O relatório sobre o Estado das Florestas no Mundo 2022 (State of the World Forests – SOFO 2022) foi lançado no XV Congresso Florestal Mundial, em Seul, pela FAO – Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura. O documento reforça o papel da preservação do solo, das florestas e dos sistemas agroflorestais na mitigação e adaptação aos principais problemas enfrentados pela sociedade, incluindo conflitos, pandemia, crise climática e perda de biodiversidade.
O novo relatório da FAO sobre o Estado das Florestas no Mundo 2022 vem reforçar a inviabilidade de caminharmos para uma economia saudável com um planeta doente e destaca dois pontos essenciais: é preciso fazer um melhor uso da floresta e aumentar o investimento na sua conservação.
Assim, o SOFO explora três potenciais caminhos para uma recuperação económica e ambiental: parar a desflorestação e manter as florestas existentes; restaurar terras degradadas e expandir o uso de sistemas agroflorestais; usar as florestas de forma sustentável e construir cadeias de valor verdes.
Se, por um lado, este melhor uso das florestas promove a conservação da biodiversidade, ajuda a mitigar riscos climáticos, contribui para o bem-estar da população e gera rendimentos, que são especialmente relevantes para as comunidades rurais, por outro, constata-se que o investimento atual não é suficiente para capitalizar este potencial.
Estima-se que só para atingir as metas de neutralidade climática, este investimento teria de triplicar até 2030 e quadruplicar até 2050. Da mesma forma, para combater a perda da biodiversidade e a degradação dos solos, os valores necessários ascenderiam aos 203 mil milhões de dólares por ano até 2050.
Apesar de ser preciso mais envolvimento e investimento, o relatório sobre o Estado das Florestas no Mundo 2022 lembra que vários países compreendem já o potencial das florestas na mitigação dos efeitos das alterações climáticas e o papel importante que desempenham também no âmbito das estratégias de adaptação. Por exemplo, o restauro da floresta e da paisagem resultou na criação de 354 mil empregos de curta e longa duração em cinco países, em 2018: Brasil, El Salvador, México, Ruanda e Estados Unidos da América. Estes países comprometeram-se ainda a recuperar 30,7 milhões de hectares de solos degradados até 2030, principalmente através de atividades florestais.
Indicadores ajudam a traçar o Estado das Florestas no Mundo 2022
Para atuar há que perceber em que estado se encontram as florestas mundiais, e o novo relatório destaca e atualiza vários indicadores que ajudam a traçar este cenário:
- As florestas cobrem 31% da superfície terrestre do mundo, o correspondente a cerca de 4 mil milhões de hectares. Este total tem vindo a decrescer desde 1990. Embora o ritmo de desflorestação esteja a abrandar, entre 2015 e 2020 perderam-se 10 milhões de hectares por ano. A perda de área florestal tem assimetrias geográficas: América do Sul e África foram as regiões que mais floresta perderam entre 2010 e 2020, enquanto na Europa e em algumas regiões da Ásia se registaram aumentos líquidos na área florestal neste período.
- Entre 2000 e 2020, perderam-se 47 milhões de hectares de floresta primárias.
- A floresta plantada cobre cerca de 294 milhões de hectares, representando 7% do total de área florestal mundial. Esta área cresceu a um ritmo de 1% por ano entre 2015 e 2020. A América do Sul lidera a lista de zonas que estimularam este aumento, apesar do abrandamento face a valores registados anteriormente. As plantações florestais, com gestão intensiva, ocupam 131 milhões de hectares, 3% da área global de florestas e 45% da área de florestas plantadas.
- Em 2020, a área agroflorestal era de 45 milhões de hectares, valor agregado de 71 países e territórios do mundo, sobretudo impulsionado pela Ásia (31,2 milhões de hectares) e África (12,8 milhões de hectares). Estima-se que existam cerca de 1,28 milhões de hectares na América do Norte e Central. A tendência é que este valor suba, já que, entre 1990 e 2020, a área aumentou 4,21 milhões de hectares no conjunto de 54 países e territórios, com a Ásia e a África a encabeçar a lista.
- Mais de 700 milhões de hectares de floresta (18% da área florestal) integram zonas protegidas, valor que se mantém inalterado desde 2020.
