Comentário

António Redondo

A história rica da floresta portuguesa

Sejam naturais ou de cultivo, as florestas representam o ecossistema terrestre dominante, onde abundam espaços de grande beleza e biodiversidade. Estima-se que as florestas sejam o habitat para 80% dos anfíbios, 75% das aves e 68% dos mamíferos.

Na Navigator, conhecemos bem a realidade da floresta nacional. Uma floresta que ocupa cerca de 35% do território continental; que cria mais de 100 mil empregos diretos num universo superior a 20 mil empresas; que é um importante motor económico e social no interior do país; que está na origem de 9% das exportações nacionais; que é ocupada por espécies autóctones em 72% da sua área; e que retira da atmosfera, por ano, cerca de seis milhões de toneladas de gases com efeito de estufa.

Sabemos também que a floresta nacional resulta da interseção do tempo lento da natureza com a evolução rápida da nossa sociedade. O saber técnico-científico e as práticas silvícolas foram-se desenvolvendo ao longo dos séculos para dar resposta às necessidades evolutivas do Homem – sejam elas por produtos e serviços ou, tão simplesmente, por mais e melhor conhecimento.

É neste enquadramento que se devem procurar gerir e compatibilizar interesses de produção sustentável de madeira e outros produtos florestais (como a cortiça e a resina), com as funções de proteção, lazer, fixação de CO2, combate à erosão, apicultura, entre muitas outras. Ou, dito de forma mais abrangente, compatibilizar com os serviços do ecossistema.

Num propósito de desenvolvimento sustentado para Portugal, é importante reconhecer as finalidades múltiplas dos mosaicos florestais e a fundamental dependência mútua na gestão de recursos entre floresta de produção e floresta de proteção.

Mas, num País onde a floresta de produção encontrou condições únicas de desenvolvimento, é igualmente fundamental reconhecer que ela está, em alguns dos seus subsetores, na base de verdadeiros clusters industriais totalmente nacionais, alicerçados em recursos naturais, renováveis e sustentáveis, e com uma intensidade de I&D e inovação sem grande paralelo no tecido empresarial de Portugal.

Clusters da maior relevância estratégica para o futuro do nosso País – não só pelo seu impacte económico na Balança Comercial, no VAB e na geração de emprego, mas também como contributo decisivo para a riqueza e para a fixação das populações em territórios menos favorecidos, e para o desenvolvimento de cadeias de abastecimento curtas e resilientes.

Temos a sorte de o País possuir condições edafoclimáticas excecionais para algumas espécies, que potenciam, em regiões diversas e muitas vezes complementares, uma produção silvo-industrial com rendimentos interessantes para os produtores. Acredita-se, aliás, que o uso potencial do solo para floresta é diferente do atual, dada a ocupação pouco racional do território com matos e incultos, e, não obstante a modernização e desenvolvimento das práticas agrícolas, a existência ainda de alguma agricultura marginal.

Urge partilhar com a opinião pública os dados técnico-científicos sobre a floresta nacional, mas também o enquadramento histórico-geográfico e socioeconómico em que ela se tem desenvolvido. É na interseção destes saberes e num debate factual, construtivo, aberto e racional, que se poderão encontrar as bases comuns transversais para o desenvolvimento de políticas públicas de longo prazo, que visem não delapidar uma posição única do País nos mercados internacionais dos produtos florestais, compatibilizando visões de desenvolvimento sustentável.

Da utopia à realidade

A visão idílica de um extenso, denso e diverso coberto florestal na Ibéria, que, se alguma vez realmente existiu, foi há mais de 5-10 milénios, bem antes da sedentarização das comunidades humanas e do surgimento da agropastorícia, é pouco realista. A construção do mosaico florestal não pode ser, pois, vista de forma independente da evolução humana, da ocupação do território, do desenvolvimento dos modelos económicos e das transições bioclimáticas.

Desde o final do Neolítico, parece claro o recuo da floresta na Ibéria, situação que igualmente ocorreu em muitas outras regiões da Europa, desde logo com o surgimento da economia agropastoril, mais tarde com o pastoreio extensivo, com os arroteamentos, com o uso da lenha para aquecimento humano e, posteriormente, com a sua utilização direta ou indireta (como carvão) na produção industrial – por exemplo, do azeite, do vidro e da metalurgia, nomeadamente de metais nobres, e ainda com a produção de cinzas para as saboarias.

