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03.08.2023

Meteorologia, clima e florestas: árvores perdem o verde em pleno verão

Meteorologia, clima e florestas: árvores perdem o verde em pleno verão

37% das florestas das regiões temperadas e mediterrânicas europeias perderam o verde durante o verão de 2022, revela um estudo científico que relaciona meteorologia, clima e florestas, concluindo que a descoloração num dado verão resulta de eventos meteorológicos ocorridos nos três anos anteriores.

Durante o verão mais quente desde que há registo na Europa, o de 2022, a descoloração das florestas temperadas e mediterrânicas foi a mais extensa já observada, com 37% das árvores a perderem o verde em julho e agosto, como se o outono tivesse chegado mais cedo. As temperaturas elevadas e a seca registadas terão contribuído, nesse ano, para que muitas copas se tornassem acastanhadas prematuramente, mas a relação entre meteorologia, clima e florestas é mais complexa e não se explica apenas pelas condições meteorológicas de curto prazo.

A perda antecipada da coloração verde típica das florestas está relacionada com fenómenos meteorológicos específicos, que se repetem de forma consistente, durante um período de até três anos, concluiu uma equipa de investigadores do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique (ETH Zurich), no estudo “Meteorological history of low-forest-greenness events in Europe in 2002-2022”, publicado na revista Biogeosciences.

Nem todos os períodos de seca – mesmo que intensos e persistentes – fazem com que as florestas se tornem imediatamente acastanhadas, explicou o investigador principal do estudo, que estabelece uma relação (nunca antes estudada de forma sistemática) entre o declínio da floresta, as mudanças meteorológicas e as condições climáticas em contexto de aquecimento global.

Recorde-se que os eventos de perda de cor prematura são sintoma de aumento de stress e de perda de vitalidade das florestas, sinalizando também o declínio da sua saúde e o aumento de mortalidade das árvores, que causam a redução do coberto florestal.

História ajuda a compreender relação entre meteorologia, clima e florestas

Para chegar à conclusão de que as condições de clima registadas nos dois a três anos anteriores influenciam a perda de vitalidade florestal, a equipa investigou quantitativamente a história meteorológica que precedeu os mais significativos eventos de redução do verdor nas florestas temperadas e mediterrânicas. Três anos foi o tempo que foi preciso recuarem para identificar fenómenos representativos. O exercício foi feito para um período de 21 anos, de 2002 a 2022, e abrangeu praticamente toda a Europa (inclui, por exemplo, a Turquia, mas não a Rússia – veja mapas abaixo).

A equipa analisou anomalias de temperatura e fenómenos de pluviosidade fortes e persistentes – e seus períodos de ocorrência e duração –, assim como a sua relação com os sistemas meteorológicos de escala sinótica (ou de grande escala, como a frequência de ciclones e anticiclones), que são responsáveis pela formação de diferentes condições atmosféricas em vastas regiões – ao nível do bioma.

Estes dados foram relacionados com os do Índice de Vegetação por Diferença Normalizada (em inglês NDVI – Normalized Difference Vegetation Index). Este índice regista, através de deteção remota, a luz infravermelha refletida pelas árvores, que é mais intensa quando elas se encontram verdes. Quando existe mais clorofila é absorvida mais luz visível e refletida mais luz infravermelha. Assim, um NDVI mais baixo significa que existe menos clorofila, ou seja, que as árvores estão menos verdes.

Os anos mais críticos para as florestas europeias

As observações efetuadas no estudo permitiram saber que os anos com mais perdas de verde (NDVI mais baixos) nas florestas mediterrânicas foram 2022, 2008, 2005 e 2007 (por ordem decrescente). A Península Ibérica foi bastante afetada em alguns dos 21 anos analisados (2005, 2012, 2019 e 2022, por exemplo), sendo referida como um hotspot para a perda antecipada do verde das florestas.

Em média, os valores apurados indicam que as florestas mediterrânicas têm passado por mais eventos de descoloração e que estes eventos abrangem áreas mais extensas do que nas florestas temperadas. Apesar da maior frequência e extensão nas florestas mediterrânicas, a intensidade da descoloração é ligeiramente mais elevada nas florestas temperadas.

