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21.08.2023

Europa acelera rumo ao Green Deal, com novas leis sobre natureza e florestas

Europa acelera rumo ao Green Deal, com novas leis sobre natureza e florestas

Perante um ambicioso Pacto Ecológico Europeu (Green Deal), que define a meta de neutralidade carbónica para 2050, a União Europeia (UE) tem multiplicado esforços para estabelecer as bases legais e regulamentares deste “caminho verde”. Conheça o que avançou nas principais propostas e leis sobre natureza e florestas.

Desde o início do verão de 2023, diversas propostas de leis sobre natureza e florestas avançaram nos corredores legislativos europeus. Da obrigação de restauro ecológico em 20% dos ecossistemas europeus até à obrigatoriedade de monitorização do solo, são múltiplas as temáticas no panorama das propostas mais recentes de apoio ao Green Deal europeu.

O que ambicionam estas novas leis sobre natureza e florestas, em que fase se encontram e que obrigações trazem para Portugal? Conheça os objetivos e medidas pretendidas por Bruxelas.

Lei do Restauro Ambiental: há tempo para recuperar os ecossistemas degradados?

É uma das peças mais controversas entre as leis sobre natureza e a votação final no Parlamento Europeu (PE) comprovou-o: a posição favorável do PE à Lei do Restauro Ambiental foi aprovada por pouco, com 336 votos a favor, 300 votos contra e 13 abstenções. Depois da aprovação, o processo legislativo continua: o passo seguinte são as negociações com o Conselho da União Europeia, das quais podem sair novas alterações ao texto legislativo.

A Lei do Restauro Ambiental é uma proposta da Comissão Europeia de junho de 2022 e tem em vista a recuperação de longo prazo dos ecossistemas degradados. Esta é a primeira vez que uma legislação europeia adota medidas obrigatórias para os Estados-Membros sobre o restauro de ecossistemas (além da conservação). A peça legislativa é também um pilar essencial do Green Deal europeu.

Segundo dados da União Europeia, mais de 80% dos habitats europeus estão em mau estado de conservação. E em Portugal? Uma auditoria de 2022 do Tribunal de Contas identifica que “Portugal dispõe de áreas protegidas que concretizam algumas das políticas relativas à conservação da natureza e da biodiversidade”, mas alerta: há falta de informação sobre estes ecossistemas que permita avaliar eficazmente a sua conservação. Dados da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) relativos aos habitats da Rede Natura 2020, dão conta de um predomínio de habitats em estado de conservação “inadequado”.

– O que propõe a Lei do Restauro Ambiental?

A proposta cria metas obrigatórias de restauro ecológico dos ecossistemas europeus. Até 2030, os Estados-Membros devem implementar medidas de restauro que abranjam, pelo menos, 20% de todas as áreas terrestres e 20% de todas as áreas marinhas na União Europeia. Em 2050, as medidas devem abranger todos os ecossistemas que necessitem de intervenção. São definidos indicadores de biodiversidade para avaliar os progressos na recuperação dos ecossistemas.

Até 2030, os países da União Europeia terão de saber qual o estado de conservação de, pelo menos, 90% dos habitats. Em 2040, essa fasquia abrange a totalidade das áreas.

Para avaliar as medidas, os Estados-Membros terão de fazer um planeamento cuidado, com planos nacionais de restauro dos ecossistemas, elaborados em colaboração com cientistas, partes interessadas e público.

– Medidas específicas para os ecossistemas florestais

Os ecossistemas florestais estão incluídos nas áreas totais terrestres que devem ser intervencionadas pelos Estados-Membros. Para as florestas, os indicadores de biodiversidade definidos são:

  • percentagem de florestas com estrutura etária irregular;
  • conetividade florestal;
  • reservas de carbono orgânico;
  • percentagem de florestas dominadas por espécies arbóreas autóctones;
  • e diversidade das espécies de árvores.

Cada país tem de apresentar melhorias crescentes nestes indicadores de biodiversidade, desde a entrada em vigor da regulação até 2030, e depois em avaliações regulares, de seis em seis anos. Além das medidas de restauro, a legislação prevê ainda que sejam plantadas três mil milhões de árvores na União Europeia, até 2030.

– Proposta está longe de ser consensual

As metas obrigatórias e a respetiva extensão têm motivado forte oposição à Lei do Restauro Ambiental por alguns sectores da sociedade. As principais preocupações dizem respeito ao desconhecimento existente em relação aos ecossistemas que terão de ser intervencionados (onde se encontram e em que extensão), mas também às implicações que a proteção destas áreas específicas poderá ter na agricultura (com consequências na produção e preços agrícolas), em projetos de energia renovável e noutras infraestruturas estratégicas a nível local, regional e nacional.

Em resposta a algumas destas preocupações, o texto adotado pelo Parlamento Europeu estabelece que:

  • A lei só se aplicará depois de a Comissão Europeia apresentar dados sobre as condições de garantia de segurança alimentar a longo prazo;
  • Os Estados-Membros precisam de quantificar previamente cada área a intervencionar para atingir as metas de cada tipo de habitat;
  • As metas de 2030 poderão ser adiadas em caso de consequências socioeconómicas excecionais;
  • Existe a possibilidade de criar um instrumento de financiamento europeu para apoiar o restauro de ecossistemas;
  • As infraestruturas de energias renováveis são de interesse público, logo não ficam em causa pelas medidas de conservação de ecossistemas.

