Comentário

João M. A. Soares

Livro de homenagem a José Moreira da Silva, pioneiro da ação florestal

O Engenheiro Silvicultor José Moreira da Silva (1923-2007) foi um dos grandes vultos florestais, “nascido” no Instituto Superior de Agronomia, em Lisboa. Quando se assinalam 102 anos sobre o seu nascimento, é lançado o livro de homenagem “José Moreira da Silva, um pioneiro da ação florestal”.

Embora o seu percurso inicial não apontasse para os então (e sempre) designados Serviços Florestais – o seu desejo era a eletrotecnia –, a família impôs-lhe a agronomia e destinou-lhe como profissão gerir o, à época famoso, horto familiar: o Horto Moreira da Silva.

Quiseram, no entanto, as vicissitudes da vida que José Moreira da Silva fosse parar aos Serviços Florestais, que eram força motriz da gestão, desenvolvimento e valorização das terras não privadas com uso ou vocação florestal, nomeadamente das Matas Nacionais (apenas 3% das áreas arborizadas) e dos Baldios (terrenos das comunidades locais) antes florestados pelo Estado Novo.

Tendo percorrido os diferentes níveis da carreira técnica na então Circunscrição Florestal do Porto, Moreira da Silva sempre defendeu como objecto do seu trabalho – e dos que dele profissionalmente dependiam – a conciliação harmoniosa e geradora de valor entre as árvores, o ambiente natural onde se integram e o tecido humano e social que envolve o conjunto.

Foi, pois, com naturalidade que o seu perfil de líder, de técnico sabedor e de respeitador do Homem e da Natureza sobressaiu e o encaminhou para dois temas de crescente importância em Portugal e no mundo:

– A protecção da floresta, no quadro de uma gestão activa e rendável dos bens lenhosos instalados;

– A conservação dos recursos naturais e a luta pela sua valorização e perenidade, em convivência com as comunidades humanas em presença.

Hoje, chama-se a isto Desenvolvimento Sustentável: ser economicamente viável, ambientalmente responsável e socialmente aceitável.

É o percurso deste homem e técnico que a “Associação Eng.º Silvicultor – Um Pioneiro da Ação Florestal” (constituída para esse fim) pretende homenagear quando se comemoram os 102 anos do seu nascimento.

O livro intitulado “José Moreira da Silva, um pioneiro da ação florestal” consubstancia essa homenagem e a futura ligação a um site permitirá o acesso aos textos originais da sua bibliografia.

O livro, com testemunhos documentais e de técnicos, amigos e familiares, será apresentado no Porto, na Fundação de Serralves, a dia 10 de dezembro de 2025, estando prevista uma cerimónia para o mesmo fim, já em 2026, na sede da Ordem dos Engenheiros, em Lisboa.

A obra, o exemplo e o pioneirismo de José Moreira da Silva

José Moreira da Silva deixou-nos obras suas nestes dois domínios:

– No âmbito da protecção e valorização da floresta, no contexto do clima mediterrânico e num Portugal em pleno período de crescente desertificação do mundo rural, a obra maior incidiu sobre a prevenção e supressão dos incêndios florestais;

– No domínio da conservação da natureza, deixou uma pegada indelével na criação e gestão do primeiro – e ainda único – Parque Nacional, o da Peneda Gerês.

Em ambas as vertentes a sua capacidade de estudar e compreender a complexidade dos problemas que enfrentava, a sua autoridade inata, humana e moral, para formar e liderar equipas e o caracter tantas vezes inovador e precursor (em Portugal e na região mediterrânica) das suas propostas e intervenções concretas ainda constituem hoje uma notabilíssima fonte de inspiração e exemplo para quem dedica a sua vida à floresta portuguesa.

A sua especial atenção recaiu sobre o pinheiro-bravo, nomeadamente no que respeita à selecção, recolha e germinação de sementes de qualidade (o que determinou a criação do Centro Nacional de Sementes Florestais, em Amarante).

Nos apelos para a melhoria da gestão do pinhal privado instalado (contrariando, por vezes, os “ventos dominantes” que insistiam em plantar mais e mais áreas de pinhal que não seriam depois objecto de apoios para a sua gestão e proteção…), sempre insistiu na indispensabilidade da existência de espaços florestais com escala que permitissem os ganhos de volume e valor que (ainda hoje) podem ser efectivamente alcançados nos povoamentos de pinheiro-bravo já instalados.

A constituição, pioneira, de Florestais-Sapadores em matas públicas (que depois evoluíram para Sapadores Florestais nos espaços privados), a aplicação cuidada do fogo controlado como forma de reduzir a massa combustível do sub-coberto presente nos estios – quando ainda prevalecia um pouco por todo o mundo a tese americana do Smokey Bear e a prioridade da proibição da chama no interior das massas florestais –, são exemplos relevantes do trabalho de José Moreira da Silva.

Foi um homem de princípios, de coragem e de saber, pouco disposto a compromissos de ocasião. Isso ter-lhe-á valido injustiças e dissabores pessoais e profissionais, mas o seu continuado labor nos Serviços Florestais permitiu-lhe fazer escola e ensinar a quem quis aprender.

Terminou, coerentemente, a sua obra com a criação, estruturação e dignificação do movimento associativo florestal do Norte e Centro do País, com a fundação da Forestis (em 1992) – em busca da escala que sempre defendeu – e mostrando, pelo exemplo, que os produtores florestais não têm de ser um complemento da agricultura, um escravo das Indústrias Florestais ou um servo dos pseudo-ambientalistas urbanos, mas o esteio de um importantíssimo “cluster” florestal que se quer ver fortalecido, e podem – e querem, cada vez mais – ter um papel activo na formulação e fiscalização das políticas públicas que se articulam com a floresta.

Novembro de 2025

O Autor

João M. A. Soares é membro fundador da Associação Eng.º Silvicultor – Pioneiro da Ação Florestal, criada com três finalidades de natureza cultural e técnico-científica:

– Promover, coordenar e financiar a concepção, edição, publicação e difusão de uma obra destinada a compilar, sistematizar e valorizar o legado técnico e o pensamento visionário do Engenheiro Silvicultor José Moreira da Silva;

– Preservar e divulgar o contributo técnico-científico do Engenheiro Silvicultor José Moreira da Silva, com especial enfoque nas suas propostas e reflexões sobre a política florestal nacional, cuja actualidade e pertinência subsistem, não obstante terem sido formuladas há várias décadas;

– Angariar apoios institucionais, logísticos e financeiros que viabilizem a concretização do referido projeto editorial.

Nota: o autor escreve pela grafia anterior ao novo Acordo Ortográfico.

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