Nesta região central da Europa, os anos em que o verde das florestas mais se reduziu foram 2022, 2019, 2018 e 2020 (também por ordem decrescente). Em alguns deles, os efeitos estenderam-se à Escandinávia e Báltico (2018 e 2019) e afetaram partes do sul de França e do leste europeu (2020 e 2022).

Nas florestas da Europa Central, esta relação entre meteorologia, clima e floresta começou a intensificar-se mais recentemente – desde 2018 –, enquanto na região mediterrânica os fenómenos significativos de perda de verde começaram a observar-se antes: pouco após o início dos anos 2000.

Mapas com registo de NDVI baixos entre 2002 e 2022

(clique para aumentar)

Interior-Arvores-perdem-o-verde

Grelhas com registo de valores baixos de NDVI (encarnado), de 2002 a 2022, na floresta do bioma temperado (turquesa mais escuro) e mediterrânico (turquesa mais claro). Linha tracejada delimita os dois biomas. Fonte: Mapas patentes no Anexo C do estudoMeteorological history of low-forest-greenness events in Europe in 2002-2022”.

Em ambos os biomas florestais – mediterrânico e temperado – 2022 foi o ano mais crítico, com 37% das florestas afetadas pela perda de verdor durante o verão, o que excede bastante as maiores áreas afetadas anteriormente: mais 15% do que em 2018 e mais 13% do que em 2019.

O estudo observou ainda que ao longo destes 21 anos, 26% das florestas analisadas não foi afetada por qualquer perda de verde. As que passaram incólumes situam-se no nordeste da Europa ou em regiões montanhosas, como os Alpes e os Cárpatos, por exemplo.

2 a 3 anos de stress hídrico entre os precursores

Nas zonas estudadas há vários fenómenos meteorológicos que se conjugam e alguns que se repetem de forma consistente antes de ser observada a perda de coloração: os investigadores consideram-nos precursores da redução prematura do verde das florestas:

– Precursor comum nos biomas temperado e mediterrânico, embora com ligeiras diferenças temporais: acumulação anómala de períodos secos, com défice de chuva, ao longo dos 26 meses que precedem a redução de verde no bioma temperado e dos 34 meses que a antecedem no bioma mediterrânico. Intensificação da seca (falta de chuva) nos oito meses anteriores ao verão em causa nas florestas mediterrânicas.

– Precursor específico no bioma temperado: temperatura elevada persistente durante os 25 meses que precedem a perda de cor, com picos acentuados nas três anteriores estações de crescimento. Mais perto do verão em causa (quatro meses anteriores), anomalias de grande magnitude, com precipitação abaixo e temperatura acima da normal.

O tempo – e o acumular de condições de stress ao longo destes 2 a 3 anos – demonstra, assim, ter um papel determinante nos fenómenos de perda de verde (e vitalidade florestal). Isto compreende-se melhor ao sabermos que o verão de 2003 foi um dos mais secos e quentes de sempre em muitas partes da Europa, mas como não se tinham registado seca nem altas temperaturas persistentes nos anos anteriores, não se observaram fenómenos significativos de perda de verde nas florestas.

Em paralelo, o estudo evidencia que os sistemas meteorológicos de escala sinótica influenciam espacialmente os precursores acima descritos ao nível das grandes regiões (biomas): os períodos secos mais intensos devem-se à redução da frequência de ciclones no bioma mediterrânico e ao aumento da frequência de anticiclones no bioma temperado. Estes efeitos podem, no entanto, diferir à escala local em função do sistema climático que influencia especificamente a precipitação de dada área.

Embora prever se as florestas irão sofrer futuramente fenómenos de descoloração com base neste tipo análise da meteorologia seja redutor, uma vez que há vários outros fatores de ameaça que não podem ser retirados da equação (alguns também agravados pelos efeitos das alterações climáticas, como as pragas e doenças ou os incêndios), a equipa espera que a informação patente no estudo contribua para melhorar os modelos florestais e para apoiar medidas de gestão preventiva que apoiem a vitalidade e resiliência das florestas.