Florestas e árvores desempenham um papel importante na resposta à crescente procura mundial de água. Partindo desta evidência, a FAO – Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura – editou um guia sobre a relação entre floresta e água que vem ajudar decisores e gestores a monitorizar a água em zonas florestais e, a partir daí, a aplicar práticas que favorecem a preservação da quantidade, qualidade e disponibilidade deste recurso natural.
Apresentado pela FAO como a “primeira publicação global abrangente com orientações sobre a contribuição das florestas para uma abordagem holística da gestão dos recursos hídricos”, este guia reforça a importância da relação entre floresta e água num contexto de elevada procura. Por um lado, o crescimento da população mundial leva ao aumento da procura por água. Por outro lado, aumentam os eventos climáticos extremos, com maior risco de ocorrência de secas e falta de água em algumas regiões do planeta.
O documento, intitulado “A Guide to Forest-Water Management”, sublinha que a gestão das florestas em benefício dos recursos hídricos é central para o cumprimento da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e apela à melhoria da gestão florestal, com enfoque na prestação dos serviços do ecossistema relacionados com a água.
O relatório é o resultado da colaboração de várias entidades que se juntaram à FAO, incluindo a União Internacional de Organizações de Investigação Florestal (IUFRO), o Centro de Pesquisa Conjunta (JRC) da Comissão Europeia e o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA). Para os interessados em compreender melhor a relação entre floresta e água, a FAO e o Stockholm International Water Institute produziram também um curso de e-learning.
O manual da FAO faz uma revisão do conhecimento e dos indicadores que comprovam a importância da relação entre floresta e água, assim como das práticas de gestão que podem contribuir para a sustentabilidade dos recursos hídricos em diferentes contextos florestais. Neste percurso para adotar práticas que melhorem a gestão do binómio floresta e água, o guia destaca que tanto as florestas naturais como as florestas plantadas sob gestão sustentável podem trazer um importante contributo para os recursos hídricos, proporcionando, ao mesmo tempo, outras vantagens como a proteção do solo ou a biodiversidade.
Também em foco está a relevância de valorizar a água proveniente das bacias hidrográficas florestadas e o manual destaca os quatro ecossistemas florestais centrais para a quantidade, qualidade e disponibilidade da água: os mangais ou florestas de mangue, as florestas de zonas de turfeira, as florestas tropicais húmidas de montanha e as chamadas florestas de terra firme, ou seja, de zonas não inundadas.
1. Estima-se que existam quatro mil milhões de pessoas no mundo com acesso insuficiente a água potável. A maioria vive em áreas com pouca floresta;
2. A procura por água vai aumentar no futuro e prevê-se que, sem alterações no rumo atual, em 2030 haverá um défice global de 40% de água;
3. As bacias hidrográficas florestadas contribuem com 75% da água doce acessível no mundo e fornecem água a mais de metade da população mundial;
4. As florestas têm um importante papel na regulação dos fluxos de humidade atmosférica e dos padrões de chuva, através da evapotranspiração, sendo responsáveis por pelo menos 40% da chuva que cai sobre o solo;
5. Estima-se que a cobertura florestal das principais bacias hidrográficas tenha diminuído de uma média histórica de 67,8% para apenas 30,7%;
6. Das 230 grandes bacias hidrográficas globais que perderam mais de 50% da sua cobertura florestal original, 88% apresentam um risco mais elevado (médio-alto) de erosão, 68% apresentam risco mais elevado de incêndio e 48% têm risco mais elevado de stress hídrico;
7. A perda de floresta a nível global (embora se tenha atenuado nos últimos anos) levou a que o valor estimado dos vários serviços de ecossistema relacionadas com a água (regulação e fornecimento de água, controlo de erosão, habitat, entre outros) tenha diminuído de 50853 mil milhões de dólares em 1997 para 40971 mil milhões de dólares em 2011;
8. A água fornecida a mais de 85% das maiores cidades do mundo depende das florestas;
9. Em média, nas bacias hidrográficas que fornecem água às 100 maiores cidades do mundo a cobertura do solo é maioritariamente composta por floresta (42%), terras agrícolas (33%) e por áreas de matos e pastagens (21%);
10. Estima-se que as medidas de conservação e recuperação do solo – que incluem a proteção da floresta, reflorestação e estabelecimento de sistemas agroflorestais, e/ou a redução das cargas combustíveis – poderão ajudar a reduzir em pelo menos 10% os sedimentos e nutrientes presentes nas bacias hidrográficas, com um potencial para melhorar a qualidade da água utilizada por mais de 1,7 mil milhões de habitantes de grandes cidades.
