A perda de zonas húmidas está a acontecer a um ritmo mais rápido do que a perda de florestas naturais e é delas que vem a maioria da água doce utilizável – menos de 1% de toda a água que existe na Terra. Este é o alerta do Secretariado da Convenção Ramsar, que no Dia Mundial das Zonas Húmidas 2021 reforça a ideia: “Água, zonas húmidas e vida são inseparáveis”.
Criado em 1971, na sequência da Convenção Ramsar – o primeiro tratado intergovernamental e de âmbito global sobre conservação de habitats e espécies -, o Dia Mundial das Zonas Húmidas celebra-se anualmente a 2 de fevereiro. A efeméride tem vindo a promover a cooperação internacional e a incentivar ações nacionais que promovam a gestão racional e sustentável das zonas húmidas. Em 2021, embora com muitas das iniciativas de sensibilização canceladas por questões de saúde pública, este Dia quer consciencializar a população para a urgência de travar as perdas destes ecossistemas dos quais depende, em grande parte, a água que bebemos.
“A água doce utilizável representa menos de um 1% de toda a água na Terra e encontra-se principalmente armazenada em zonas húmidas, como rios, riachos, lagos, zonas pantanosas, estuários e aquíferos. Diariamente, consumimos pelo menos 10 mil milhões de toneladas de água doce – mais do que a Terra consegue repor. E precisaremos de mais 55% até 2050 para uma população global de 10 mil milhões de pessoas”, alerta a Secretária-Geral da Convenção Ramsar, Martha Rojas Urrego, neste Dia Mundial das Zonas Húmidas.
Além da importância que têm como reservatórios de água potável, as zonas húmidas desempenham um papel central na proteção e regulação de múltiplos serviços que os ecossistemas nos proporcionam, nomeadamente na absorção de carbono da atmosfera e na atenuação de outros impactes ambientais. No litoral, reduzem a intensidade das ondas, tempestades e tsunamis, enquanto no interior, ao absorverem o excesso de águas pluviais (e ao atenuar o efeito das cheias), criam reservas que ajudam a combater as secas e a escassez de água, um efeito particularmente importante nas regiões mais áridas.
Estas zonas constituem também importantes habitats, numa relação entre território e vida que também é celebrada através do Dia Mundial das Zonas Húmidas. Por esse motivo, a perda de zonas húmidas tem também efeitos negativos para a biodiversidade, como atesta o Relatório Global sobre Zonas Húmidas 2018: desde 1970, o declínio de 35% no total destas zonas afetou 81% das populações de espécies que habitam zonas húmidas interiores e 36% das costeiras e marinhas.
Refira-se que a Convenção Ramsar considera como zonas húmidas as “zonas de pântano, charco, turfeira ou água, natural ou artificial, permanente ou temporária, com água estagnada ou corrente, doce, salobra ou salgada, incluindo águas marinhas cuja profundidade na maré baixa não exceda os seis metros”, e nelas podem incluir-se “zonas ribeirinhas ou costeiras a elas adjacentes, assim como ilhéus ou massas de água marinha com uma profundidade superior a seis metros na maré baixa, integradas dentro dos limites da zona húmida”. A Convenção identifica cinco tipos principais de zona húmidas:
• Marinhas: zonas húmidas costeiras, incluindo lagoas, costas rochosas e recifes de coral;
• Estuarinas: incluindo deltas, sapais e mangais;
• Lacustres: zonas húmidas associadas a lagos e lagoas;
• Fluviais: zonas húmidas ao longo de rios e ribeiros;
• Palustres: charcos, pântanos e turfeiras.
Globalmente, nos territórios dos 160 subscritores da Convenção Ramsar, estão classificadas mais de duas mil Zonas Húmidas de Importância Internacional, que é preciso preservar não apenas no Dia Mundial das Zonas Húmidas.
Portugal integrou a Convenção Ramsar em 1981 e tem atualmente classificados 31 Sítios classificados, num total de 132,4 mil hectares: 18 no território continental e 13 nos Açores. Pelo seu valor ecológico, algumas destas zonas cruzam outros estatutos de proteção, como a Rede Natura 2000 e a RNAP – Rede Nacional de Áreas Protegidas.
Lagoas de Bertiandos e São Pedro d’Arcos, no Norte, Paúl de Arzila, no Centro, Ria Formosa e Sapais de Castro Marim, no Sul, ou Fajã das Cadeiras, em São Jorge, nos Açores, são apenas cinco exemplos das zonas húmidas portuguesas com importância internacional.
Também no nosso país as zonas húmidas estão entre os habitats mais ameaçados. A Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental contabiliza 82 ameaças ou extinções dentro do universo das plantas vasculares (plantas que possuem tecidos especializados na condução da seiva, similares aos vasos sanguíneos nos animais) que estão estritamente associadas a zonas como turfeiras, brejos, charcos temporários ou lagos de montanha.
Nesta lista apenas as plantas vasculares são consideradas, pelo que as espécies em risco ultrapassaram em muito este número.
Aves como o flamingo-rosado (Phoenicopterus roseus), a águia-pesqueira (Pandion haliaetus) e a garça-vermelha (Ardea purpurea) também conhecida como garça-imperial; o saramugo (Anaecypris hispânica) pequeno peixe endémico do sul da Península Ibérica, presente apenas nos troços médios e inferiores da bacia do rio Guadiana e num troço do Rio Guadalquivir, ou anfíbios como a salamandra-lusitânica (Chioglossa lusitanica), também endémica da Península Ibérica, são alguns exemplos de espécies com diferentes estatutos de proteção observadas em Portugal em áreas cuja importância é relembrada no Dia Mundial das Zonas Húmidas.