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Conservação

Portas de Ródão: uma passagem para a biodiversidade

É nas duas margens do Tejo, nos concelhos de Vila Velha de Ródão e Nisa, que fica um dos mais imponentes monumentos naturais nacionais: as Portas de Ródão. Esta “garganta”, escavada numa rocha originada há milhões de anos, faz desta área protegida um lugar de uma beleza única, rico em biodiversidade, onde se avistam espécies raras de fauna e flora.

Em pleno território do Médio Tejo, as paredes íngremes das Portas de Ródão escavadas pelo rio Tejo, são uma referência geográfica, cénica e simbólica da região. As formações vegetais naturais – nas quais se destacam os zimbrais -, as aves rupícolas (também conhecidas como aves das rochas, por escolherem escarpas, falésias e locais rochosos afins para nidificar) e o património arqueológico, testemunho da presença humana desde há centenas de milhares de anos, valeram-lhe, em 2009, a classificação como Monumento Natural.

As paredes que se elevam do nível do rio até aos 170 metros fazem lembrar duas ‘portas’ – uma a norte, no concelho de Vila Velha de Rodão, e outra no de Nisa – e provocam um estreitamento no curso do Tejo, que atinge 45 metros na largura mínima. A paisagem resultou de um processo de erosão a partir do “confronto brutal entre a firme solidez da rocha e a furiosa teimosia de um rio que quer cumprir o seu destino”, como escreveu Graça Batista, nas suas “Viagens do Olhar”.

O Tejo corre, assim, encaixado entre escarpas quartzíticas da serra das Talhadas ou do Perdigão, numa paisagem inconfundível marcada pelo geomonumento das Portas de Ródão. A área compreende cerca de 965 hectares e caracteriza-se por um relevante património natural e histórico. As margens do Tejo “albergaram as mais antigas comunidades humanas de que a Península Ibérica tem memória e testemunharam importantes movimentos militares, ao longo dos séculos”, descreve Jorge Gouveia, da Associação de Estudos do Alto Tejo, que foi responsável pela proposta de classificação das Portas de Ródão como Monumento Natural.

Nesta área protegida, que serve de habitat para a maior colónia de grifos do território nacional, as aves são um dos grandes atrativos para os visitantes. Porém, os vales mais encaixados, com formações vegetais densas e de grande diversidade e escarpas de difícil acesso, afiguram-se como habitat preferencial não só para rapinas, mas também para diferentes espécies de avifauna e mamíferos.

Localizada em zona classificada como Rede Natura 2000, é também nesta área protegida que se encontram várias espécies autóctones, como o medronheiro (Arbutus unedo) e o zimbro (Juniperus oxycedrus) por exemplo. Este último, com populações associadas às escarpas rochosas e áreas adjacentes, constitui o habitat prioritário mais meridional na Península Ibérica de florestas endémicas de zimbros (Juniperus oxycedrus subsp. lagunae) – habitat 5210 da Rede Natura 2000.

Se ainda não conhece esta paisagem nacional, que faz parte do Geopark Naturtejo da Meseta Meridional, tome nota de algumas das referências incontornáveis da região. Poderá chegar de comboio (Linha da Beira Baixa), com paragem na estação de Vila Velha de Ródão, de autocarro ou de carro, pela Autoestrada da Beira Interior (A23).

Descobrir a fauna e a flora em torno das Portas de Ródão

O mosaico paisagístico da área do Monumento Natural das Portas de Ródão, resultante dos diferentes usos do solo, constitui um fator decisivo para a manutenção da biodiversidade. Marcada pelo contraste entre a terra e o rio Tejo, a região atraiu várias espécies de fauna e flora e garantiu a sobrevivência de populações humanas desde a pré-história.

Flora

Partindo à descoberta da área, esta é uma oportunidade única para prestar atenção a núcleos de vegetação natural típicos daquela região de características mediterrânicas. É o exemplo do zimbro (Juniperus oxycedrus subsp. lagunae) que foi particularmente relevante para a classificação da zona, na medida em que é uma espécie relíquia que terá tido a sua grande expansão há vários milhões de anos. Não obstante, “temos ainda esta espécie muito bem representada na região”, acrescenta Jorge Gouveia.

A sua importância fez nascer um projeto de restauro de habitats e prevenção estrutural contra incêndios, na sequência dos grandes fogos de 2017.