- A floresta serve globalmente de habitat a 80% de espécies de anfíbios, 75% de pássaros e 68% de mamíferos e as florestas tropicais albergam cerca de 60% de todas as espécies de plantas vasculares.
- Estima-se que mais de metade do PIB – produto interno bruto – mundial dependa moderada ou fortemente de serviços relativos aos ecossistemas, incluindo os fornecidos pelas florestas, e que cerca de 33 milhões de pessoas (ou 1% do emprego a nível mundial) trabalhem diretamente no sector formal e informal florestal.
3 caminhos para amplificar o potencial das florestas
Para que as florestas possam contribuir efetivamente para um restabelecimento económico mundial inclusivo e resiliente é imperativo intensificarem-se as ações que amplificam o seu potencial. Dos três caminhos complementares apontados no relatório salienta-se a criação de sinergias que promovam a maximização do retorno, gerem mais benefícios ambientais, reforcem capacidades de adaptação e de resiliência e melhorem o desenvolvimento local sustentável.
1. Parar a desflorestação
Estima-se que parar a desflorestação evitaria a emissão anual de cerca de 3,6 gigatoneladas de gases com efeito de estufa equivalentes a dióxido de carbono (Gt CO2eq) entre 2020 e 2050, representando 14% da redução fundamental para que o aquecimento global se mantenha abaixo de 1,5 ºC.
A expansão da agricultura continua a ser a principal causa da desflorestação global e 90% está associada a razões como pobreza, práticas de produção insustentáveis e alterações nos padrões de consumo. A inversão deste caminho, promovendo a conservação da biodiversidade, a proteção dos solos e da água ou a manutenção da polinização, aumentaria ainda a capacidade de adaptação e resiliência de pessoas e ecossistemas.
2. Recuperar solos degradados
Recuperar 1,5 mil milhões dos 2,2 mil milhões de hectares de solos degradados a nível global com mosaicos de floresta, árvores e agricultura permitiria uma significativa expansão agroflorestal e uma maior produtividade agrícola. Adicionalmente, melhorias e alterações do uso do solo através de florestação e reflorestação poderiam ajudar a uma redução nas emissões de até 1,5 Gt CO2eq por ano entre 2020 e 2050.
3. Usar a floresta de forma equilibrada e criar cadeias de valor verdes
A necessidade crescente de matérias-primas deverá manter-se, uma vez que as perspetivas para o consumo global de recursos naturais apontam para um aumento exponencial: de 92 mil milhões de toneladas em 2017 para 190 mil milhões de toneladas em 2060, mantendo-se os padrões atuais. O uso sustentável da floresta, reforçando cadeias de valor “verdes”, torna-se, assim, uma prioridade para a criação de oportunidades de emprego e de meios de subsistência mais seguros.
Para que estas propostas comecem a dar frutos, o relatório da FAO aponta algumas soluções de partida que podem ser rapidamente colocadas em prática:
- Financiamento de políticas a longo prazo que criem empregos sustentáveis e mobilização do investimento do sector privado;
- Incentivo de agentes locais para que assumam papéis de liderança (mulheres, jovens e povos indígenas incluídos);
- Incentivo do diálogo acerca das políticas florestais sustentáveis para alcançar objetivos económicos e ambientais;
- Maximizar sinergias equilibradas entre estes três caminhos e entre políticas, entre outras, florestais, agrícolas e ambientais.
Para chegarmos a um rumo sustentável, que não esgote os recursos naturais e preserve as florestas, serão necessários ajustes nas políticas mundiais, que deverão incentivar o investimento na conservação, restauro e utilização sustentável das florestas. O relatório sobre o Estado das Florestas no Mundo 2022 aponta para a importância de estas políticas se alinharem em estratégias arrojadas para amplificar soluções que possam reforçar-se mutuamente e criar resiliência.
Sobre este tema, o Diretor-geral da FAO, Qu Dongyu, afirma no prefácio do relatório que “A busca equilibrada e simultânea por estes caminhos pode ajudar a resolver as crises que as pessoas e o planeta enfrentam, ao mesmo tempo que gera benefícios económicos sustentáveis, especialmente em comunidades em áreas rurais (muitas vezes remotas).” E acrescenta ainda que estas soluções têm “implicações económicas, sociais e ambientais que devem ser abordadas de modo holístico”.
Veja a apresentação em vídeo deste relatório, em que se incluem alguns dos principais destaques.