Tendo recuado ainda mais em meados do século XV, com a necessidade de madeiras (pinho, carvalho e sobreiro) para apoiar a construção das diferentes armadas reais, essenciais às políticas de expansão, e que originaram a criação da primeira grande indústria portuguesa – a construção naval. Na expedição a Ceuta, em 1415, terão participado mais de 210 navios de diversos tipos; D. Afonso V (1438-1481) mantinha cerca de 350 navios nas costas africanas; e, para a batalha de Azamor, D. Manuel (1495-1521) terá utilizado 400 embarcações. Em meados do século XVI, Portugal possuía cerca de 300 navios oceânicos, principalmente para o comércio com o Brasil, e no final desse século cerca de 700 navios seriam necessários para organizar o comércio com a Índia. Muitas destas embarcações eram construídas fora de Portugal, nomeadamente na Índia e no Brasil, quer por limitações de capacidade dos estaleiros nacionais, quer por falta de matéria-prima – as madeiras propriamente ditas e o pez derivado do pinho, usado como vedante.

Mas não foram apenas o desenvolvimento dos centros urbanos, o crescimento da indústria com a suas necessidades energéticas e a construção naval os responsáveis pela crescente procura de madeira. Também a expansão da cultura da vinha, no século XVI, aumenta em certas regiões do País a procura de madeira para a produção de estacas e tonéis.

É exatamente D. Afonso V que tenta regulamentar por todo o País o corte das espécies necessárias à construção naval, paralelamente ao aumento generalizado da procura de produtos florestais em volta dos centros urbanos.

Contudo, a primeira grande medida régia de florestação terá sido a constituição do pinhal de Leiria, inicialmente mandado plantar pelo rei D. Afonso III (1248-1279), pai de D. Dinis, no século XIII, ainda que alguns autores atribuam o começo da plantação do pinhal ao seu irmão D. Sancho II (1223-1248). O intuito seria travar o avanço e degradação das dunas, bem como proteger os terrenos agrícolas, a cidade de Leiria e o seu castelo da deterioração devido às areias transportadas pelo vento. Seria mais tarde aumentado substancialmente no reinado de D. Dinis (1279-1325), que procedeu à sementeira duma área extensa que acompanhava o litoral, configuração próxima da que manteve até recentemente.

É também no reinado de D. Dinis que se multiplicam as cartas régias contra o corte de árvores e material lenhoso para comercialização. Um século mais tarde, no reinado de D. Duarte (1433-1438), com a promulgação do regimento dos “monteiros”, deixa de ser apenas a proteção da caça a sua única função, assumindo também a fiscalização e controlo dos excessos da exploração descontrolada de madeiras.

O trânsito repetido de grandes rebanhos e a sua permanência nas mesmas regiões durante meses, bem como os efeitos dos fogos e das queimadas para melhorar os pastos, ou para caçar, contribuem decisivamente para uma degradação irreversível dos solos – já de si curtos e pobres, nomeadamente por erosão na época das chuvas. Mais tarde, os arroteamentos, sobretudo de 1450 a 1550, e os contratos de aforamento, aumentam a desflorestação.

Os documentos, no tempo de D. Manuel (1498), e o regimento de reflorestação que o antecedeu (1495) que obrigava todos os moradores a plantações de árvores, visto aos olhos de hoje, terão sido medidas ténues e incompletas para o necessário fomento florestal.

A medida legislativa mais emblemática de proteção da floresta foi tomada no tempo de D. Sebastião, pelo seu tio-avó e regente, D. Henrique, em 1565 – A Lei das Árvores. Num momento de transição da política comercial da expansão para o comércio das Índias e do Brasil, há diminuição de entrada de ouro africano. Para proteger a saída de metais preciosos para o estrangeiro, procuram-se limitar as importações de madeira e, sobretudo, potencia-se a floresta nacional, protegendo-a e promovendo a reflorestação, nomeadamente nos baldios e nas propriedades privadas – “Que se prantem árvores para madeira!”. Era a expressão mais simples da Lei.

O pinhal de Leiria, que, à data, já se encontrava fortemente degradado por uma intensiva sobre-exploração, é objeto de reflorestação por legislação específica no final desse século (XVI). A partir do século XVII, incluindo a dinastia Filipina, já que em Espanha escasseava igualmente a madeira para a construção naval, a legislação continua a orientar-se pelos objetivos da reflorestação. Nomeadamente de terrenos incultos. Contudo, a falta de mecanismos institucionais para controlo da implementação dessas medidas e a ausência da difusão de práticas silvícolas, limitam muito o seu alcance.

