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11.07.2025

HoloFlora: realidade mista ao serviço da biodiversidade florestal

HoloFlora: realidade mista ao serviço da biodiversidade florestal

Uma equipa de investigadores europeus desenvolveu a primeira aplicação interativa de realidade mista para a área da floresta. O protótipo, batizado como HoloFlora, foi concebido para visualizar indicadores de biodiversidade florestal, nomeadamente para conhecer e monitorizar os micro-habitats que se “escondem” nas árvores.

A biodiversidade florestal é essencial para a saúde dos ecossistemas e também para o bem-estar humano, mas está sob ameaça crescente devido a uma diversidade de pressões, como as que resultam das alterações climáticas e da poluição. Avaliar com precisão esta biodiversidade é crucial para uma gestão florestal sustentável e foi nesse contexto que uma equipa de cientistas europeus desenvolveu a HoloFlora, a primeira aplicação interativa de realidade mista (MR), concebida para visualizar indicadores de biodiversidade diretamente sobre as árvores, em ambientes florestais.

A realidade mista ou realidade híbrida é uma tecnologia que combina o mundo físico com realidade virtual e aumentada, sobrepondo hologramas e informações 3D sobre elementos reais para uma visualização interativa em tempo real. Tem sido aplicada em áreas como a educação médica, por exemplo, para criar modelos tridimensionais interativos de órgãos humanos, em que os estudantes podem treinar, ou na produção industrial, com a projeção de hologramas sobre as peças reais, para dar aos profissionais indicações precisas sobre a respetiva montagem.

Esta tecnologia nunca tinha sido aplicada ao conhecimento da floresta ou da biodiversidade florestal e foi isso a que se propuseram os autores do artigo “Advancing forest biodiversity visualisation through mixed reality”, disponível na revista científica Nature.

Com hologramas e informações em 3D sobre elementos reais da floresta, o HoloFlora permite aos utilizadores “observar” a biodiversidade invisível ou mais dificilmente observável nas árvores, com uma precisão suficiente para a visualização de zonas de interesse em ambientes complexos, como o florestal, onde existem muitas variações de luz, movimentos e texturas repetitivas.

HoloFlora direcionado à observação dos micro-habitats das árvores

A complexidade dos ambientes florestais constituiu, aliás, um desafio no desenvolvimento da aplicação Holoflora. Para ultrapassar este e outros obstáculos, a equipa teve de implementar melhorias ao seu protótipo, direcionando-o especificamente para os micro-habitats arbóreos.

O protótipo final do HoloFlora foi aplicado especificamente à visualização da biodiversidade florestal de quatro tipos específicos de micro-habitats ao nível da árvore:

  • Cavidades radiculares (sistema de raízes na base do tronco, junto ao solo), que servem de refúgio a diversas espécies, incluindo pequenos mamíferos e insetos;
  • Necroses na parte média do tronco, com áreas de apodrecimento da casca e madeira que albergam formas de vida minúsculas, incluindo fungos, aracnídeos ou insetos e que são importantes para a alimentação de outras como aves e morcegos;
  • Galhos mortos, que são importantes microhabitats para aves e insetos;
  • Feixes de ramos, tipo “vassoura de bruxa” (aglomerado denso e compacto de ramos e folhagem que saem de um mesmo ponto), onde se instalam habitualmente fungos e pequenos animais.

Cada elemento foi registado e modelado graficamente, para proporcionar uma nova experiência de observação e imersão. Em termos de desenvolvimento, a HoloFlora envolveu a criação de um sistema em duas fases bastante complexas, para mapeamento da área florestal e criação de conteúdos digitais.

Para mapeamento da área florestal foi usada a aplicação Immersal, que permite mapear e digitalizar espaços físicos para criar ambientes tridimensionais imersivos. O processo começou pela captação de imagens em iPhone com uma abordagem de captação semelhante à da fotogrametria (para extração de formas, geometrias, dimensões e posição dos objetos de estudo). Isto permitiu cobrir uma área de 10 x 10 metros, onde existiam três árvores. As imagens foram depois enviadas para o servidor Immersal para reconstrução de um mapa tridimensional (nuvens de pontos).

Para a criação de conteúdos digitais, foi feita a captura e processamento de fotografias da estrutura do tronco, a identificação de indicadores de biodiversidade (cavidades, necroses, galhos mortos e feixes de ramos) e a sua rotulagem virtual com a ferramenta Labelling Flora. Após extração das informações ecológicas das árvores, foi feita a respetiva georreferenciação no mapa da Immersal. O passo final incluiu a importação (nuvens de pontos 3D) para o motor Unity, um dos mais conhecidos motores para desenvolvimento de videojogos. Isto permitiu a respetiva animação com efeitos visuais. Estes conteúdos foram depois implementados no dispositivo HoloLens 2, para poderem ser visualizados através destes “óculos” de realidade mista.

Assim, a aplicação sobrepõe elementos virtuais tridimensionais – hologramas – sobre as árvores reais no terreno, criando uma experiência imersiva a quem observa estas árvores, e os micro-habitats identificados encontram-se animados e apoiados com legendas informativas. Alguns efeitos visuais podem ser ativados ou desativados pelos utilizadores.

Potencial de aplicação a novas áreas do conhecimento florestal

A solução foi avaliada em termos de usabilidade e aceitação da tecnologia, numa parcela especificamente gerida para treino em gestão florestal (na Suíça), por especialistas do sector florestal, com diferentes perfis (técnico de inventário florestal, proprietário e investigador) e experiências. Procedeu-se a uma avaliação individual e a uma discussão conjunta sobre melhorias, limitações e potencial de aplicações.

Em geral, a avaliação foi positiva, mas foram identificadas algumas limitações e sugestões, como a necessidade de corrigir as perdas de rastreamento que levam o conteúdo virtual a desalinhar-se da imagem real ou a adição de sons (sons de aves, por exemplo) que possam melhorar a experiência de imersão.

Como a metodologia aplicada no HoloFlora é adaptável, a realidade mista foi vista como uma nova forma para abordar outros desafios do sector, além dos micro-habitats presentes nas árvores. Entre eles, destacam-se:

  • Melhoria da informação de inventário florestal: visualizar dados de inventário florestal anteriores, ajudando a reduzir o viés do observador e a melhorar a compreensão sobre a evolução da floresta. Neste caso, as imagens ou nuvens de pontos de inventários anteriores poderiam ser implementadas em dispositivos de visualização acessíveis, como tablets.
  • Sensibilização e educação ambiental (entretenimento): criar guias florestais interativos que aumentem a consciencialização pública sobre os ecossistemas florestais e a perda de biodiversidade. Grandes nuvens de pontos obtidas através de varredura a laser móvel poderiam ser integradas com telemóveis, para proporcionar uma experiência imersiva acessível a um público mais amplo.
  • Tomada de decisões na gestão florestal: uma aplicação de realidade mista poderia recriar uma réplica digital da floresta para facilitar a colaboração entre profissionais que se encontram em campo e no escritório. Quem está à distância poderia obter uma visualização de áreas específicas da floresta e interagir com dados remotos – de sensores terrestres e aéreos – para guiar quem está em campo para locais, tarefas ou registos específicos.

Como sublinham os investigadores na sua conclusão, a aposta na realidade mista poderá contribuir para melhorar a capacidade de conhecer, compreender e apreciar os processos e ecossistemas que integram a floresta, incluindo aqueles que não se veem a olho nu. “Esta compreensão mais profunda poderia fomentar um apoio público mais forte para a gestão florestal sustentável e esforços mais amplos para combater a perda de biodiversidade (…)”.