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Margarida Tomé

Queres ter um papel na gestão do ambiente e no ordenamento rural? O que sabes sobre a licenciatura de Engenharia Florestal e dos Recursos Naturais?

Estás na dúvida sobre a licenciatura a que te vais candidatar? Se queres ter um papel ativo na gestão do ambiente e no ordenamento do solo nas zonas naturais e rurais, então a licenciatura a escolher é, sem dúvida, Engenharia Florestal e dos Recursos Naturais!

Ao contrário do que muitos pensam, esta licenciatura não trata da exploração e corte de árvores, mas, pelo contrário, da gestão e proteção dos ecossistemas florestais considerando todos os serviços dos ecossistemas que produzem (de produção, de regulação, culturais e de suporte), mantendo a saúde e vitalidade do ecossistema para que este continue a fornecer todos os serviços que são essenciais para a humanidade.

Sabias que, além da filosofia e da astronomia, o estudo das florestas representa uma das ciências mais antigas? Foi há 300 anos (em 1713), que Hans Carl von Carlowitz publicou o livro Silvicultura Oeconomica. Nesta obra surge o primeiro registo escrito da palavra “sustentabilidade”, ou seja, a necessidade de assegurar a continuidade a longo prazo de qualquer recurso natural. Hoje o tema está na moda e aplica-se a todos os recursos naturais, mas parece ter sido aplicado primeiro à silvicultura.

As opiniões de Hans Carl von Carlowitz, expressas na sua Silvicultura Oeconomica, foram, algumas décadas depois, adotadas pelos gestores florestais de outras regiões da Alemanha e Europa e, mais tarde, em todo o mundo. Entre os seus primeiros seguidores estava Heinrich Cotta, que fundou a primeira faculdade florestal na Alemanha por volta de 1795, em Dresden, e Gottlob König, que estabeleceu uma segunda academia florestal em Eisenach.

Estas primeiras universidades com ensino florestal desenvolveram a silvicultura como uma disciplina científica baseada no princípio da sustentabilidade. A silvicultura, hoje mais conhecida como Engenharia Florestal, pode, com razão, reivindicar ser o berço da sustentabilidade, conceito que foi, mais tarde, alargado à gestão de todos os recursos naturais, culminando em 2012, na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, que fez da sustentabilidade o princípio fundamental do desenvolvimento global.

A licenciatura de Engenharia Florestal segue uma abordagem multidisciplinar baseada na ecologia e estudo do funcionamento dos ecossistemas, considerando não só a vegetação, mas também o solo e ainda todas as populações que coabitam no ecossistema, desde os microrganismos, aos répteis, aos mamíferos e até às populações das águas doces. É com base num conhecimento profundo do funcionamento dos ecossistemas florestais e dos vários serviços que prestam à humanidade que os Engenheiros Florestais tomam as decisões que levam à satisfação das necessidades da sociedade e à conservação da natureza.

Os serviços dos ecossistemas de produção referem-se aos produtos que são produzidos pelos ecossistemas, tais como madeira e fibras, biomassa para energia e produtos florestais não lenhosos. Os serviços de regulação agrupam todos os benefícios que resultam na regulação dos processos dos ecossistemas tais como o controlo do clima, o sequestro de carbono, a purificação do ar e da água, a regulação do ciclo da água, o controlo da erosão, das cheias e de pragas e doenças. Os serviços culturais são os benefícios não materiais fornecidos pelos ecossistemas tais como recreio, educação e ciência, valores estéticos e espirituais. Por fim, os serviços de suporte são os serviços necessários para a produção de todos os outros serviços como os ciclos dos nutrientes, a formação de solo, a polinização e a dispersão de sementes.

Engenharia florestal: uma visão abrangente, de longo prazo e ao nível da paisagem

Num mundo atual em mudança (nomeadamente alterações climáticas, alterações nos requisitos da sociedade sobre a natureza, transição para uma bioeconomia circular livre de combustíveis fósseis) as decisões de intervenção na floresta (gestão florestal) e sobre o uso do solo não podem ser tomadas individualmente ao nível de cada povoamento florestal – área homogénea do ponto de vista ambiental, de composição e estrutura – mas têm antes que ser tomadas ao nível de uma área maior constituída por vários povoamentos – uma unidade de gestão ou uma “paisagem” – de forma a garantir que os vários povoamentos, no seu conjunto, cumprem os objetivos de conservação e de produção que a sociedade requer.

