Os desafios, o valor e o crescente potencial dos produtos florestais não lenhosos (PFNL) para a sustentabilidade, o desenvolvimento rural e a bioeconomia estão em foco num relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e do Instituto Europeu das Florestas (EFI). Em Portugal, de entre os vários PFNL, é a cortiça que está em destaque.
O potencial dos produtos florestais não lenhosos (PFNL) é vasto, em especial quando o tema em foco é a transição para a bioeconomia. O novo Livro Branco da FAO e do EFI, publicado em setembro de 2021, tem dados relevantes para o debate sobre o seu lugar num futuro mais verde para a Europa.
As mais-valias dos PFNL não se resumem à economia verde e estão ligadas a outras dimensões – sociais, culturais e ambientais –, pelo que se podem assumir como fundamentais para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. O seu contributo económico reveste-se, no entanto, de caraterísticas particulares, até pela dificuldade de rastreamento: os PFNL integram, muitas vezes, a economia informal, pelo que não são devidamente contabilizados e a informação existente não é fácil de sintetizar, já que se encontra muitas vezes fragmentada. Também por isso, o potencial dos produtos florestais não lenhosos acaba por não ser conhecido.
Apesar desta dificuldade, o relatório “Non-wood forest products for people, nature and the green economy. Recommendations for policy priorities in Europe” estimou o valor dos PFNL recolhidos na Europa em 23 mil milhões de euros por ano. O valor, que resultou de um questionário pan-europeu realizado em 2015, revelou que, embora a maioria seja produzida para consumo próprio, cerca de 3,4 mil milhões são referentes à comercialização em mercados formais e informais. Apesar de representar somente 14,8% deste universo, calcula-se que a venda de PFNL tenha influência em cerca de 10% dos rendimentos de 4,5 milhões de agregados familiares.
Os dados evidenciam o papel central que a Europa tem nos PFNL: estes bens representam 50% das importações globais (4,2 mil milhões de euros) e 40% das exportações (3,4 mil milhões de euros). Já em Portugal, o sector da cortiça é dos mais importantes nas exportações (61% das exportações globais de cortiça, no valor de 1,2 mil milhões de euros).
Estes produtos silvestres e florestais fazem parte do dia a dia de grande parte da população europeia: 90% das famílias utiliza-os regularmente, enquanto 26% recolhe-os pelo menos uma vez por ano para consumo ou comercialização. E, avança o documento, os PFNL são um complemento fundamental aos rendimentos, sobretudo para famílias mais vulneráveis, contribuindo ainda para a segurança, nutrição e até para fins medicinais.
As necessidades de PFNL, nomeadamente cortiça, resina e plantas aromáticas, entre outros, são altas e é expectável que aumentem. A procura elevada está relacionada com vários fatores, nomeadamente a necessidade de reduzir a dependência de recursos não renováveis, a transição para uma bioeconomia sustentável e o crescimento do interesse em serviços experimentais no turismo e recreação, por exemplo no turismo associado à colheita de alimentos silvestres.
Além da sua importância atual, o relatório da FAO e do EFI aborda sobretudo o potencial dos produtos florestais não lenhosos para a sustentabilidade da Europa e o seu contributo para o Pacto Ecológico Europeu. O objetivo principal deste acordo é fazer do continente europeu o primeiro com impacte neutro em emissões de carbono, algo que tem como pilar fundamental uma economia mais consciente da utilização que faz dos seus recursos. Dessa forma, é inevitável mencionar a importância que iniciativas europeias relacionadas com os PFNL podem assumir, por exemplo em termos de contributo para a ação climática, para a Política Agrícola Comum (PAC) pós-2020 e para a Estratégia Florestal, mas também ao nível da ação da União Europeia para proteger e restaurar as florestas a nível mundial.
