A nova Estratégia para a Biodiversidade na União Europeia traça caminhos para aumentar áreas protegidas, recuperar ecossistemas degradados e reverter a perda de biodiversidade. Com um horizonte de aplicação a 10 anos, o documento foi apresentado num momento em que a pandemia de Covid-19 faz aumentar a consciência sobre a relação direta entre a biodiversidade e a saúde humana.
“Das enormes florestas tropicais aos pequenos parques e jardins, da baleia azul aos fungos microscópicos, a biodiversidade é esta extraordinária variedade de vida na Terra. Nós, seres humanos, fazemos parte e dependemos totalmente desta rede de vida…”.
É com esta ideia que a Comissão Europeia abre a sua Comunicação sobre a Estratégia para a Biodiversidade em 2030. A nova Estratégia fez-se acompanhar por um breve vídeo que ilustra o significado de “Trazer a natureza de volta às nossas vidas”, frase que inspira os objetivos do documento, no qual se sublinha também que a recente pandemia de COVID-19 veio reforçar a urgência de respeitar o equilíbrio do planeta e reorientar a economia.
Ao encontro dos objetivos mais vastos da sustentabilidade e descarbonização da Europa visados no Pacto Ecológico Europeu, o documento apresenta novas pistas para reconciliar sociedade e natureza. A recuperação dos ecossistemas e da biodiversidade estão entre os pontos centrais desta Estratégia para a Biodiversidade, que se faz acompanhar por um Plano de Restauração da Natureza com compromissos e ações concretas.
O primeiro compromisso visa o aumento da rede europeia de áreas protegidas para pelo menos 30%, tanto em terra como no mar – o que representa, no mínimo, mais 4% em terra e 19% no mar, comparativamente ao que temos hoje. A Comissão Europeia apela ainda à gestão mais eficaz da rede europeia, em função de objetivos de conservação e monitorização apropriada.
Pretende-se partir das áreas definidas na Rede Natura 2000 e dar primazia à proteção de zonas com reconhecidos níveis de biodiversidade e contributo climático. Também serão prioritárias as zonas que, tendo potencial de biodiversidade, se encontram ameaçadas pelos efeitos das alterações climáticas.
Um terço destes 30% deverão obter estatuto de “estritamente protegidas” e é nesta fatia que se enquadra a proteção das florestas primárias que ainda subsistem, assim como das florestas com elevado valor de conservação. Caberá a cada Estado-Membro identificar as respetivas áreas a receber este estatuto. Adicionalmente, para assegurar uma rede transfronteiriça de biodiversidade coerente e resiliente, está prevista a definição de corredores ecológicos que evitem o isolamento genético e permitam a migração de espécies.
A plantação de árvores será enquadrada por uma nova Estratégia Florestal Europeia em 2021, visando as cidades e as áreas rurais – incluindo as agroflorestais – para ampliar espaços verdes, silvícolas e florestais e para reforçar o sequestro de carbono.
Nas áreas florestais, todas as parcelas públicas serão sujeitas a planos de gestão e pretende-se também melhorar a gestão nas áreas privadas. Da mesma forma, serão criadas orientações para favorecer práticas mais favoráveis à biodiversidade e a uma silvicultura mais próxima da natureza. A monitorização da saúde das florestas está contemplada.
A florestação, reflorestação e plantação de árvores que apoiem a restauração de ecossistemas e biodiversidade serão promovidas através dos planos estratégicos da PAC – Política Agrícola Comum e de fundos da Política de Coesão. Serão ainda mobilizados apoios de outros projetos, no âmbito de programas comunitários como o LIFE e o Cities.
Além das medidas acima descritas, o Plano de Restauração da Natureza na União Europeia integra mais de uma dezena de outros compromissos para 2030, entre os quais:
– reverter a perda de organismos polinizadores;
– reduzir em 50% o uso e risco associados ao uso de pesticidas químicos e mais perigosos;
– aumentar para um mínimo de 25% a área agrícola biológica;
– progredir significativamente na remediação de solos contaminados;
– restaurar 25 mil quilómetros de rios com curso natural;
– reduzir em 50% o número da Lista Vermelha de espécies ameaçadas por invasoras;
– Implementar um Plano Verde Urbano ambicioso nas cidades com pelo menos 20 mil habitantes.
As medidas beneficiarão de um novo enquadramento governamental que visa assegurar a sua implementação e monitorizar o seu progresso, melhorar o conhecimento, financiamento e investimento, assim como apoiar um processo de decisão público e privado mais orientado à proteção da natureza.
Considerando que a recuperação da natureza traz um importante contributo para alcançar os objetivos climáticos, a concretização da Estratégia para a Biodiversidade e do Plano que a acompanha beneficiarão de uma parcela dos 25% do orçamento europeu dedicado à ação climática. No entanto, o financiamento será suportado de várias outras formas, incluindo medidas fiscais a incidir sobre poluidores e utilizadores.
As crises climáticas e de biodiversidade estão intrinsecamente relacionadas e são a maior ameaça da humanidade nos próximos 10 anos. Perder biodiversidade é perder ecossistemas, negócios, segurança climática e alimentar, saúde, igualdade social (os mais desfavorecidos são mais vulneráveis), e o legado que devíamos deixar às gerações futuras. Para reforçar a urgência em travar a perda da biodiversidade, a Comissão Europeia divulgou vários indicadores estruturais, num alerta para que as pessoas adotem estilos de vida e padrões de consumo compatíveis com os recursos naturais do planeta. Aqui ficam alguns:
– A população global de espécies selvagens decresceu 60% durante os últimos 60 anos e um milhão de espécies estão em vias de extinção;
– Tanto a perda de biodiversidade, como as alterações climáticas têm efeitos em cascada e pontos de viragem, difíceis de reverter. A próxima década é essencial para evitar falhas ainda maiores no cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas;
– Metade do valor económico criado no mundo, ou seja, do Produto Interno Bruto global – cerca de 40 biliões de euros – depende da natureza e dos serviços que ela providencia, com destaque para sectores económicos centrais e altamente dependentes de recursos naturais, como a construção, agricultura e alimentação;
– Estima-se que o mundo tenha perdido entre 2,5 e 18,5 biliões de euros por ano em serviços do ecossistema, de 1997 a 2011, devido às alterações do uso do solo. Entre 5,5 e 10,5 biliões de euros anuais foram também perdidos, no mesmo intervalo de tempo, devido à degradação do solo.
Refira-se que, a par da Estratégia para a Biodiversidade, foi também aprovada a Estratégia do Prado ao Prato, para promover um sistema alimentar mais justo, saudável e amigo do ambiente.
Imagem de topo: © European Union, 2020