Comentário

Ricardo Almeida

Sobre a urgência de dados estatísticos do sector florestal português

Dispersão de dados e das entidades que os emitem, variedade de formatos – nem todos de amplo acesso – e inexistência de séries longas em muitos indicadores estão entre os fatores que dificultam aos dados estatísticos do sector florestal proporcionar uma visão clara da sua importância para a sociedade.

Os dados estatísticos têm adquirido, para todos os sectores da sociedade, uma importância crescente nas últimas décadas, decorrente do aumento da importância das tecnologias no quotidiano. Este novo panorama permitiu uma maior democratização no acesso aos dados, bem como uma maior capacidade na sua análise, transformação e no desenvolvimento de novas formas de visualização da informação, em variados formatos. Progressivamente, estes dados têm sido agrupados em plataformas digitais criadas para o efeito, construídas por sector da sociedade ou unidade territorial.

As plataformas digitais de informação estatística, de carácter público/governamental ou privado, surgiram como resposta à necessidade de alojar este volume de dados acrescido, divulgando estatísticas que permitem a descrição da sociedade nas suas mais variadas vertentes, a nível social, económico ou ambiental. Os portais de dados estabelecem, assim, uma forte ligação entre os produtores (que fazem a sua divulgação) e utilizadores de dados (que consomem a informação disponibilizada).

O sector florestal está presente em várias destas plataformas digitais estatísticas. Abrange vários domínios, desde a ocupação do solo até dados económicos e de produção industrial, entre muitos outros. A sua importância para a sociedade não está, porém, traduzida na quantidade de informação estatística disponível.

Além de não traduzirem a importância do sector, as condicionantes dos dados estatísticos do sector florestal limitam a tomada de decisões informadas, travam a identificação de oportunidades e lacunas, e contribuem para uma falta de informação – ou mesmo para a desinformação pública – que em nada beneficia a floresta e quem a ela se dedica.

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Mortágua ©Biond

Em Portugal é feita uma recolha periódica de dados de diversos temas relacionados com o sector florestal, em operações como o inventário florestal ou em estatísticas anuais sobre os mais variados temas e geografias.

Porém, o facto de o sector florestal abranger várias áreas da sociedade leva a que ocorra um efeito de dispersão da informação por várias entidades públicas e privadas que fazem a criação, divulgação e gestão de dados.

Em Portugal esta dispersão é um fator assinalável, incluindo-se, entre os exemplos de fontes de dados estatísticos do sector florestal: o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), o Instituto Nacional de Estatística (INE), a Direção Geral do Território (DGT), entre outras entidades da administração pública, bem como alguns exemplos de entidades do sector privado como a Biond – Forest Fibers from Portugal, a Associação Portuguesa da Cortiça (APCOR) ou a União da Floresta Mediterrânica (UNAC).

A dispersão de dados do sector florestal português está presente não só na quantidade de diferentes entidades detentoras de dados, como na grande variedade de formatos de dados disponíveis, desde tabelas de dados numéricos de fácil leitura e extração, até relatórios de informação em formato escrito ou ficheiros provenientes de Sistemas de Informação Geográfica, de mais difícil compreensão e, especialmente, implicando maiores dificuldades de extração e tratamento dos dados.

Também a frequente inexistência de séries longas de dados para muitos dos indicadores estatísticos de interesse para o sector, associada à dispersão de instituições que geram os dados e aos seus formatos, contribui para gerar desinteresse na informação sobre a floresta em Portugal, dando espaço à propagação de informações contraditórias, ou até mesmo enganosas, prejudicando o debate e o processo de adoção de medidas de cariz político e produtivo.

Estas condições dificultam o acesso por diferentes atores (desde técnicos até investigadores científicos) e limitam o seu potencial de utilização para apoiar tomadas de decisão, melhorar a eficiência na gestão florestal, identificar lacunas ou oportunidades associadas ao sector, apoiar a transição para a bioeconomia e melhorar o conhecimento em geral sobre a floresta portuguesa.

Dados estatísticos do sector florestal devem ser localizáveis, acessíveis, interoperáveis e reusáveis

Para resolver os problemas de acessibilidade dos dados deverão ser tomados alguns cuidados, que devem passar por uniformizar a informação disponível em formato de tabelas numéricas, de extração fácil, adaptando os diferentes formatos de dados existentes.

Também o processo de criação de uma estrutura de metadados, que permite documentar a fonte da informação, bem como a descrição de termos de interesse e a inclusão de observações específicas a dada variável, é essencial para aumentar a credibilidade da informação e usá-la de um modo informado. Pretende-se, então, garantir que os dados sejam facilmente localizáveis, acessíveis, interoperáveis e reusáveis, tal como estabelecido nos princípios FAIR para a gestão dos dados.

A criação de um portal agregador de dados estatísticos do sector florestal, inexistente até à data e que cumpra os aspetos acima referidos, será um passo determinante para resolver os problemas acima expostos, contribuindo de forma muito positiva para uma maior interoperabilidade e (re)usabilidade da informação existente sobre a floresta em Portugal, facilitadora de uma partilha mais aberta da informação.

Novembro 2023

O Autor

Ricardo Almeida é licenciado (2017) e mestre (2019) em Engenharia Florestal e dos Recursos Naturais pelo Instituto Superior de Agronomia, da Universidade de Lisboa, versando a sua tese de mestrado na área dos Incêndios Florestais e de Sistemas de Informação Geográfica.

Em 2023 é Engenheiro Florestal na Biond – Forest Fibers from Portugal, onde trabalha na área da estatística florestal (desde 2020).

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