O planeamento do uso do solo é, hoje em dia, uma das principais áreas de intervenção dos Engenheiros Florestais, assim como o é a definição, num horizonte de longo prazo, das intervenções a realizar em cada um dos povoamentos constituintes de uma unidade de gestão de forma a atingir os objetivos que se pretendem e que incluem, como já disse atrás, a manutenção de ecossistemas saudáveis, capazes de fornecer todos os serviços de ecossistema de que a sociedade depende.

Existem muitos tipos de povoamentos, desde as florestas naturais às plantações de uma única espécie, e muitas formas de os gerir e de fazer “conversões” entre tipos de florestas. A ideia que existe na sociedade de que há florestas “boas” – as naturais – e florestas “más” – as plantações – é completamente errada, pois cada tipo de floresta tem a sua função no desenvolvimento sustentável do planeta. Todas as florestas fornecem os vários serviços do ecossistema, mas a proporção entre eles é diferente dependendo do tipo de floresta. O importante são as decisões sobre onde cada tipo de floresta deve estar e qual a melhor maneira de fazer a sua gestão.

Além disso, existe aquilo a que chamamos a sucessão ecológica que, só ao fim de muitos anos, origina ecossistemas que são geralmente reconhecidos como florestas naturais. Num ecossistema degradado com solos esqueléticos é impossível implantar uma floresta natural! Há que começar pelo repovoamento – natural ou por plantação – das espécies florestais “pioneiras”, capazes de se desenvolver em ambientes inóspitos.

O papel do Engenheiro Florestal pode ser ajudar a natureza a avançar mais rapidamente na sucessão ecológica, mas tudo isto exige um profundo conhecimento sobre o funcionamento dos ecossistemas florestais e uma grande capacidade dos técnicos para praticar uma gestão adequada.

Atualmente pratica-se o que se chama de gestão adaptativa, baseada em monitorização, ou seja, a aplicação de uma primeira proposta de gestão que se espera ser capaz de corresponder aos objetivos pretendidos, seguida de uma análise contínua da reação da natureza às intervenções dos gestores florestais, os quais deverão sugerir alterações à gestão inicialmente proposta sempre que haja desvios em relação à evolução que se pretendia ou sempre que se redefinam os objetivos anteriores, o que, neste mundo em constante mudança, acontece com frequência.

A profissão de Engenheiro Florestal é, assim, uma profissão extremamente rica, com grande responsabilidade no futuro do planeta!

Os Engenheiros Florestais devem obviamente trabalhar em conjunto com colegas de outras especialidades pois só assim se consegue compreender melhor a natureza e garantir um planeamento adequado para atingir os objetivos cuja definição, ela própria, faz parte do planeamento e que deve ser feita com a participação de todas as partes interessadas. É por isso que a licenciatura e mestrado em Engenharia Florestal e dos Recursos Naturais incluem disciplinas das áreas sociais e de economia que preparam os futuros gestores florestais para um melhor relacionamento com colegas destas áreas e para um melhor contacto com os proprietários privados (a maioria da floresta portuguesa é privada) e com a sociedade em geral.

Espero que estes pensamentos vos ajudem na escolha da licenciatura que melhor se adequa ao papel que pretendem vira ter na gestão do ambiente! Se vos ficaram algumas dúvidas, fiquem à vontade para me contactarem.

Agosto de 2024

O Autor

Engenheira florestal e professora catedrática do ISA – Instituto Superior de Agronomia, Margarida Tomé é membro do CEF – Centro de Estudos de Florestais, onde coordena a linha de investigação ForChange. A sua investigação tem incidido nas áreas de inventário de recursos florestais, monitorização da sustentabilidade da gestão florestal, modelação do crescimento da floresta sob um cenário de alterações globais, produtos florestais não lenhosos e serviços do ecossistema.

Margarida Tomé tem mais de 300 publicações, em 132 em revistas internacionais com referee. Desde 2001, é coeditora da série da Springer “Managing Forest Ecosystems”.

Desempenha funções em vários organismos, entre as quais a de vice-presidente da IUFRO – task force “Sustainable Planted Forests for a Greener Future”, a de vice-chair do Board do European Forest Institute e a de vogal do Conselho Nacional do Colégio de Engenharia Florestal na Ordem dos Engenheiros. Em julho de 2024 recebeu um Doutoramento Honoris Causa pela Universidade Politécnica de Madrid.

email: magatome@isa.ulisboa.pt

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