação de aroma, semelhante ao do manjerico, é também ativado quando um animal toca na planta, sendo um mecanismo natural de defesa e atração – por exemplo, uma forma de atrair os polinizadores.