A procura de madeira e produtos dela derivados vai continuar a crescer a um ritmo significativo. Este incremento deve-se ao aumento da população mundial e à procura de alternativas para os materiais não renováveis e para a transição energética. Mas será que temos madeira para implementar um modelo de bioeconomia sustentável até 2050?
O consumo global dos produtos primários que derivam da madeira – madeira serrada, folheados/laminados, aglomerados de fibras/partículas e pasta –, deverá crescer 37% até 2050 face a 2020. Se além destes produtos considerarmos as quantidades extras de madeira e fibras dela derivadas para substituir materiais não renováveis, rumo à descarbonização, a procura de madeira será ainda superior. E faltam ainda contabilizar as novas necessidades da indústria e da geração de energia.
As projeções sobre as necessidades crescentes que se antecipam para estes biomateriais, nas três próximas décadas, são dadas a conhecer no Global forest sector outlook 2050 – Assessing future demand and sources of timber for a sustainable economy, uma publicação que analisa o panorama do sector florestal e que antecipa os caminhos a percorrer para que seja possível conciliar as necessidades e a produção mundial desta matéria-prima natural e renovável num contexto de transição para uma bioeconomia sustentável.
O documento resulta de um trabalho de fundo, desenvolvido em conjunto pela FAO – Organização das Nações Unidas para a Alimentação e pela ITTO – Organização Internacional das Madeiras Tropicais, apoiado pela consultora Unique Land Use. As três entidades apresentam diferentes cenários para o consumo de madeira e traçam previsões de longo prazo (2050), avaliando como se poderá aumentar a produção, de modo a dar resposta a um modelo económico capaz de cumprir as metas de redução de gases com efeito de estufa e os objetivos da transição energética.
Embora se antecipe que a produção de diferentes produtos de madeira crescerá a taxas diferenciadas, não há dúvida de que nos próximos anos assistiremos ao crescimento acentuado do consumo e da procura de madeira no mundo, qualquer que seja o cenário traçado.
Esta tendência será motivada pelo aumento projetado para a população mundial (de 25%) e pelo maior rendimento – e consumo de bens, como mobiliário, papel e vestuário – por parte das populações dos países emergentes, assim como pela crescente utilização da madeira na área da construção. Em paralelo, a procura de madeira será alavancada pela necessidade de encontrar alternativas mais sustentáveis para materiais e produtos não renováveis, nas quais os materiais lenhosos e fibras com origem na floresta terão relevância crescente.
Para que o sector florestal possa dar resposta às projeções de crescimento da procura de madeira, é necessário aumentar a respetiva produção, de forma sustentável. De acordo com este relatório, o caminho a seguir para nos aproximarmos deste objetivo passará por:
– aumentar a produção nas florestas temperadas e boreais regeneradas naturalmente;
– aumentar a madeira proveniente das áreas de florestas plantadas no chamado “sul global” (países em desenvolvimento, localizados no hemisfério sul);
– aumentar a produtividade das florestas existentes através da gestão florestal sustentável;
– encorajar a produção de madeira como parte integrante de programas e projetos de restauro ambiental e florestal;
– plantar novas florestas – pelo menos 33 milhões de hectares de plantações florestais de elevada produtividade serão necessários para satisfazer a procura básica de madeira de rolaria industrial, assumindo que a produção de madeira nas florestas de regeneração natural se mantenha estável.
Embora defina a rota, o relatório deixa o alerta: estimativas concretas sobre o contributo de cada tipo de floresta e das diferentes regiões fornecedoras de madeira em 2050 têm um elevado grau de incerteza.
Levar adiante estas medidas de manutenção e expansão da produção de madeira para transformação requer investimentos avultados, tanto diretamente nas florestas, como dirigidos à modernização e criação de indústrias dedicadas. O relatório estima que será necessário um total anual de, no mínimo, 66 mil milhões de dólares (USD) (40 mil milhões para a floresta e 25 mil milhões para a indústria de processamento de madeira).
Apesar de significativo, este investimento deverá ter pouca relevância na criação de emprego no sector florestal que, em 2050, deverá rondar indicadores semelhantes aos de 2019: cerca de 33,3 milhões de postos de trabalho formais e informais, refere o documento. Este emprego vai, no entanto, requerer maiores exigências em termos de educação e formação, em particular no que diz respeito aos requisitos dos profissionais da cada vez mais sofisticada indústria de base florestal. Ainda assim, o documento identifica que a substituição de materiais não renováveis por soluções de base florestal poderá criar até 1 milhão de empregos nos países em desenvolvimento.
Entre 1990 e 2020, o consumo de produtos primários derivados da madeira aumentou de 1,8 para perto de 2,3 mil milhões de metros cúbicos (quantidade equivalente a rolaria). Este acréscimo deveu-se, sobretudo, à procura por painéis, aplicáveis na construção, no mobiliário e no acondicionamento de cargas. Os gigantes no consumo foram, em 2020, o sudeste da Ásia (35%), a Europa (24%) e a América do Norte (23%) – em conjunto, absorveram 82% da produção global, apesar de alojarem apenas 32% da população mundial.
No cenário traçado para estes produtos primários, o seu incremento significará que, em 2050, necessitaremos de pelo menos 3,1 mil milhões de metros cúbicos de madeira: mais 37% face a 2020 (projeção baseada no Global Forest Products Model – GFPM).