Propostas novas leis sobre natureza: dos solos aos materiais florestais de reprodução

Com o objetivo de reforçar o pilar da natureza com instrumentos concretos, no contexto do Green Deal europeu, a Comissão Europeia adotou um novo pacote de leis sobre natureza, solos, materiais florestais de reprodução e resíduos a 5 de julho de 2023. As medidas serão agora debatidas e negociadas pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho da União Europeia.

O pacote adotado pela Comissão inclui diversas propostas legislativas, entre as quais:

– Lei de Monitorização dos Solos

O objetivo principal desta legislação é providenciar um enquadramento legal coerente para a monitorização dos solos da UE, condição para alcançar a meta “solos saudáveis até 2050”. Neste sentido, os Estados-Membros terão de monitorizar e avaliar o estado do solo em cada país, mas também definir que práticas deverão ser implementadas ou banidas pelos proprietários dos terrenos – solos – em causa. Cada país tem também de identificar e investigar locais potencialmente contaminados.

Segundo dados da UE, mais de 60% dos solos europeus não estão saudáveis e 83% dos solos contêm resíduos de pesticidas.

– Regulamento sobre plantas produzidas por determinadas técnicas genómicas

Trata-se de uma proposta relativa às novas técnicas genómicas (NTG), que podem contribuir para aumentar a resiliência da agricultura e dos solos florestais, através do desenvolvimento de espécimes melhorados mais robustos e com maior rendimento.

O Regulamento diferencia duas categorias de plantas NTG e, a partir daí, estabelece requisitos diferenciados de entrada no mercado. A proposta visa incentivar a inovação, mas também contribuir para uma monitorização dos impactes económicos, ambientais e sociais das NTG.

– Regulamento relativo aos materiais florestais de reprodução + Regulamento relativo ao material de reprodução vegetal

Os Regulamentos atualizam e substituem a legislação atual dispersa sobre materiais florestais de reprodução (FRM, referentes a sementes e plantas que são usadas para desenvolver novas florestas) e material de reprodução vegetal (PRM, material vegetal usado para a reprodução de outras plantas).

No caso dos materiais florestais de reprodução, o Regulamento prevê um reforço da avaliação da sustentabilidade e características das “árvores-mãe”, que ajuda os silvicultores a saber o melhor local para plantar os materiais de reprodução. São também estabelecidos planos nacionais de emergência – em caso de incêndios, pragas e outros eventos extremos –, que asseguram um fornecimento suficiente de FRM para reflorestar as zonas afetadas.

O Regulamento dos materiais florestais de reprodução é também um contributo à concretização da meta da UE de plantar três mil milhões de árvores até 2030.

– Desperdício alimentar e resíduos têxteis com novas metas

A Comissão Europeia propôs também novas metas obrigatórias para os Estados-Membros, no âmbito da Revisão da Diretiva-Quadro de Resíduos, que pretendem reduzir o desperdício alimentar e os resíduos têxteis:

– Até 2030, os Estados-Membros têm de reduzir o desperdício alimentar em 30% (per capita) para retalho e consumo final (em restaurantes, serviços alimentares e habitação); para os sectores de produção e transformação, a meta de redução é de 10%.

– Nos resíduos têxteis, a Comissão propõe a criação de um esquema obrigatório de Responsabilidade Alargada do Produtor para os têxteis, em toda a União Europeia, medida pioneira que determina que cada produtor seja responsável pelos custos de gestão dos resíduos têxteis, num incentivo à respetiva circularidade e redução. A meta é que, em 2025, cada Estado-Membro inicie a recolha separada de resíduos têxteis. Recorde-se que a UE gera, por ano, 12,6 milhões de toneladas de resíduos têxteis. Só em roupa e calçado, este é o equivalente a 12 quilogramas por pessoa, a cada ano.

Proibidos na UE materiais e produtos associados à desflorestação

Outro regulamento, neste caso já aprovado, está relacionado com a proibição de circulação na UE de um conjunto de produtos – de base e derivados – que estejam associados a praticas que contribuem para a degradação da floresta ou de desflorestação a nível global.

O objetivo é travar a desflorestação mundial que tem a procura e consumo europeus como impulsionadores, reduzindo também o contributo da EU para a perda de biodiversidade e para as emissões de gases com efeito de estufa. Segundo o Parlamento Europeu, entre 2010 e 2020, o consumo europeu esteve na origem de 10% da área desflorestada a nível global – área esta que ultrapassou o equivalente a todo o território da União Europeia nestes 10 anos.

Entre os produtos de base englobados estão, entre outros, a madeira, o café, o cacau, a soja e o gado bovino. Nos derivados destas matérias-primas (ou a elas associados) encontram-se desde o chocolate ao óleo de soja, passando pelas câmaras de ar de borracha, lenha, contraplacados, barris e mobiliário de madeira, livros ou jornais. Conheça a lista completa dos produtos base e derivados abrangidos pelo novo regulamento.

O regulamento entrou em vigor ainda na Primavera de 2023 e inclui mais produtos do que os inicialmente propostos. Nos produtos base, foi incluído, por exemplo, o carvão vegetal, enquanto nos derivados entraram os produtos de papel impresso, que não constavam da lista inicial. Adicionadas foram também clausulas relativas à proteção dos direitos humanos e dos povos indígenas nos locais onde são exploradas parte significativa das matérias-primas base abrangidas pela legislação.

Assim, estão proibidas de importação, comercialização e exportação no espaço da União (e países com acordos com a UE, como a Islândia ou a Suíça) estas matérias-primas e derivados que não comprovem a sua conformidade com requisitos de sustentabilidade, nomeadamente em termos de rastreabilidade e cumprimento da legislação no local de origem (corte e comércio ilegal de madeira, por exemplo).