O relatório destaca estratégias que podem contribuir para concretizar o potencial dos produtos florestais não lenhosos, integradas nos objetivos e políticas europeus. Estas estratégias estão centradas em quatro vetores: conservação segura e fornecimento sustentável; apoio a cadeias de valor viáveis, competitivas e transparentes; transparência nos fluxos materiais e económicos; e fornecimento de condições de habilitação. Destacam-se, entre elas:
• Gestão florestal ativa: a prioridade deve ser gerir e diversificar as florestas já existentes;
• Cogestão ativa de PNFL que contribuam para a conservação de habitats de interesse: os PFNL são importantes para manter a biodiversidade em habitats como, por exemplo, os carvalhais em Portugal e Espanha, sendo que a gestão em parceria da cortiça, bolota, cogumelos e outros PFNL contribui para a manutenção de habitats de interesse europeu;
• Formação adequada: a recolha correta dos recursos é importante para a sua proteção, bem como para a sua qualidade e quantidade. Um dos exemplos pela positiva, citados pelo documento, é o CINCORK – Centro de Formação Profissional da Indústria de Cortiça, em Portugal, criado em 1985;
• Apoio à certificação para a qualidade, origem e sustentabilidade: a certificação tem sido um instrumento para a proteção de recursos e pode ajudar na diferenciação do mercado, potenciando margens de lucro mais atrativas;
• Novo regime fiscal europeu para coleta de produtos florestais selvagens: o apoio económico é essencial para desenvolver a economia verde. Também aqui Portugal é dado como referência: os produtores de cortiça nacionais são reconhecidos como operadores agrícolas e pagam um IVA de 6%, ao contrário do que acontece noutros países.
Falar do potencial dos produtos florestais não lenhosos é também falar de desafios. Há obstáculos que podem servir de entrave ao crescimento deste sector e o relatório realça-os para sinalizar as ações mais prementes a tomar. Reunir dados e informação, que se encontram dispersos, faz parte da solução.
O principal desafio destacado pelo documento está relacionado com a necessidade de uma maior concertação de ações que envolvam PFNL. Muitas associações europeias têm apontado necessidades, nomeadamente a separação dos dados da proveniência selvagem e cultivada, ou entre produtos florestais e agrícolas, entre outros, para criar medidas mais coesas e eficazes. O Livro Branco alerta para a possibilidade de falhas e zonas “cinzentas” em iniciativas como a estratégia do “Prado ao Prato”, a PAC e o desenvolvimento rural, que podem colocar os PFNL na chamada “terra de ninguém” – ou seja, fora do âmbito das estratégias e políticas europeias.
Outros desafios são também elencados:
• Alterações climáticas, que trazem maior imprevisibilidade a este sector, nomeadamente a nível da produção futura;
• Necessidade de maior envolvimento das organizações de produtores e cooperativas no esforço coletivo de valorização dos PFNL;
• Elevada preponderância dos mercados informais, não mensurados, um impedimento para que o valor dos PFNL seja totalmente contabilizado;
• Carência de ações efetivas que valorizem a importância social dos PFNL, incentivando um maior desenvolvimento do sector.
O relatório coloca na Comissão Europeia a responsabilidade de promover programas regionais e nacionais, entre outros, que suportem a relevância dos PFNL e incentivem o controlo e aplicação de normas sobre estes produtos. Segundo o documento, a Comissão assume um lugar primordial para conduzir este processo, que poderá ajudar a identificar os PFNL com maior potencial, assim como a garantir que os dados são recolhidos de forma correta e segundo critérios específicos e homogéneos. Sugere ainda que estes dados poderiam ser incluídos no FISE – Forest Information System for Europe e na Farm Sustainability Data Network, por exemplo.
Mas é preciso ir mais além, sobretudo em termos de ações de proximidade, avisa ainda o relatório. As autoridades nacionais e subnacionais deveriam adotar regimes fiscais e laborais inovadores, bem como implementar sistemas que facilitem o rastreamento. É também recomendado que as organizações e companhias sectoriais aumentem a transparência nos preços e incentivem a colaboração ao longo das cadeias de valor. Por fim, a União Europeia, organizações internacionais e academia deveriam apoiar países e stakeholders na aplicação das medidas-chave apontadas no relatório.
Para saber mais, consulte o Livro Branco “Non-wood forest products for people, nature and the green economy. Recommendations for policy priorities in Europe”.