As estimativas indicam que vão consumir-se, principalmente, mais painéis: mais 102% folheados/laminados e mais 72% de aglomerados de fibras/partículas face aos níveis de 2020. Mas crescerá também a necessidade de madeira de rolaria (mais 30%) e de pasta para papel (mais 5%). Neste último caso, o crescimento será alavancado pelos papéis para uso doméstico (tissue) e para as novas soluções de embalagem.
Mas os referidos 3,1 mil milhões de metros cúbicos de madeira elevam-se até perto dos 3,4 mil milhões quando é considerada a procura de madeira adicional para fazer face aos acréscimos previstos no sector da construção e na produção de fibras de celulose. Em ambos os casos, a madeira e seus compostos serão biomateriais essenciais para substituir produtos de origem não renovável. Estas duas vertentes, quando conjugadas, poderão significar necessidades acrescidas de até 272 milhões de metros cúbicos de madeira em 2050.
A madeira para construção usada em alternativa a materiais não renováveis deverá crescer entre 5% e 12% até 2050, passando de 4 milhões de metros cúbicos (2020) para entre 41 e 123 milhões de metros cúbicos em 2050.
A construção é já o sector que mais madeira consome (madeira serrada e derivados, como os painéis): o World Business Council for Sustainable Development (WBCSD) estimou que este consumo de derivados da madeira equivalesse a cerca de 1,2 mil milhões de metros cúbicos de toros, em 2018.
O uso de madeiras e derivados é comum na construção em vários países do Norte da América e Europa, mas tem vindo a ampliar-se noutros destinos como alternativa mais sustentável aos materiais convencionais, como o aço ou o tijolo. Na China, desde 2015 que estas alternativas têm sido promovidas e mais de 40% do consumo dos produtos primários derivados da madeira (excetuando pasta) já tem como destino a construção. Ainda assim, a madeira tem ainda margem de penetração nos países em desenvolvimento, já que é ali usada maioritariamente para os telhados em zonas rurais ou como ferramenta e estrutura de apoio à construção.
Além de madeira em bruto para a construção, uma das categorias de derivados mais promissora é a dos designados EWP (do inglês Engineered Wood Products), onde se incluem, por exemplo, os lamelados. Pela sua versatilidade, podem substituir elementos construtivos de grande dimensão, como subpisos de cimento ou paredes de tijolo, ajudando a reduzir para metade as emissões de gases com efeito de estufa geradas pelo sector.
A transição para alternativas com base na madeira é estratégica na construção, uma vez que esta é uma das atividades mais consumidora de energia e mais emissora de gases com efeito de estufa: em 2018, foi responsável por 36% do consumo de energia global e 39% das emissões. No trilho para atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e cumprir o Pacto Ecológico Europeu, é indispensável descarbonizar este sector.
A produção de fibras de celulose implicou, em 2020, cerca de 39 milhões de metros cúbicos de madeira, mas esta quantidade poderá subir entre 8% e 23%, para entre 57 e 149 milhões de metros cúbicos, consoante o ritmo a que, até 2050, as fibras de base florestal substituam materiais e produtos de origens não renováveis.
Uma das indústrias na qual se prevê que estas fibras (chamadas MMCF – Manmade Cellulosic Fibers) tenham maior aplicação é a dos têxteis, sendo este um dos usos da polpa ou pasta de madeira em que se antecipa um crescimento mais acentuado.
Recorde-se que a indústria têxtil é responsável por 10% das emissões de gases com efeito de estufa. Além disso, cerca de 0,5 milhões de toneladas de microfibras sintéticas (do vestuário) contaminam os rios e oceanos, representando 35% de toda a poluição por microplásticos. Há, por isso, pressão para reduzir estes fatores, cujas consequências nefastas vão da perda de biodiversidade à toxicidade dos ecossistemas marinhos.
Face ao crescimento populacional, as necessidades de têxteis (nomeadamente vestuário) deverão aumentar, em particular num cenário dominado pela fast fashion. O consumo global de fibras por indivíduo deverá, portanto, subir de 14 para 17,1 quilogramas, entre 2020 e 2030. Revela-se, por isso, estratégico o desenvolvimento de fibras têxteis mais ecológicas, como as extraídas da celulose.
Dependendo da intensidade do aproveitamento dos resíduos (resíduos da transformação dos toros), a indústria poderá necessitar de quantidades adicionais de madeira: entre mais 0,5 mil milhões e 0,9 mil milhões de metros cúbicos de rolaria e até mais 199 milhões de metros cúbicos (madeira para fibra) para substituir produtos de origem não renovável.
Já no que respeita à madeira para energia, a maioria das projeções indica um aumento médio, dos atuais 1,9 mil milhões de metros cúbicos para 2,1 a 2,7 mil milhões de metros cúbicos, embora os trabalhos analisados sobre esta temática sejam muito diferentes entre si, gerando intervalos de projeção muito dilatados e pouco seguros.
Certas previsões indicam um aumento significativo da energia por combustão da madeira. Contudo, outros sugerem uma moderação da procura de madeira para combustível, devido à adoção de novos métodos nas economias emergentes e à redução do consumo energético nos países desenvolvidos.
Ainda assim, este estudo indica que a produção de energia por combustão da madeira e resíduos lenhosos aumentará até 2050, seguindo duas tendências: na África subsaariana e no sul da Ásia, regiões em rápido crescimento, manter-se-á o uso tradicional de madeira para combustível; no mundo desenvolvido, prevê-se um maior relevo de outras aplicações da biomassa como fonte de energia renovável.