A expansão da agricultura continua a ser o principal motivo de desflorestação e degradação das florestas. O mais recente relatório The State of the World’s Forests atribui ao sector agrícola 73% da desflorestação a nível global, com um consequente declínio na biodiversidade. Uma maior sintonia entre os sistemas florestais e agrícolas é um dos caminhos identificados para que se possam alcançar os objetivos da biodiversidade e desenvolvimento sustentável.
Numa altura em que termina a década da Biodiversidade das Nações Unidas 2011-2020, a edição The State of the World´s Forests 2020 (SOFO) analisa a relação entre biodiversidade, floresta e agricultura, e destaca a necessidade de estabelecer novas estratégias para conciliar estas três vertentes essenciais à vida.
As florestas cobrem 31% da área do planeta e abrigam 80% das espécies de anfíbios, 75% dos pássaros e 68% dos mamíferos, lembra o relatório, e as florestas tropicais albergam 60% das plantas vasculares. A conservação da biodiversidade está, por isso, dependente da manutenção das florestas, que fazem também parte integrante da vida de milhões de pessoas.
As áreas de floresta e agricultura entrecruzam-se em vários graus – cerca de 40% da área agrícola global integra mais de 10% da superfície arborizada – e chegam até a sobrepor-se nos sistemas agroflorestais. No entanto, a dificuldade em reconhecer os benefícios que a floresta e os seus serviços do ecossistema prestam à agricultura tem originado opções de gestão que contribuem para a perda contínua da área florestal e da biodiversidade.
Alimentar a humanidade e ao mesmo tempo conservar e usar de forma sustentável os ecossistemas florestais são objetivos complementares e interdependentes. Neste sentido, além de conciliar a conservação da biodiversidade e o uso responsável das florestas, é fundamental ter em conta a necessidade de transformar os nossos sistemas de produção de alimentos.
Esta é uma das principais ideias a reter do The State of the World’s Forests 2020. Forests, Biodiversity and People, o relatório publicado no final de maio pela Organização das Nações Unidas (ONU) – através dos seus programas para o ambiente (UNAP) e para a agricultura e alimentação (FAO) – sobre a situação das florestas mundiais, que deixa também outro alerta: a desflorestação e a degradação da floresta mantêm-se a taxas alarmantes.
Estima-se que 420 milhões de hectares se tenham perdido nestes 30 anos devido a alterações do uso do solo. A perda de floresta primária foi calculada em mais de 80 milhões de hectares no mesmo período.
Apesar das más notícias, o ritmo de perda tem abrandado. Entre 2015 e 2020, a taxa de desflorestação foi estimada em 10 milhões de hectares anuais, abaixo dos 16 milhões de hectares anuais em 1990.
Ainda assim, o mundo continua muito longe do caminho certo para atingir a meta do Plano Estratégico das Florestas das Nações Unidas: aumentar a área florestal mundial em 3% até 2030, sublinham as mensagens-chave do The State of the World’s Forests 2020. Em paralelo, o reduzido aumento da gestão sustentável registado em áreas de agricultura e floresta (e também de aquacultura) contribuiu para falhar algumas metas da biodiversidade traçada para 2020 – a meta de biodiversidade 7, de Aichi – muito embora o documento realce os progressos feitos em termos de gestão florestal sustentável.
As florestas têm níveis de biodiversidade muito mais elevados do que os campos agrícolas. Por isso, os ecossistemas florestais contribuem positivamente para a produtividade e resiliência dos sistemas agrícolas próximos, refere o relatório, que inúmera um vasto conjunto de outros contributos positivos:
– estima-se que 75% da água potável venha de bacias hidrográficas florestadas;
– são reservatórios de variantes silvestres de espécies cultivadas que podem complementar as características das espécies domesticadas;
– sob gestão sustentável, podem minimizar perdas agrícolas relacionadas com a erosão do solo, deslizamento de terras e cheias;
– as matérias-primas de base florestal – por exemplo forragem, fibras e outras matérias orgânicas –, permitem reduzir custos e outas externalidades negativas relacionadas com a produção e o transporte destes materiais com origem em locais mais distantes;
– a polinização proveniente das muitas espécies que habitam as florestas é central à agricultura, já que cerca 35% do volume de alimentos produzidos a nível global beneficiam da polinização animal, entre os quais frutos, vegetais e cereais.
Esta relação entre floresta e agricultura não é, no entanto, recíproca. Em boa parte, devido à pressão de alimentar uma população mundial em forte crescimento, o que condiciona a sustentabilidade da agricultura, tornando o seu crescimento e as suas práticas em ameaças à floresta.
O sector agrícola é responsável por 73% da desflorestação em todo o mundo (o que leva a um sério declínio na biodiversidade, focado no capítulo 6 do relatório). O fracasso em reconhecer os reais benefícios das florestas e dos serviços florestais para a agricultura, inclusive para a biodiversidade, levou a escolhas de gestão que afetam negativamente a biodiversidade e resultam em perdas ainda mais amplas.
O cruzamento entre floresta e agricultura – tanto pela arborização de paisagens agrícolas, como pelo cultivo em paisagens florestais – otimiza a relação entre floresta, agricultura e biodiversidade, pelo que o foco nas abordagens à escala da paisagem (integrando agricultura e floresta) são uma recomendação fundamental das Nações Unidas. Em paralelo, a silvicultura responsável tem um papel essencial na conservação da biodiversidade.
O progresso na prevenção da extinção de espécies ameaçadas e na melhoria do seu estado de conservação tem sido lento, alerta o The State of the World’s Forests 2020, referindo que a recuperação florestal em larga escala é necessária para atender aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e para prevenir, interromper e reverter a perda de biodiversidade.
O documento lembra ainda que a saúde e bem-estar humanos estão intimamente associados às florestas, destacando – entre outros dados – que providenciam mais de 86 milhões de empregos e que quase mil milhões de pessoas dependem da floresta como fonte de energia e de alimento.