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21.02.2025

Como era a floresta no último período interglaciar?

Como era a floresta no último período interglaciar?

A imagem de uma vegetação densa, fechada e contínua, que é tradicionalmente usada para descrever as florestas primárias, está longe do que sugere um novo estudo científico sobre a paisagem temperada europeia e a sua floresta no último período interglaciar, antes da extinção da megafauna e das perturbações causadas pelas atividades humanas.

 

Este estudo, elaborado por uma ampla equipa de cientistas de diferentes países europeus e Canadá, procura reconstituir a vegetação do bioma temperado europeu e a sua floresta no último período interglaciar – designado como Eemiano, que ocorreu sensivelmente entre há 129 mil e 116 mil anos –, antes do homo sapiens chegar à Europa e começar a alterar a paisagem que existia naturalmente.

O artigo que apresenta este estudo, intitulado “Para além do paradigma da floresta fechada: Estrutura multiescala da vegetação na Europa temperada antes das extinções de megafauna do final do Quaternário“, foi divulgado, em fevereiro de 2025, na revista científica Earth History and Biodiversity, e apresenta evidências robustas de que a Europa temperada teria uma vegetação substancialmente aberta e heterogénea, tanto ao nível regional como local.

O estudo encontrou uma alta heterogeneidade local, com paisagens que variavam de florestas densas a prados secos, habitats ribeirinhos (ripícolas) e zonas semiabertas, sugerindo uma vegetação em mosaico.

As paisagens locais seriam, assim, compostas por mosaicos de vegetação aberta, zonas de floresta esparsa que permitia a entrada de luz solar abundante e núcleos florestais mais fechados que formariam zonas de sombra. Este mosaico proporcionaria uma variedade de habitats, capazes de suportar elevada biodiversidade.

As áreas analisadas a nível local seriam, em média, compostas por cerca de:

  • 17% de área de vegetação aberta;
  • 21% de florestas fechadas;
  • 63% de território com arvoredo disperso ou floresta esparsa. Esta paisagem predominante era dominada por espécies como aveleiras e carvalhos de folha caduca, que dependem de exposição solar para se regenerar e persistir.

Em termos de composição, a vegetação era dominada pelas seguintes espécies, identificadas de acordo com os diferentes grupos funcionais (vegetação aberta, floresta esparsa e floresta fechada):

Ao nível regional
% Média
Ao nível local
% Média
Aveleiras (Corylus spp.) - floresta esparsa
37,5
Aveleira (Corylus spp.) - floresta esparsa
38,2
Pinheiros (Pinus spp.) - floresta esparsa
12,3
Gramíneas da família das Poaceae – vegetação aberta
11
Gramíneas da família das Poaceae – vegetação aberta
10,1
Carvalhos (Quercus spp.) de folha caduca - floresta esparsa
8,8
Carvalhos (Quercus spp.) de folha caduca - floresta esparsa
9,2
Pinheiros (Pinus spp.) - floresta esparsa
8,7
Ulmeiros (Ulmus spp.) – floresta fechada
6,2
Ulmeiros (Ulmus spp.) – floresta fechada
5,9
Herbáceas da família das Cyperaceae - vegetação aberta
3,9
Herbáceas da família das Cyperaceae - vegetação aberta
4,6
Bétulas (Betula spp.) - floresta esparsa
3,2
Tílias (Tilia spp.) – floresta fechada
4,3
Abetos (Abies spp.) – floresta fechada
3,2
Bétulas (Betula spp.) - floresta esparsa
4,1
Freixos (Fraxinus spp.) – floresta fechada
3
Carpinus betulus – floresta fechada
3,9
Carpinus betulus – floresta fechada
3
Teixo (Taxus baccata) - floresta esparsa
2,4
Teixo (Taxus baccata) - floresta esparsa
1,3
Ameiros (Alnus spp.) – floresta fechada
1,1
Ameiros (Alnus spp.) – floresta fechada
1
Salgueiros (Salix spp.) - floresta esparsa
0,5
Espruces (Picea spp.) – floresta fechada
0,7
Espruces (Picea spp.) – floresta fechada
0,4
Torga ou urze (Calluna vulgaris) - vegetação aberta
0,5
Torga ou urze (Calluna vulgaris) - vegetação aberta
0,4

Ervas e pequenos arbustos estariam amplamente distribuídos pela floresta no último período interglaciar, reforçando a existência de diversos tipos de habitat, incluindo prados secos, terrenos perturbados, charnecas, matagais e zonas húmidas abertas, que confirmam a complexidade ecológica destes ecossistemas pristinos.

