Valor da Floresta
São múltiplas as dificuldades que surgem quando se pretende calcular o valor dos serviços do ecossistema, da biodiversidade ou do capital natural. Contudo, estas dificuldades podem agrupar-se em dois tipos:
– Obstáculos inerentes à complexidade dos próprios ecossistemas, considerando os muitos bens e serviços naturais que geram e o conjunto de processos (não lineares e operando a diferentes escalas) que se intersetam, com relações, consequências e retroações difíceis de prever e de traduzir em modelos quantitativos fiáveis. Nesta vertente, são de referir não apenas as dificuldades em estimar o valor dos serviços de ecossistema gerados, como em antecipar o valor dos que se podem perder ao longo do tempo.
– Obstáculos inerentes aos sistemas económicos convencionais, que tendem a não reconhecer a existência de valor para os serviços naturais que não produzem um fluxo monetário passível de ser quantificado segundo as regras tradicionais das transações nos mercados. Serviços como a proteção dos solos contra a erosão, a preservação dos recursos hídricos ou a conservação da biodiversidade são considerados bens públicos, sem valor de mercado e, por isso, são difíceis de contabilizar.
Assim, por cada elemento suscetível de ser mensurado e objeto de um valor económico resultante de uma transação (ou possível transação) no mercado, há muitos mais cuja quantificação e monetização se revela complexa e pouco consensual.
Destes obstáculos resultam estimativas de valor dos serviços do ecossistema tendencialmente incompletas, que subvalorizam a importância dos sistemas naturais e que, em alguns casos, podem até ter efeitos perniciosos. Podem levar, por exemplo, à decisão bem-intencionada de investir numa iniciativa que gera resultados positivos (e ganhos económicos) de curto prazo, mas que pode comprometer outros equilíbrios que não foram tidos em consideração.
Adicionalmente, os procedimentos atuais de valorização necessitam de antecipar (avaliar e integrar) os riscos (e custos) de perda ou colapso dos serviços naturais ao longo do tempo, tarefa à qual está associado um elevado grau de incerteza e que não se perspetiva fácil de efetivar.
Ao avaliar o custo da perda de biodiversidade, por exemplo, existem mecanismos e elementos emergentes, que decorrem, de forma imprevisível, de um conjunto de processos naturais complexos atuando a diferentes escalas, que não são tidos em conta. Desta falha resulta que qualquer estimativa de custo económico associado à perda de biodiversidade, mesmo quando baseada em cenários pessimistas, acaba por subestimar o custo real (desconhecido) dessas perdas.
A atual dificuldade dos mercados e modelos económicos em atuarem sobre a biodiversidade advém da interseção de várias falhas estruturais. Para começar, muitos dos benefícios da biodiversidade são bens públicos não exclusivos (não têm um proprietário e beneficiam toda a sociedade). Este tipo de bens é, como referido, habitualmente subavaliado (ou até ignorado) quando comparado com os bens privados que se produzem naturalmente e que têm valor de mercado.
Além disso, os benefícios da conservação da biodiversidade e os custos decorrentes da perda de biodiversidade afetam terceiros, sob a forma de benefícios e custos externos, resultando numa inadequada compensação financeira dos efeitos positivos colaterais que produzem, mas também, em sentido contrário, na falta de penalização dos agentes responsáveis pelos danos à biodiversidade.
Por último, as deficiências inerentes aos mercados de biodiversidade são agravadas pela inexistência de direitos de propriedade de bens e serviços ambientais públicos. Por exemplo, por não ser propriedade de ninguém, ninguém pode obter benefícios financeiros diretos com o usufruto, a conservação ou restauro de um espaço natural público.
Mesmo na economia das alterações climáticas (e dos mercados de carbono), que se encontra num estado mais avançado do que a economia da biodiversidade, existem obstáculos a ultrapassar.
Por exemplo, no decurso do estabelecimento da “economia do carbono”, os cientistas tiveram (e continuam a ter em 2023) de ultrapassar desafios relacionados com a incorporação dos ciclos de retroação no processo de instabilidade climática.
Nestes ciclos de retroação, os impactes das alterações climáticas são, eles mesmos, promotores de mais alterações, num processo de “bola de neve”. Por exemplo, a aceleração do degelo do permafrost (camada de subsolo permanentemente congelada) leva à libertação de grandes quantidades de gases, nomeadamente do metano que está retido nestes tipos de solos, o que faz aumentar a concentração deste gás com efeito de estufa na atmosfera, causando mais aquecimento e assim sucessivamente. Muitas das consequências e retroações destes ciclos são difíceis de prever e incorporar em modelos quantitativos.