A região é também refúgio da Andryala ragusina L., uma planta característica dos leitos de cheia de grandes rios e que é considerada uma espécie em perigo. Também comuns são a murta (Myrtus communis), o medronheiro (Arbutus unedo), a aroeira (Pistacia lentiscus) ou o carrasco (Quercus coccifera), espécies bem adaptadas ao clima mediterrânico.

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foto ©️ Associação de Estudos do Alto Tejo

Quanto à vegetação ripícola, existem vários locais de interesse. Por exemplo, próximo da chamada Fonte das Virtudes, onde existem baixios, encontra-se um amial de Alnus glutinosa.

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Juniperus oxycedrus. Foto ©️ Associação de Estudos do Alto Tejo

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Arbutus unedo. Foto ©️ Associação de Estudos do Alto Tejo

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Alnus glutinosa. Foto ©️ Associação de Estudos do Alto Tejo

Fauna

Do património natural sobressai também a avifauna rupícola, não apenas nas Portas de Ródão, mas igualmente nos afloramentos que se estendem ao longo da Serra das Talhadas, os quais levaram à classificação dessa área como Zona Importante para as Aves. Entre as várias espécies, destacam-se algumas ameaçadas como a Cegonha-preta (Ciconia nigra) e a Águia-perdigueira (Aquila fasciata), também conhecida como águia-de-Bonelli.

As aves são, assim, um verdadeiro ex-libris da região, que é habitat da maior colónia de grifos (Gyps fulvus) do país. Mas nos céus daquela zona há mais para observar. No local foram identificadas 116 espécies de aves, muitas delas consideradas em vias de extinção e outras raras. Para uma experiência marcante, suba ao castelo do rei Wamba e, além de aproveitar a vista do miradouro no cimo das escarpas, fotografe algumas das espécies de aves de rapina diurnas que frequentam regularmente a área, como o Milhafre-preto (Milvus migrans), o Gavião (Accipiter nisus), a Águia-calçada (Hieraaetus pennatus) ou o Ógea (Falco subbuteo).

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Gyps fulvus

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Aquila fasciata

Nos olivais, matagais, áreas florestais e escarpas rochosas observa-se também a presença de um número assinalável e diversificado de outras espécies animais. Como se trata de uma zona com baixa densidade populacional, nas Portas de Ródão é ainda possível observar animais selvagens, como o javali (Sus scrofa), o veado (Cervus elaphus) ou o saca-rabos (Herpestes ichneumon). Com alguma sorte, numa viagem de barco será possível avistar algumas delas, como a lontra (Lutra lutra).

No rio, algumas das espécies migratórias antes comuns na região, como a lampreia, o sável, o muge e a enguia, encontram-se desaparecidas devido às barragens construídas ao longo do curso do rio. Outras espécies, como a carpa e o achigã foram, entretanto, introduzidas e algumas, pelas suas características invasoras, passaram a constituir motivo de preocupação, como o peixe-gato-europeu ou o lagostim-vermelho-da-luisiana.

Da arte rupestre ao castelo do Rei Wamba

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Apesar das Portas de Ródão serem consideradas a imagem de marca da região, os valores históricos, culturais e gastronómicos tornam praticamente obrigatória a visita a outros locais.

Além de Vila Velha de Ródão, de carro, a pé ou de barco, há vários pontos para explorar. Das lendas à paisagem, conheça o Castelo de Ródão – também conhecido como Castelo do Rei Wamba, rei visigodo que terá sido responsável pela primeira edificação – erguido numa escarpa sobranceira ao rio Tejo, sobre as Portas de Ródão.

Hoje em dia, pouco resta do castelo original, mas a torre remanescente foi recuperada e, perto dela, pode encontrar-se o templo de Nossa Senhora do Castelo e um miradouro que permite avistar o rio e a paisagem para ambos os lados das portas de Ródão.

Continuando a viagem ao passado, aproveite para conhecer o Centro de Interpretação de Arte Rupestre do Vale do Tejo, uma porta aberta para descobrir a maior concentração de gravuras rupestres pré-históricas da Península Ibérica. Inclua ainda no seu roteiro uma viagem histórica pela mineração de ouro, provavelmente da época romana, a partir do Conhal do Arneiro. Para um olhar diferente, a partir do rio, apanhe um barco no cais fluvial de Vila Velha de Ródão e atravesse as Portas de Ródão.

Para concluir o passeio, conheça algumas das pitorescas aldeias da região, como Foz do Cobrão, onde nos dias mais quentes se pode refrescar na zona balnear das margens do ribeiro do Cobrão. Nas proximidades, há outras portas que merecem contemplação: as Portas de Almourão, que correspondem à garganta do rio Ocreza.

