Pelo menos 61% do solo europeu apresenta sinais de degradação e o solo está a perder-se a um ritmo mais elevado do que a natureza consegue repor, revela o relatório de 2024 sobre o estado do solo na Europa, que alerta: faltam dados que são fundamentais para conhecer a saúde do solo e travar – ou inverter – as pressões a que está exposto.
Desenvolvido conjuntamente pelo Centro Comum de Investigação (JRC) da Comissão Europeia e pela Agência Europeia do Ambiente, o relatório “2024 State of Soils in Europe” releva que a degradação do solo europeu se tem intensificado nas últimas décadas e sublinha que é necessária mais informação e mais ação coordenada para reverter esta tendência.
Além ter encontrado sinais de degradação em pelo menos 61% do solo da União Europeia (UE), o relatório revela que, na maioria dos casos, existe mais do que um processo de deterioração a afetá-lo.
A perda de carbono orgânico do solo (SOC), que afeta 48% do solo, a perda potencial de biodiversidade em 37,5% do solo e a erosão causada pela água em terras agrícolas, detetada em 32%, são as formas mais prevalentes de degradação do solo europeu.
Estas são algumas das principais evidências apresentadas neste relatório que congrega dados de várias fontes, avaliando 18 processos de degradação de solo, agrupados em nove temas: erosão, poluição, impermeabilização, perda de biodiversidade do solo, nutrientes, perda de solos orgânicos, perda de carbono orgânico no solo, compactação e salinização do solo.
Com base nestes dados, foi criado pelo Observatório do Solo da UE (EUSO) o mapa das áreas suscetíveis de estarem afetadas por um ou mais processos de degradação do solo:
Estima-se que a União Europeia perca anualmente cerca de mil milhões de toneladas de solo devido à erosão, um valor insustentável, que excede a taxa natural de formação do solo (que pode ser de séculos ou milénios).
Os fenómenos de erosão hídrica são os principais responsáveis: aproximadamente um quarto do solo europeu é afetado pela erosão causada pelas águas (a incidência é maior no solo agrícola, de 32%), com as projeções a indicar que este fenómeno tende a agravar-se: em 2050, poderá ter aumentado entre 13 e 25%.
A esta causa, somam-se a erosão causada pelo vento, assim como por várias atividades humanas no sector primário, como as lavouras e colheitas, que além de contribuírem para a perda de solo são igualmente causa do aumento da sua compactação, principalmente em solos sujeitos a práticas intensivas.
Na perda de solo orgânico, o relatório salienta ainda a degradação das turfeiras. Estas zonas húmidas funcionam como sumidouros de gases de efeito de estufa (GEE), mas a conversão e utilização destes solos para outras finalidades transforma-os em emissores destes gases para a atmosfera.
A drenagem de turfeiras tem sido prática comum, principalmente na Europa Central, e as turfeiras drenadas na União Europeia são responsáveis por cerca de 5% do total de GEE que a UE emite para a atmosfera. A principal causa é a secagem destas áreas para instalação de campos agrícolas e, em muitos casos, a recuperação destas zonas húmidas já não é viável.
Além da perda direta de solo, somam-se inúmeros sintomas que indicam o declínio da sua saúde. Se não forem travados e revertidos, põem em risco o alcance das metas europeias em várias áreas relacionadas com a sustentabilidade do espaço europeu, desde a produção de alimento à biodiversidade e neutralidade carbónica.
Por exemplo, o carbono orgânico do solo continua em declínio: entre 2009 e 2018, perderam-se cerca de 70 milhões de toneladas de SOC dos solos minerais em terras aráveis na União Europeia e Reino Unido. A poluição difusa, por contaminantes como metais pesados e resíduos de pesticidas, é igualmente elevada, em particular nos solos agrícolas.
Os teores de nutrientes do solo apresentam desequilíbrios, que têm vindo a aumentar, como é o caso do excesso de azoto, afetando 74% das terras agrícolas. Se é certo que o azoto é essencial ao crescimento das plantas, o excesso, causado sobretudo pelo uso intensivo e desadequado de fertilizantes, tem consequências negativas que ultrapassam os impactes diretos no solo: constitui uma fonte de contaminação dos cursos de água e pode ser emitido para a atmosfera como óxido nitroso (gás de efeito estufa).