Ainda assim, as complexidades inerentes à compreensão do sistema climático global são bem captadas por um número mais reduzido de variáveis ou de descritores do estado do sistema (como temperatura, precipitação, pressão atmosférica, entre outros) do que no caso dos processos naturais que ocorrem nos diferentes ecossistemas.
Além de os processos nos sistemas naturais não serem lineares e terem elevada complexidade, é necessária maior amplitude de descritores do estado dos diferentes sistemas, a diferentes escalas e seguindo diferentes visões – igualmente complexas – de como se descreve a biodiversidade e, consequentemente, o funcionamento dos ecossistemas. Torna-se, assim, mais desafiante encontrar modelos consensuais para a valorização do contributo socioeconómico do bom funcionamento dos sistemas naturais.
Vários trabalhos têm sido desenvolvidos no sentido de criar enquadramentos transversais que nos apoiem a estimar ou calcular o valor dos serviços do ecossistema e da biodiversidade, integrando ecologia e economia.
Entre eles, refiram-se:
– TEEB – The Economics of Ecosystems and Biodiversity: iniciativa lançada em 2007 e liderada pelo economista indiano Pavan Sukhdev. Este estudo, que deu origem a vários relatórios, veio salientar a urgência de melhorar o conhecimento e a consciência da dimensão social e económica da perda de biodiversidade. Iniciado pelo governo alemão e pela Comissão Europeia e agora sobre a responsabilidade da ONU – Organização das Nações Unidas, o TEEB propõe avaliar o impacte económico da perda da biodiversidade e ecossistemas, considerando os seus múltiplos efeitos sobre a Humanidade.
– SEEA – System of Environmental-Economic Accounting: enquadramento universal para a integração de dados económicos e ambientais, aprovado pela ONU, em 2012, e conhecido como Sistema de Contabilidade Ambiental-Económica. No mesmo âmbito, foi criada uma nova métrica, derivada desta contabilidade e denominada Produto Ecossistémico Bruto – PEB (GEP – “Gross Ecosystem Product” no original em inglês), uma variação do conceito de PIB – Produto Interno Bruto – e que traduz em valor monetário o conjunto agregado de bens e serviços de ecossistema de dada região num determinado período de tempo, ajudando a integrar o valor dos serviços do ecossistema nos processos de tomada de decisão.
Em 2021, o Departamento de Estatística das Nações Unidas adotou o SEEA Ecosystem Accounting (SEEA EA), após um vasto processo de testes, consultas e revisão. Este sistema baseia-se em cinco indicadores que têm por base os ecossistemas:
1 – Extensão do Ecossistema: regista a área total de cada ecossistema (área de contabilização do ecossistema), por tipologia e ao longo de um período de contabilização, dando a conhecer alterações na dimensão de determinado ecossistema. Pode aplicar-se a uma floresta, uma área protegida ou bacia hidrográfica, região ou país.
2 – Condição do Ecossistema: regista a condição dos ativos do ecossistema, considerando características selecionadas em intervalos de tempo específicos, o que permite obter informação valiosa sobre as alterações de vitalidade e saúde dos ecossistemas.
3 e 4 – Serviços do Ecossistema para Fluxos Físicos e Fluxos Monetários: regista o fluxo de fornecimento de serviços do ecossistema por tipo de ativo e a utilização dos serviços por unidades económicas.
5 – Ativos Monetários do Ecossistema: regista a informação sobre os stocks de ativos nos ecossistemas e suas variações, contabilizando tanto a degradação ou redução de ativos, como as adições.
Em consonância com o SEEA EA, a Comissão Europeia reviu, em 2022, a legislação relativa às contas económicas ambientais no espaço comunitário. Em paralelo, tem apoiado o desenvolvimento de vários projetos que ajudam a refinar as metodologias transversais para a contabilização do capital natural, a exemplo de trabalhos desenvolvidos pela Capitals Coalition, como o “Transparent” e o “Align”.
Embora haja consciência de que não somos capazes de atribuir um valor justo e completo à natureza, o conhecimento e as estimativas feitas para calcular o valor dos serviços do ecossistema são suficientes para sabermos que a sua destruição apresenta riscos profundos. Como qualquer risco grave que enfrentemos, a resposta racional é a precaução e a promoção de sistemas eficazes, adaptáveis e resilientes.
Saiba mais em colaboração com Diogo Alagador
Cátedra de Biodiversidade, Instituto Mediterrâneo para a Agricultura, Ambiente e Desenvolvimento (MED/CHANGE), Universidade de Évora.
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