É preciso esperar pela primeira década do século XIX para que se assista em Portugal ao nascimento, ainda que lento, da silvicultura moderna, sob orientação de Andrada e Silva, Intendente-Geral das Minas e Metais. Mas é só no final do século XIX, com a criação dos “Serviços Florestais” na DG da Agricultura, que se assiste à profissionalização silvícola do Estado. Sendo a fixação dunar com pinho e os planos de florestação de terrenos baldios serranos as suas primeiras e mais emblemáticas tarefas. Na Serra da Estrela, a preocupação com o regime hidrológico, especialmente as torrentes nas bacias do Mondego e Tejo, recomendava o aumento do coberto florestal. As areias provenientes da desagregação dos terrenos da serra esterilizavam os campos, pelo que a correção das torrentes era fundamental para proteger os trabalhos feitos na regularização dos dois rios.

Mas se a expansão ultramarina teve impacte negativo na floresta nacional, também permitiu ao longo dos séculos a introdução em Portugal de novas espécies florestais, frutícolas, e até de novas culturas alimentares.

As viagens dos portugueses pelo Mundo, bem como a ocupação da Península por árabes, romanos e outros povos, trouxeram os cedros e ciprestes, a olaia, o plátano, o carvalho americano, os abetos, a criptoméria japónica, o eucalipto e muitas outras espécies florestais. Mas também novas variedades de citrinos, a macieira, a figueira, a cerejeira, o pessegueiro, e tantas outras frutícolas, e ainda a batata, a batata-doce, o milho, o arroz e o girassol, entre vários outros exemplos. Muitas das espécies da flora nacional com importância na alimentação e na economia das populações são plantas exóticas, que viajaram milhares de quilómetros para encontrarem no nosso País um território que as acolheu e onde se puderam naturalizar.

Crescimento e diversidade

É nos últimos 120 anos que a floresta nacional se volta a desenvolver, tendo a sua área duplicado. No início do século XX, a floresta ocupava cerca de 18% do território nacional, e hoje ocupa 35% – mais em linha com a média mundial, que se situa nos 30%. Este crescimento expressivo em Portugal ocorre em contraciclo com o resto do planeta, onde, nos últimos 100 anos, as florestas regrediram cerca de 20%, com particular destaque na África subsaariana, na América Latina e no Caribe, muito por influência da expansão da agricultura e da pecuária.

Atualmente, segundo a FAO, quase 50% do uso da floresta é ainda para a produção direta e indireta de energia, 33% para construção e mobiliário, e apenas cerca de 18% para a produção de painéis e aglomerados de madeira, para papel, cartão e tissue. Provavelmente, e ao contrário daquilo em que a opinião pública acredita, não é a indústria do papel, cartão e tissue o maior utilizador mundial de madeira, mas será muito provavelmente um dos principais florestadores industriais à escala global!

Contrariamente também ao que a opinião pública nacional, sobretudo urbana, tende a percecionar acerca da floresta de hoje, esta não só duplicou em área, como é muito mais diversa do que era no princípio do século passado. O montado de sobro e de azinho e o pinhal continuam a ser as espécies dominantes, então com 91% do território florestal e hoje com 61%. Mas enquanto o montado aumentou a área em 54%, o pinhal aumentou pouco mais de 17%. O crescimento do eucaliptal – espécie produzida em Portugal a partir de meados do século passado, portanto há quase 200 anos, que o posiciona hoje como terceira espécie florestal – os carvalhos, castanheiros e outras espécies (agora mais bem caracterizados no inventário do que então), justificam o restante crescimento do coberto florestal.

Os recursos naturais da região mediterrânica permitem que esta seja um hotspot de biodiversidade e um dos habitats naturais mais ricos do mundo. O clima – caracterizado por temperaturas amenas, invernos com chuva e verões quentes e secos – possibilita períodos de crescimento prolongados.

A diversidade da floresta faz com que Portugal seja o quarto país europeu com maior percentagem de floresta protegida: cerca de 22%, atrás da Itália (33%), da Alemanha (29%) e do Liechtenstein (26%).

Cerca de 30% das florestas da Europa são dominadas por uma única espécie florestal (sobretudo coníferas). Os restantes 70% são florestas dominadas por duas ou mais espécies florestais.

Em Portugal, nenhuma espécie isoladamente ocupa um terço do território florestal. Na Finlândia, por exemplo, o pinheiro-silvestre (Pinus sylvestris) ocupa cerca de 67% da área florestal. Na Áustria, o abeto (Picea abies, picea europeia, espruce europeu) é dominante, com cerca de 60% da área.

Partilhar conhecimento

Estes factos ilustram bem a realidade e a importância ambiental e socioeconómica da nossa floresta ao longo dos séculos, mas são também informações que uma grande maioria dos portugueses desconhece.
Nem sempre o vasto conhecimento estatístico, técnico e científico que existe em Portugal sobre a floresta está ao alcance de todos, sendo que muitas vezes está disperso e fragmentado, dificultando, por isso, uma visão integrada e transversal.

