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08.04.2022

6.º Relatório do IPCC: impactes, adaptação e vulnerabilidade às alterações climáticas

6.º Relatório do IPCC: impactes, adaptação e vulnerabilidade às alterações climáticas

O mundo tem de avançar, desde já, com fortes medidas de adaptação climática. Esta é a advertência deixada na segunda parte do 6.º relatório do IPCC – Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (fevereiro de 2022) das Nações Unidas. Impactes, adaptação e vulnerabilidades às alterações climáticas são os três aspetos analisados pelo segundo grupo de trabalho do IPCC e da sua análise sobressai a ideia de que não se está a fazer o suficiente para evitar riscos graves, desta forma, inevitáveis.

 

Este 6.º Relatório do IPCC, o mais extenso de sempre, baseia-se em mais de sete anos de dados científicos confirmados e a sua mensagem é explícita: é necessário reforçar a ação agora e enfrentar o problema das emissões de carbono para ajudar a evitar resultados possivelmente devastadores. Uma reação lenta não será suficiente para travar uma sucessão de consequências inevitável.

“Um atlas do sofrimento humano e uma acusação condenatória do fracasso da liderança climática”. Duras palavras do Secretário-geral da ONU, António Guterres, ao referir-se ao relatório do IPCC, que analisa os danos que as alterações climáticas já estão a causar e aqueles que surgirão, o que eles representam para comunidades e ecossistemas e que opções estão disponíveis para uma melhor adaptação a essas mudanças.

O 6.º relatório do IPCC lembra que riscos climáticos e não climáticos irão interagir, alimentando impactes e riscos de maior complexidade, resultando em impactes cada vez mais severos e recorrentes.

O limite estipulado para o aquecimento global volta a ser abordado: a revisão estima que o aquecimento global de 1,5 ºC acima da temperatura pré-industrial, ou seja, da temperatura média no período de referência 1850-1900 (mais 0,4 ºC que os atuais 1,1 ºC de aumento relativamente a 1850-1900) trará consequências com custos elevados, com perdas e danos para comunidades e ecossistemas, sendo já, nalguns casos, impossível de travar.

Este limite de 1,5 ºC, embora preocupante, significaria que não testemunharíamos eventos de proporções extremas com tanta frequência e que haveria menos disrupções dos ecossistemas. Estima-se que 158 milhões de pessoas seriam poupadas a faltas de água, de alimentos seguros e à pobreza extrema. Se, em algum momento, se ultrapassar este limite, ainda que temporariamente, estaremos perante riscos severos adicionais, alguns deles irreversíveis, avança o relatório, ultrapassando a capacidade de adaptação dos sistemas naturais.

Debruçando-se sobre a vulnerabilidade dos ecossistemas, o relatório estima que cerca de três mil milhões de pessoas vivem em áreas altamente vulneráveis às alterações climáticas. Esta vulnerabilidade depende de padrões de desenvolvimento socioeconómico, do uso insustentável do mar e do solo, da desigualdade, marginalização e de padrões históricos.

Adaptar é, por isto, palavra-chave, embora esta adaptação esteja a ser feita de forma desigual e, por vezes, sem visão estrutural: nalguns casos, lembra o relatório do IPCC, a redução de emissões de CO2 a curto prazo está a sobrepor-se a adaptações transformacionais.

Tornar mais ágil a implementação, aceleração, sustentação e adaptação dos ecossistemas implica compromisso e acompanhamento político, existência de estruturas institucionais dedicadas, definição de políticas e instrumentos com metas e prioridades claras, conhecimento aprofundado dos impactes, mobilização e acesso a recursos financeiros adequados, monitorização e avaliação e processos de governança inclusivos.

É, por isso, necessário planear de forma flexível e transversal, pensando em objetivos de longo prazo que tragam benefícios aos diversos sectores. Um modelo de resposta e desenvolvimento resiliente só será viabilizado quando forem criadas sinergias entre governos, sociedade civil e sector privado, meios de comunicação e instituições educacionais e científicas, além de cooperações a nível internacional.

Para começar, os governos terão de reduzir as emissões de CO2 durante a presente década, abandonando os combustíveis fósseis: é necessário que as emissões de CO2 sejam nulas a meio do século XXI e que se faça o mesmo com os gases com efeito de estufa na segunda parte do século. A manutenção e a recuperação dos sistemas naturais exigem do mundo o cumprimento destas metas.

Neste âmbito, António Guterres apelou aos governos do G20 que desmantelem as suas infraestruturas de carvão e acrescentou que, “como os eventos atuais deixam muito claro, a nossa dependência contínua de combustíveis fósseis torna a economia global e a segurança energética vulneráveis a choques e crises geopolíticas”. Quanto mais cedo se cortarem as emissões de CO2, mais depressa se detém esta subida e, mesmo que a redução seja diminuta, a diferença nos impactes das alterações climáticas será positiva. Por outro lado, se nada for feito, aproximar-nos-emos de uns catastróficos 2 ºC de aumento, uma subida que impossibilitará qualquer forma de adaptação.

 

 

Alterações climáticas no mundo

 

É “inequívoca” a ameaça que as alterações climáticas representam quer para o bem-estar humano, quer para a saúde do planeta, afirma-se no relatório do IPCC.