O novo guia começa por identificar lacunas na informação disponível sobre a relação entre floresta e água, propondo soluções para ajudar a ultrapassá-las. Uma das principais questões prende-se com a dificuldade em conhecer e quantificar as situações em que a gestão da floresta está a beneficiar a água. Isto sucede, em grande medida, devido à falta de métodos de monitorização aplicados e aceites globalmente. Mesmo nos 12% de floresta reportada como sendo gerida com o objetivo de beneficiar a água e o solo (um dado patente no relatório Forest Resources Assessment – FRA 2020) poucos são os detalhes que se conhecem, refere o documento.
A padronização de definições, indicadores e procedimentos para monitorizar as interações entre florestas e recursos hídricos é essencial para compreender e comparar o que está a ser feito no terreno. Esta harmonização facilita também a definição das melhores medidas e práticas a aplicar na relação entre floresta e água.
Além de abordar metodologias, ferramentas e modelos específicos para monitorizar a relação entre floresta e água por deteção remota, como o SEPAL – System for earth observation, data access, processing & analysis for land monitoring, por exemplo, o relatório indica também que a monitorização no terreno continua a ser necessária em duas grandes áreas: para fornecer dados que a deteção remota não consegue ainda recolher e para validar dados recolhidos por via remota ou por estudos documentais.
Referidas são ainda as ferramentas de apoio à tomada de decisão. Ao incluírem e analisarem diferentes indicadores contemplados na relação entre florestas e água, estas soluções podem ajudar os gestores a definir estratégias mais adequadas e sustentáveis. A ferramenta online FL-WES – Forest and Landscape Water Ecosystem Services e o Guia Field Guide for Rapid Assessment of Forest Protective Function for Soil and Water, ambas desenvolvidas pelo FAO, são dois exemplos ilustrativos.
A valorização dos serviços do ecossistema é, como referido, outros dos temas focados. Este é, segundo o documento, um ponto de partida para melhorar a gestão das florestas e todos os benefícios que delas advêm, incluindo os relacionados com a água. A atribuição de um valor a estes serviços não é, contudo, tarefa fácil, pelo que importa conhecer estudos, soluções de software e bases de dados que ajudem a determiná-lo: EVRI – Environmental Valuation Reference Inventory, InVEST – Integrated Valuation of Ecosystem Services and Tradeoffs e Method Navigator são alguns exemplos referidos.
“Os esquemas de pagamento pelos serviços das bacias hidrográficas (na sigla inglesa PWS – Payment Watershed Schemes) são um mecanismo promissor para a obtenção de benefícios e cooperação entre os sectores florestal e hídrico, especialmente na ausência de estruturas legislativas ou governativas” adianta o relatório, salientando que estes esquemas devem, no entanto, ser vistos como parte de um processo mais abrangente de “governança participativa a nível local”.
Os esquemas de pagamento mais comuns identificados no domínio da relação entre floresta e água passam pelo pagamento de taxas pela água utilizada ou pela definição de parcerias locais que gerem mútuos benefícios. Seja qual for o modelo a adotar, cada PWS deve combinar diretrizes institucionais e regulações locais, práticas de gestão florestal e mecanismos financeiros que permitam transferir fundos dos beneficiários para os fornecedores dos serviços dos ecossistemas. Redes e colaborações público-privadas – com participação de empresas, autoridades locais, organizações técnicas e sociedade civil – são defendidas pela FAO como caminhos a seguir para o sucesso destas abordagens.