A salinação é outra das fontes de degradação do solo europeu e é particularmente problemática nas regiões mais áridas e mediterrânicas. Nesta vertente, é mais preocupante a chamada salinização secundária, que decorre da acumulação excessiva de sais solúveis na camada superior do solo, em parte pelas práticas de irrigação desadequadas.
O relatório sobre o estado do solo europeu analisa também a informação de vários países fora do espaço comunitário – além do antigo membro Reino Unido, inclui, entre outros, a Islândia, a Noruega, a Suíça, a Turquia, a Ucrânia e vários países balcânicos. Deste grupo, refira-se a destruição severa do solo ucraniano, decorrente do ataque russo, com uma estimativa de mais de 10 milhões de hectares de terras agrícolas degradadas devido ao conflito.
Apesar da existência de dados que permitem ter alguns indicadores e tendências, muitos outros estão em falta para aprofundar as pressões a que o solo europeu está exposto e para apoiar decisões informadas (políticas e práticas), que permitam promover ações mais eficazes destinadas a travar e, sempre que possível reverter, a degradação deste recurso essencial e não renovável.
Faltam dados abrangentes para conhecer muitos dos processos de degradação e as suas consequências, nomeadamente para saber mais sobre a poluição difusa, sobre o estado da compactação e da biodiversidade do solo, assim como para avaliar os impactes da degradação do solo, que são pouco conhecidos em várias áreas, como, por exemplo, na saúde humana e sustentabilidade socioeconómica.
A falta de sistemas robustos de monitorização do solo em muitos países da UE é uma das razões por que o conhecimento sobre o solo europeu apresenta limitações e é, por isso, uma das lacunas que o relatório destaca, alertando para a necessidade de ser rapidamente ultrapassada.
Parte significativa dos dados que integram o presente relatório vem do Observatório do Solo da UE – EUSO que, entre outras atividades, apoia o desenvolvimento operacional do Sistema de Monitorização Europeu (EU-Wide Soil Monitoring System) através do sistema LUCAS – Land Use/Cover Area Frame Survey.
Até 2024, o LUCAS tem sido o único sistema de monitorização da saúde do solo que fornece medições harmonizadas e sistemáticas sobre o território dos vários países (incluindo o território continental português), embora os pontos de amostragem no nosso país (476 pontos) precisem de ser reforçados para que se possa traçar um retrato fidedigno da saúde e evolução do nosso solo. O mesmo acontece em vários outros países europeus.
A existência de sistemas de monitorização em cada país, que se guiem pelos mesmos indicadores, parâmetros e metodologias é, por isso, um dos requisitos reforçados pelo relatório europeu para obter informação mais representativa, consistente e comparável.
Em Portugal, o Observatório Nacional do Solo, já anunciado, deverá constituir-se como o principal fornecedor destes dados e o responsável pelo estabelecimento de um sistema de monitorização oficial nacional, complementar ao sistema europeu e com ele harmonizado. Para operacionalizar este sistema, iniciou-se em 2023 um projeto piloto de monitorização, com a colheita de amostras de solo e o registo de dados no campo feitos em 100 locais e em dois períodos: de outubro a novembro de 2023 e de fevereiro a abril de 2024.
Fruto do trabalho efetuado, foi criado um “Manual de Colheita de Amostras e de Dados de Campo”, que dá a conhecer os minuciosos procedimentos e métodos a seguir, assim como os equipamentos a usar e os dados a registar, na colheita de amostras em diferentes locais e profundidades de solo.
Em 2024, o Laboratório de Solos e Plantas da UTAD – Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro é a entidade responsável pelas análises físicas e químicas às amostras colhidas ao abrigo do sistema de monitorização nacional.
Os procedimentos desta campanha piloto poderão vir a ser ajustados ao abrigo de novas orientações comunitárias, após ser aprovada a Diretiva de Monitorização e Resiliência do Solo da União Europeia – proposta em 2023 e que aguarda publicação –, a qual deverá tornar obrigatória a existência de sistemas similares de monitorização do solo em cada um dos Estados-Membros.
A nível europeu, a estratégia de solos da EU e a futura Lei de Monitorização de Solos, assim como a criação de sistema harmonizado de monitorização da saúde do solo nos países da EU, são apoiadas pelo programa de financiamento para Investigação e Desenvolvimento “A Soil Deal for Europe”.