Três anos depois de iniciado um projeto piloto em dez concelhos, o processo simplificado de cadastro de terrenos rústicos avança para mais 153 municípios, no sentido de colmatar uma lacuna que impede um melhor ordenamento, gestão e valorização dos territórios rurais – muitos deles florestais.
Quem são os proprietários de terrenos rústicos – muitos deles florestais – em Portugal? Onde estão localizadas as propriedades? Qual a sua dimensão? Como chegar a estes proprietários? Embora as perguntas sejam antigas, a ausência de um cadastro de terrenos rústicos impede a obtenção de respostas que ajudariam a apoiar decisões informadas e essenciais à coesão territorial, ao desenvolvimento rural e à gestão e valorização do espaço florestal e agrícola.
Foi na tentativa de lhes dar resposta que surgiu, em 2017, o projeto piloto de cadastro de terrenos rústicos. Este processo de registo simplificado e gratuito para os proprietários vai agora alargar-se a 153 municípios do norte e centro de Portugal, após ter sido anunciada pelo executivo a disponibilidade de 20 milhões de euros em fundos europeus – Norte 2020 e Centro 2020 – para financiar a criação municipal das estruturas e equipas cadastrais e a adesão ao eBupi – Balcão Único do Prédio.
O objetivo é mapear 90% dos terrenos dos 153 municípios até 2023, numa área estimada em 3,7 milhões de hectares. A meta é ambiciosa, em particular porque o projeto piloto, realizado no decorrer de um ano em 10 concelhos, conseguiu apenas georreferenciar metade do território abrangido – um total de 114,9 mil hectares, correspondentes a 50,28% da área em causa, segundo o “Relatório de avaliação do sistema de informação cadastral simplificada”.
Recorde-se que o piloto do cadastro de terrenos rústicos decorreu entre novembro 2017 e de 2018 e abrangeu um conjunto de municípios que, na maioria, tinha sido bastante afetado por grandes incêndios e onde havia poucos registos rústicos ou poucas parcelas agrícolas identificadas: Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos, Góis, Pampilhosa da Serra, Pedrogão Grande, Penela, Proença-a-Nova, Sertã, Alfândega da Fé e Caminha.
No arranque, só 18% da área das propriedades rústicas e mistas era conhecida (tinha registo), embora mais de 85% estivesse inscrita nas finanças. A partir destes dados dispersos e da aplicação de big data foi possível estruturar os conhecimentos iniciais que constituíram o ponto de partida para o eBUPi. Estimou-se que existiam 678 mil matrizes por localizar e sem proprietário identificado, assim como mais de 243 mil hectares sem georreferenciação.
A este modelo indireto de tratamento de dados, juntou-se o modelo direto, assente na declaração dos cidadãos. Em outubro 2018, as 678 mil matrizes tinham localização conhecida e proprietários identificados. Ainda assim, os registos diretos, feitos por iniciativa dos cidadãos, não chegaram aos 90 mil (18,4% do total).
A lógica da extensão a novos concelhos volta a privilegiar os municípios que têm pouca ou nenhuma informação cadastral, mais precisamente 153 no território continental (de um total de 174 identificados com esta carência e nos quais se que incluem também áreas das Regiões Autónomas).
A primazia do cadastro no Norte e Centro deve-se também à maior dificuldade em identificar limites e proprietários nestas regiões, onde os terrenos são muito pequenos e fragmentados, características que sem informação cadastral dificultam a implementação de estratégias mais consistentes, seja no ordenamento e coesão do território ou na gestão florestal e prevenção de incêndios.
Acresce que os concelhos do Sul tinham sido já alvo de um Cadastro Geométrico da Propriedade Rústica. Iniciado há quase um século (1926-1995), este procedimento só conseguiu cobrir a região Sul e mais cinco concelhos no Norte e Ilhas – o que equivalerá a cerca de 53% do território, mas a apenas 16,5% dos prédios rústicos do país, de acordo com a apresentação “O Cadastro em Portugal”, do geógrafo Arménio dos Santos Castanheira. Ainda assim, esta informação antiga permite algum conhecimento desta parte do território.
A necessidade e importância de ter um cadastro de terrenos rústicos têm sido reconhecidas de modo unânime pelos múltiplos intervenientes na política e gestão do território ao longo do tempo, como se pode perceber pelas palavras de Rodrigo Sarmento de Beires “Quem o concretizar [o cadastro] poderá estar certo que terá finalmente realizado um sonho nosso com mais de duzentos anos”, no livro O Cadastro e a Propriedade Rústica em Portugal.
Na mesma obra, enumeram-se as razões apontadas por Adelino Paes Clemente, em meados do século XX – quando era diretor geral do Instituto Geográfico Cadastral – para a importância de ter este “fundamento indispensável à boa administração dum país”. Entre elas estão desde “o conhecimento da evolução do aproveitamento do solo” à “definição das zonas que por efeito de sinistros tenham de ser isentadas temporariamente de contribuição…”.
Apesar deste reconhecimento, nenhuma das tentativas realizadas para mapear a propriedade rústica permitiu fazê-lo. Esta é a primeira que recorre a tecnologias que não existiam há poucas décadas, o que permite a qualquer proprietário – mesmo em concelhos que não adiram ao cadastro simplificado – introduzir a sua informação no site do Balcão Único do Prédio – eBupi – para, ulteriormente e com o apoio de um técnico habilitado, serem confirmadas as informações sobre o seu terreno.
Para o sucesso da atual iniciativa, o registo por parte dos proprietários no eBupi é parte essencial e uma oportunidade de aproveitarem um processo que a Secretária de Estado da Justiça, Anabela Pedroso, reforça ser gratuito, quer no que diz respeito ao registo predial, quer a outros procedimentos ou documentos – por exemplo, habilitações de herdeiros ou divisão de propriedade – que possam ser necessários.