A imagem de uma vegetação densa, fechada e contínua, que é tradicionalmente usada para descrever as florestas primárias, está longe do que sugere um novo estudo científico sobre a paisagem temperada europeia e a sua floresta no último período interglaciar, antes da extinção da megafauna e das perturbações causadas pelas atividades humanas.
Este estudo, elaborado por uma ampla equipa de cientistas de diferentes países europeus e Canadá, procura reconstituir a vegetação do bioma temperado europeu e a sua floresta no último período interglaciar – designado como Eemiano, que ocorreu sensivelmente entre há 129 mil e 116 mil anos –, antes do homo sapiens chegar à Europa e começar a alterar a paisagem que existia naturalmente.
O artigo que apresenta este estudo, intitulado “Para além do paradigma da floresta fechada: Estrutura multiescala da vegetação na Europa temperada antes das extinções de megafauna do final do Quaternário“, foi divulgado, em fevereiro de 2025, na revista científica Earth History and Biodiversity, e apresenta evidências robustas de que a Europa temperada teria uma vegetação substancialmente aberta e heterogénea, tanto ao nível regional como local.
O estudo encontrou uma alta heterogeneidade local, com paisagens que variavam de florestas densas a prados secos, habitats ribeirinhos (ripícolas) e zonas semiabertas, sugerindo uma vegetação em mosaico.
As paisagens locais seriam, assim, compostas por mosaicos de vegetação aberta, zonas de floresta esparsa que permitia a entrada de luz solar abundante e núcleos florestais mais fechados que formariam zonas de sombra. Este mosaico proporcionaria uma variedade de habitats, capazes de suportar elevada biodiversidade.
As áreas analisadas a nível local seriam, em média, compostas por cerca de:
- 17% de área de vegetação aberta;
- 21% de florestas fechadas;
- 63% de território com arvoredo disperso ou floresta esparsa. Esta paisagem predominante era dominada por espécies como aveleiras e carvalhos de folha caduca, que dependem de exposição solar para se regenerar e persistir.
Em termos de composição, a vegetação era dominada pelas seguintes espécies, identificadas de acordo com os diferentes grupos funcionais (vegetação aberta, floresta esparsa e floresta fechada):
Aveleiras (Corylus spp.) - floresta esparsa | Aveleira (Corylus spp.) - floresta esparsa | |||
Pinheiros (Pinus spp.) - floresta esparsa | Gramíneas da família das Poaceae – vegetação aberta | |||
Gramíneas da família das Poaceae – vegetação aberta | Carvalhos (Quercus spp.) de folha caduca - floresta esparsa | |||
Carvalhos (Quercus spp.) de folha caduca - floresta esparsa | Pinheiros (Pinus spp.) - floresta esparsa | |||
Ulmeiros (Ulmus spp.) – floresta fechada | Ulmeiros (Ulmus spp.) – floresta fechada | |||
Herbáceas da família das Cyperaceae - vegetação aberta | Herbáceas da família das Cyperaceae - vegetação aberta | |||
Bétulas (Betula spp.) - floresta esparsa | Tílias (Tilia spp.) – floresta fechada | |||
Abetos (Abies spp.) – floresta fechada | Bétulas (Betula spp.) - floresta esparsa | |||
Freixos (Fraxinus spp.) – floresta fechada | Carpinus betulus – floresta fechada | |||
Carpinus betulus – floresta fechada | Teixo (Taxus baccata) - floresta esparsa | |||
Teixo (Taxus baccata) - floresta esparsa | Ameiros (Alnus spp.) – floresta fechada | |||
Ameiros (Alnus spp.) – floresta fechada | Salgueiros (Salix spp.) - floresta esparsa | |||
Espruces (Picea spp.) – floresta fechada | Espruces (Picea spp.) – floresta fechada | |||
Torga ou urze (Calluna vulgaris) - vegetação aberta | Torga ou urze (Calluna vulgaris) - vegetação aberta |
Ervas e pequenos arbustos estariam amplamente distribuídos pela floresta no último período interglaciar, reforçando a existência de diversos tipos de habitat, incluindo prados secos, terrenos perturbados, charnecas, matagais e zonas húmidas abertas, que confirmam a complexidade ecológica destes ecossistemas pristinos.
A análise efetuada encontrou baixa correlação entre os padrões locais de vegetação e os padrões observados ao nível regional, sugerindo que os fatores locais, como a diversidade geográfica e as perturbações causadas pelos grandes herbívoros (como o já extinto elefante-europeu-de-presas-retas, os rinocerontes e bisontes, por exemplo), tiveram mais influência na forma como a paisagem foi moldada do que fatores mais amplos, como a variabilidade climática.
Ainda assim, há evidência de que a “abertura da vegetação” a nível local tem relação com a precipitação e de que as diferenças locais e regionais destas áreas de vegetação aberta podem explicar-se por diferenças climáticas: longitude e precipitação de inverno mostraram influência na abertura da vegetação, com maior abertura nas regiões ocidentais e durante os invernos mais secos.
O estudo desafia, assim, a visão tradicional da floresta no último período interglaciar no bioma temperado europeu e, em vez de uma floresta natural densa e sombria, sugere uma paisagem mais aberta e heterogénea, em que as perturbações naturais à escala local tiveram um papel fundador, contribuindo para um ecossistema com maior diversidade estrutural e funcional.