Nas próximas décadas, os efeitos destas alterações vão ser sentidos especialmente em zonas mais vulneráveis de África, Ásia, América Central e do Sul, Ártico e pequenas ilhas, afetando os seres humanos de várias formas: ao nível da saúde (com o aumento de doenças e de mortes prematuras), da alimentação, da disponibilidade de água e até ao nível da segurança das nações.

De todos os países, o relatório considera a Austrália um dos mais vulneráveis – já a sentir um aumento de fenómenos extremos, com duros efeitos para comunidades e ecossistemas.

Ressalta-se também a existência de disparidades nos custos estimados para responder às adaptações necessárias, com muito do orçamento dos países alocado apenas à mitigação de impactes.

 

Aquecimento acelera na Europa

 

A Europa será o continente em que o aquecimento aumentará mais aceleradamente face à média global e o relatório não deixa dúvidas: o aumento dos impactes das alterações climáticas no continente europeu resultou já em perdas e danos nos ecossistemas, nos sistemas alimentares, infraestruturas, disponibilidade de energia e água, economia e saúde pública.

Se, nos países a norte, se apontam alguns benefícios, como o aumento do rendimento agrícola e a expansão florestal, a sul o aquecimento trará riscos e pressões adicionais, como o aumento da necessidade de arrefecimento do ar, a escassez de água e a diminuição da produtividade florestal e agrícola.

Geografia e clima ditam que Portugal seja um dos países europeus em situação de maior vulnerabilidade: a subida do nível médio do mar e os fenómenos meteorológicos extremos (como a seca) obrigarão ao reforço de estratégias de mitigação e adaptação.

A escassez de água e a diminuição da produtividade agrícola estão, aliás, entre os principais riscos indicados para a Europa, e juntam-se-lhes o aumento da mortalidade e de doenças, de eventos extremos, do nível do mar e do risco de inundações em áreas costeiras, fluviais e pluviais (zonas em que existe falta de escoamento das águas da chuva por saturação do solo).

 

Alterações climáticas e florestas

 

Incêndios, seca e surtos de pragas são alguns dos distúrbios que podem acelerar a redução da área florestal, o que exige uma adaptação ágil.

Se é certo que as alterações climáticas estão a levar a condições que alimentam os incêndios – aumento da seca, da aridez do solo e da duração da época de incêndios, por exemplo – importa ter em conta que um conjunto de outros fatores que estão também a influenciar o fenómeno dos incêndios, incluindo alterações do uso do solo, uma população global em crescimento e concentrada em centros urbanos, a degradação do solo e da água, a perda de biodiversidade e o surgimento de pandemias.

A relação entre estes fatores está a impactar a saúde e o bom funcionamento dos ecossistemas, incluindo os florestais. A adaptação e resiliência das florestas passa por medidas de conservação, proteção e restabelecimento, como a diversificação de espécies, por exemplo, mas também pelo reforço de medidas de prevenção, como o fogo técnico.

Reflorestar é, possivelmente, a forma mais prática e a que traz o maior custo-benefício em termos de captura e sequestro de carbono no solo, sobretudo se considerarmos espécies mais resilientes às alterações climáticas. No entanto, deixa um alerta: embora a replantação de áreas anteriormente florestadas possa trazer “múltiplos benefícios”, plantar árvores onde estas não crescem de forma natural pode trazer “impactes ambientais sérios, incluindo a exacerbação dos efeitos das alterações climáticas”. As zonas de savana são as áreas que se encontram em maior risco. Estes ecossistemas muito diversos dominados por vegetação herbácea têm vindo a sofrer alterações (resultado de alterações climáticas e teores elevado de CO2) para sistemas com uma maior presença de árvores. O aumento do coberto arbóreo causa perda de vegetação herbácea, diminuição da frequência de fogo (fundamental para a manutenção e vitalidade destes ecossistemas) e redução do escoamento de água, alterando a estrutura e função do ecossistema savana. É preciso garantir que as iniciativas de reflorestação são feitas em locais anteriormente florestados sem alterar outros tipos de ecossistemas.

De igual forma, é preciso gerir de forma sustentável as florestas naturais e as seminaturais. As avaliações apontam para que estas florestas contribuam para a mitigação de entre 5 e 7 mil milhões de toneladas de CO2 por ano.

A agrofloresta é também indicada como uma solução para a mitigação dos efeitos das alterações climáticas, benéfica na manutenção de sistemas alimentares saudáveis e produtivos. Neste caso, o 6.º relatório do IPCC refere estudos que demonstram que este tipo de sistema armazena 20% a 33% mais carbono no solo face aos solos agrícolas convencionais, reduzindo ainda o risco de incêndio.

 

6.º Relatório do IPCC encerra com avaliação síntese, em setembro

 

Instituído em 1988, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas é o órgão internacional de referência em ciência do clima. Os principais relatórios que desenvolve são publicados a cada cinco ou sete anos e têm grande influência nos acordos internacionais – como é exemplo a Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, realizada anualmente e marcada neste ano de 2022 para novembro.

O 6.º Relatório do IPCC está a ser desenvolvido em quatro partes: a primeira foi publicada em 2021 e incidiu sobre as bases científicas que permitem compreender o sistema climático e as alterações climáticas. O próximo relatório será veiculado em abril de 2022 e irá focar-se nos métodos para redução das emissões de carbono da atmosfera. Para setembro está agendado o relatório síntese.

Aceda aqui aos relatórios do IPPC e a esta segunda parte do relatório do IPCC 2022.