A análise efetuada encontrou baixa correlação entre os padrões locais de vegetação e os padrões observados ao nível regional, sugerindo que os fatores locais, como a diversidade geográfica e as perturbações causadas pelos grandes herbívoros (como o já extinto elefante-europeu-de-presas-retas, os rinocerontes e bisontes, por exemplo), tiveram mais influência na forma como a paisagem foi moldada do que fatores mais amplos, como a variabilidade climática.

Ainda assim, há evidência de que a “abertura da vegetação” a nível local tem relação com a precipitação e de que as diferenças locais e regionais destas áreas de vegetação aberta podem explicar-se por diferenças climáticas: longitude e precipitação de inverno mostraram influência na abertura da vegetação, com maior abertura nas regiões ocidentais e durante os invernos mais secos.

O estudo desafia, assim, a visão tradicional da floresta no último período interglaciar no bioma temperado europeu e, em vez de uma floresta natural densa e sombria, sugere uma paisagem mais aberta e heterogénea, em que as perturbações naturais à escala local tiveram um papel fundador, contribuindo para um ecossistema com maior diversidade estrutural e funcional.

Pólen ajudou a conhecer estrutura e diversidade da floresta no último período interglaciar

Centrado na época entre as duas últimas glaciações, em que o bioma temperado europeu era caracterizado por um clima mais quente, o estudo analisou várias áreas de paisagens locais e regionais (com cerca de nove e 100 quilómetros quadrados, respetivamente), no centro da Europa.

Para reconstruir a composição da vegetação local e regional, a equipa recorreu a dados de pólen fossilizado desta época interglaciar e recolhido principalmente em lagos e pântanos, e usou o Algoritmo de Reconstrução da Paisagem (LRA, de Shinya Sugita), que consiste na combinação de dois modelos:

  • REVEALS (Regional Estimates of VEgetation Abundance from Large Sites) – para estimar a cobertura de vegetação regional. Foi aplicado a 10 áreas regionais de aproximadamente 100 quilómetros quadrados cada.
  • LOVE (LOcal VEgetation abundance) – para estimar a abundância da vegetação local. Foi aplicado a 31 locais, com dimensões de cerca de nove quilómetros quadrados, integrando os resultados do modelo REVEALS relativamente às contribuições regionais do pólen.

O modelo foi ajustado com variáveis climáticas, topográficas e espaciais, tendo sido usados Índices de Diversidade e outras ferramentas, incluindo matemáticas, como um modelo de regressão para analisar a influência de fatores climáticos nos padrões da vegetação.

Nova visão pode apoiar estratégias de conservação e regeneração

A evidência que este estudo proporciona sobre a complexidade da vegetação e floresta no último período interglaciar reforça a necessidade de abandonar o paradigma de uma floresta primária densa e fechada e de adotar uma visão mais dinâmica e complexa dos biomas temperados europeus, reconhecendo a coexistência de vários tipos de florestas, prados arborizados e habitats semiabertos.

Esta visão sobre a biodiversidade e a funcionalidade ecológica dos ecossistemas pré-antropogénicos pode ter, inclusive, “implicações para a moderna conservação e renaturalização, em particular no que diz respeito à manutenção da diversidade através de perturbações naturais e interações com megafauna”.

Por exemplo, futuras estratégias de rewilding podem considerar a introdução grandes herbívoros, como cavalos selvagens e outros, para ajudar a reverter a homogeneização da paisagem e restaurar funções ecológicas perdidas.

Apesar deste contributo, o estudo reconhece várias limitações metodológicas que devem ser consideradas para interpretar os resultados e orientar futuras investigações.

Uma das principais limitações é a resolução espacial do modelo LOVE, que fornece estimativas de vegetação a uma escala de cerca de nove quilómetros quadrados, o que pode ser demasiado amplo para captar a estrutura detalhada da vegetação em escalas mais finas.

Em paralelo, as plantas polinizadas por insetos, como por exemplo as que integram a família Rosaceae, estarão sub-representadas nos registos de pólen, devido à sua baixa produção e limitada dispersão, o que pode levar a reconstruções incompletas das comunidades vegetais.

Outra limitação é a falta de calibração detalhada do modelo LOVE, que foi validado de forma mais limitada em comparação com o modelo REVEALS. Estudos adicionais de validação poderiam aumentar a robustez das estimativas locais. Além disso, a ausência de uma cronologia precisa em alguns locais pode ter dificultado a reconstrução temporal exata da vegetação.