Por essa razão a floresta é alvo de opiniões, comentários e até, infelizmente, de decisões baseadas em pontos de vista ou emoções, quando deveria ser a ciência a nortear o caminho deste recurso fundamental.

Desta lacuna nasceu a ideia de desenvolver uma plataforma de conhecimento agregadora: um repositório acessível de informação técnica, científica e estatística sobre as florestas, com o foco nas florestas portuguesas. Promovida pela The Navigator Company, com a coordenação técnico-científica do Instituto de Investigação RAIZ, esta plataforma “Florestas.pt” quer divulgar informação e conhecimento sobre todas as espécies, e não focar a sua atenção na promoção de uma em detrimento de outras.

É a floresta, e a sua biodiversidade, que nos inspiram. Nas florestas geridas pela Navigator, por exemplo, catalogámos 235 espécies de fauna e 740 espécies de flora protegidas.

Somos, para além do primeiro produtor nacional de eucalipto globulus, matéria-prima de excelência que tem levado ao Mundo o nome de Portugal, um dos três primeiros produtores nacionais de pinheiro e de sobreiro, dispondo de um dos maiores viveiros da Europa, onde são produzidas mais de uma centena de espécies diferentes.

Pelo rigor e isenção intrínsecos a qualquer projeto de divulgação técnica e científica, a The Navigator Company entregou o desenvolvimento do “Florestas.pt” a um centro de investigação de referência, que há décadas se dedica à floresta – o RAIZ- Instituto da Investigação da Floresta e Papel.

Este é um centro investigação privado, sem fins lucrativos, que lidera importantes projetos internacionais e que é, inclusive, reconhecido como entidade do Sistema Científico e Tecnológico Nacional e como Centro de Interface de Valorização e Transferência de Tecnologia.

É, por isso, o RAIZ, com uma equipa dedicada e especializada, que desenvolve o “Florestas.pt” e o conhecimento que esta plataforma passa a disponibilizar aos portugueses.

Este compromisso com a partilha de conhecimento é, na Navigator, um testemunho claro da nossa visão e atuação para alcançar a sustentabilidade plena – social, económica e ambiental. É isto que fazemos através da capacitação de produtores e proprietários florestais, relativamente às melhores práticas de proteção ambiental, de plantação, certificação e aumentos de produtividade. É isto que fazemos nas nossas florestas, para melhor conciliar proteção de habitats e espécies, de valores culturais e patrimoniais, e áreas de produção melhoradas. E é também isto que fazemos nas nossas fábricas, com tecnologias mais limpas e eficientes ou, por exemplo, com a incorporação de sobrantes que substituem materiais de origem fóssil e contribuem para o desenvolvimento da economia circular e para o alcance das metas da neutralidade carbónica dessas unidades industriais, que antecipámos 15 anos, já para 2035.

Este compromisso com a floresta nacional reforça a competência e competitividade do sector silvícola nacional; cria emprego e induz a fixação de populações em regiões desfavorecidas; reduz o abandono rural e promove condições para intensificar a gestão florestal sustentável; beneficia o capital natural, os serviços do ecossistema e mitiga os riscos que os fazem perigar. E, ao fazê-lo, reforça a consciência de que as florestas e os organismos que abrigam são um ativo essencial à vida.

Congratulo-me por esta nossa visão ser partilhada por um conjunto relevante de académicos e entidades da comunidade científica e de organizações ligadas à floresta – que estão já a colaborar com este projeto.

E é nesse espírito que convido todos os portugueses a saber mais sobre a floresta nacional. Queremos contribuir para combater a desinformação, que teima em perdurar numa parte substancial da população portuguesa, sobretudo a mais urbana, e aproximar esta plataforma ao conhecimento técnico-científico, sobre um dos mais importantes recursos nacionais: a floresta.

O artigo assinalou o lançamento da plataforma Florestas.pt, em junho de 2020

O Autor

António Redondo é, desde 2019, CEO da The Navigator Company. Licenciado em Engenharia Química pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (1987), frequentou o 4.º ano de Gestão de Empresas da Universidade Internacional e completou um MBA, com especialização em Marketing, na Universidade Católica Portuguesa (1998). Ingressou na Soporcel em 1987 e até dezembro de 1998 exerceu diversas funções nas áreas de gestão de marketing e direção comercial. Foi posteriormente Diretor de Marketing da Soporcel e, entre janeiro de 2003 e março de 2007, Diretor Comercial do então Grupo Portucel Soporcel. Desde 2007 e até 2019, integrou a Comissão Executiva da The Navigator Company.

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