Descobrir as Portas de Ródão pela Rota das Invasões

Para apreciar o detalhe da paisagem, nada melhor do que percorrer, sem pressas, as várias etapas de um dos percursos pedestres da região. Um dos mais recomendados é o PR1 – Rota das Invasões que se desenvolve por caminhos em ziguezague, numa extensão de 9,6 quilómetros.

A marcação do trilho foi feita em 2003 pela Associação de Estudos do Alto Tejo. Ao longo do percurso importa prestar atenção a áreas onde ocorrem núcleos de vegetação autóctone, de características mediterrânicas e onde se destacam, além do zimbro (Juniperus oxycedrus), outras espécies como o rosmaninho (Lavandula stoechas) e o alecrim (Rosmarinus officinalis).

Devido à sua extensão, a realização deste percurso não é aconselhada a famílias com crianças pequenas. No entanto, algumas parcelas podem ser realizadas separadamente. As elevadas temperaturas que se fazem sentir no verão recomendam que o trilho seja uma opção para as épocas mais frescas.

1. O percurso inicia-se em Vila Velha de Ródão, junto à Casa de Artes e Cultura do Tejo. Imediatamente à esquerda, após deixar a estrada de asfalto, poderá encontrar a Bateria da Achada, uma estrutura militar construída no século. XVIII.

2. O caminho segue depois, em ziguezague, em direção ao topo da serra das Talhadas, onde as vistas panorâmicas são de cortar a respiração. Sendo a Beira Baixa uma das entradas naturais de Portugal, ao longo dos tempos foram sendo construídos monumentos militares destinado a controlar as vias de comunicação, as chamadas baterias, que se destacam neste trilho. É o exemplo da “Batarias” e, mais à frente, antes do marco geodésico, o terceiro monumento militar do percurso, a bateria da “Torre Velha”, para um olhar privilegiado sobre Vila Velha e o rio Tejo.

3. Siga o percurso pela cumeada e, mais à frente, faça uma paragem para retemperar forças, observar os monumentos, a paisagem e o voo planado dos grifos.

4. Quando chegar ao Castelo, desfrute do cenário criado pelo rio Tejo, bem como das cristas quartzíticas e ainda dos vestígios da exploração de ouro da época dos romanos na Área Arqueológica do Conhal.

5. Depois de usufruir da vista, desça por um antigo caminho que, ziguezagueando, o leva até à estrada de alcatrão. Aí tome um trilho que o leva até ao ponto inicial do percurso.

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Escarpa Portas de Ródão. Foto ©️ Associação de Estudos do Alto Tejo

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Portas de Ródão. Foto ©️ Associação de Estudos do Alto Tejo

Restauro de ecossistemas nas Portas de Ródão

O grande incêndio de julho de 2017, que atingiu o Monumento Natural das Portas de Ródão, consumiu cerca de 70% da área, com a consequente destruição de vários habitats e prejuízos para a paisagem e para a biodiversidade. Foi neste cenário que o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), através da Direção Regional de Conservação da Natureza e Florestas do Alentejo, iniciou intervenções de restauro de habitats e prevenção estrutural contra incêndios no Monumento Natural das Portas de Rodão.

“Muitas árvores morreram e não se conseguiu verificar regeneração natural. O solo foi muito danificado”, explicou Luís Grilo, técnico do ICNF, no Webinar “Restauro de Ecossistemas”, que decorreu no final de março de 2021.

O investimento de 159 mil euros no projeto, financiado pelo Fundo Ambiental e pelo Programa Operacional Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos (POSEUR), contempla um conjunto de operações que visam, desde logo, melhorar as condições de proteção contra incêndios das manchas de floresta autóctone, mas também ampliar a área florestal.

Numa área com 50 hectares estão a ser plantados sobretudo sobreiros (Quercus suber), azinheiras (Quercus rotundifolia), e, naturalmente, zimbros (Juniperus oxycedrus). Previamente ao projeto, procedeu-se à recolha de sementes em plantas que sobreviveram ao incêndio e à estacaria de zimbro para propagação nos viveiros de Valverde, Sabugal e Castelo Branco. O objetivo foi o de manter o “património genético” de uma espécie com elevado valor e adaptada ao local. Noutra área, com cerca de 40 hectares, está a realizar-se a condução da regeneração natural de zimbro e quercíneas, de forma a assegurar o desenvolvimento mais das espécies. Por último, em 10 hectares está a ser realizada a melhoria de habitats.