Gestão Florestal
Saber como estimar o volume de madeira que existe nos seus povoamentos é essencial para que os produtores florestais possam antecipar que rendimento podem esperar das suas parcelas ou matas.
Normalmente, as áreas com gestão profissional tendem a ser inventariadas uma ou duas vezes ao longo do período de crescimento das árvores até ao corte (período de rotação), o que ajuda a balizar as expectativas sobre o volume de madeira que poderá ser recolhida. Contudo, os pequenos proprietários não têm, normalmente, condições para fazer estes inventários, principalmente pelos custos associados, e muitos não sabem como avaliar a quantidade de madeira que podem obter das árvores que gerem.
Nos últimos anos, o desenvolvimento tecnológico tem permitido a disponibilização de diversas ferramentas que permitem usar o smartphone para estimar o volume de madeira, de forma expedita e relativamente fiável, nomeadamente em povoamentos de eucalipto e pinheiro-bravo (Eucalyptus globulus e Pinus pinaster, que são as duas espécies mais plantadas em Portugal para obtenção de madeira).
Estas aplicações – de que são exemplo a Arboreal, a Katam, a Trestima, entre outras – podem ajudar os pequenos produtores florestais, mas em 2025 são ainda pouco conhecidas e os seus requisitos tecnológicos restringem um uso mais generalizado. Embora se tenham tornado progressivamente mais acessíveis, intuitivas e fáceis de utilizar, continuam a ter subjacentes alguns conceitos técnicos que nem todos dominam.
Várias análises a estas aplicações têm dado indicações sobre os benefícios e limitações de cada uma. Estas indicações podem ser conhecidas, por exemplo, no estudo “Novas tecnologias para inventário florestal expedito usando aplicações de smartphone” (em inglês) ou na avaliação de ferramentas para inventário feita pelo projeto rePLANT.
Outro tipo de ferramentas disponíveis são os modelos de produção e crescimento. Existem vários tipos de modelos, sendo os mais populares os modelos empíricos, nos quais uma série de equações matemáticas, baseadas em dados reais, descrevem a evolução de variáveis dendrométricas como altura, diâmetro, volume e biomassa. Estas variáveis alteram-se ao longo do tempo e variam consoante os locais – em função de fatores como a idade das árvores, o clima, o solo e as práticas de gestão – e os modelos tentam reproduzir estas diferentes realidades.
Especificamente para estimar o volume de madeira de eucalipto, o modelo GLOBULUS tem sido o mais usado. Tem disponível uma interface online – o WebGlobulus, e uma versão online simplificada – o EuSIM. São ambas de acesso aberto, ou seja, podem ser usadas gratuitamente por qualquer interessado.
Estas ferramentas têm por base o modelo GLOBULUS, um modelo empírico de crescimento e produção ao nível do povoamento, que é um exemplo de cooperação entre universidades e empresas. O GLOBULUS foi desenvolvido no Centro de Estudos Florestais – Instituto Superior de Agronomia, com dados disponibilizados pela indústria da celulose, que planta e gere parte dos eucaliptais em Portugal, com o objetivo de criar uma ferramenta capaz de estimar o crescimento e a produção de povoamentos regulares de eucalipto em Portugal.
Este modelo tem vindo a ser melhorado e conta com várias versões (que acabam por funcionar como diferentes modelos), como por exemplo:
– O GLOBULUS 2.1 está baseado numa divisão do país em zonas de clima semelhante, com base em variáveis climáticas, como temperatura média, precipitação e número de dias de geada, que influenciam o crescimento e a produtividade do eucalipto.
– O GLOBULUS 3.0, em que as variáveis climáticas (precipitação, temperatura e dias de geada) são usadas para estimar outras variáveis como a altura dominante (a altura média das 100 árvores mais grossas por hectare), a área basal (área ocupada pelos fustes, ou seja, é a área da secção transversal das árvores ao nível do DAP – diâmetro à altura do peito), os volumes de madeira (com casca, sem casca e sem cepo), o número de árvores e varas (no caso de segundas ou terceiras rotações) por hectare e a biomassa total e por componentes (lenho, casca, ramos, folhas e raízes).
A interface disponível em WebGlobulus usa os dois modelos acima para simular o crescimento e a produção de povoamentos de eucalipto em primeira rotação (antes do primeiro corte), em talhadia (os ciclos de crescimentos após corte pelo cepo, estimulando o crescimento natural de rebentos, chamados varas) ou nos dois cenários em conjunto, solicitando apenas o preenchimento de alguns dados e a localização dos povoamentos (localização esta que é selecionada alterando um pin num mapa de Portugal para a área desejada e que vai buscar automaticamente as variáveis climáticas e a altitude).
Contudo, o WebGlobulus tem limitações: permite simular o crescimento de povoamentos a partir do ano zero, o que é útil para novos povoamentos, mas não permite precisão quando o objetivo é estimar o volume de madeira em povoamentos que foram instalados há mais tempo. Além disso, um dos dados que é necessário incluir, chamado Site Index (SI) ou Índice de Qualidade da Estação (definido como a altura dominante dos povoamentos aos 10 anos), não é simples de estimar. Embora a ferramenta ajude na seleção de um valor, a incerteza é grande e um dado incorreto de SI dá origem a valores de volumes diferentes dos que correspondem à realidade.
Exemplo de simulação para um povoamento perto de Tondela, com duas rotações de 10 anos
Uma resposta a algumas destas dificuldades poderá estar numa versão modificada do modelo EuSIM (a que se pode aceder no Projeto Melhor Eucalipto, selecionando “Simuladores” e depois “Avaliação de Produtividade”). Desenvolvido em colaboração com a associação BIOND (antiga CELPA) no âmbito do Projeto Melhor Eucalipto, é uma adaptação do modelo WebGlobulus às boas práticas desta associação.
O EuSIM tem um módulo “Inventário” que permite ir buscar automaticamente dados para correr o modelo, relativos nomeadamente à idade do povoamento (o que permite simular o crescimento e a produção a partir de qualquer idade), ao número de árvores por hectare, à “altura das árvores maiores” (termo coloquial para altura dominante), ao diâmetro médio do povoamento e à idade de corte. O modelo apresenta intervalos médios para estas variáveis de acordo com a localização geográfica do povoamento e estima um valor para o Site Index ou Índice de Qualidade da Estação.
Exemplo de simulação para um povoamento perto de Tondela, com 4 anos de idade e corte aos 12 anos
De notar que o conteúdo destes simuladores é meramente informativo. A simulação do potencial produtivo dos povoamentos é baseada em valores médios e não considera todas as variáveis que podem influenciar o crescimento do eucalipto em situações reais, pelo que os valores devem sempre ser considerados como indicativos.
Ainda assim, a utilização combinada destas duas ferramentas, desenvolvidas pela mesma equipa e que têm na base o mesmo conjunto de dados e de equações, oferece uma resposta versátil, podendo o modelo EuSIM ser usado quer por pequenos proprietários, que pretendem estimar o volume de madeira das suas matas de eucalipto, quer por técnicos florestais, que utilizam estes modelos em estudos de planeamento operacional, avaliações de impacte ambiental e como apoio a uma decisão de investimento informada.
Importa realçar a importância das associações e organizações de produtores florestais, que desempenham um papel relevante no apoio e aconselhamento técnico aos pequenos produtores e proprietários, inclusive quando pretendem estimar o volume de madeira dos seus povoamentos. Acresce à componente técnica destas organizações, um conhecimento da realidade local, que é muitas vezes complementado pelas ligações às empresas do sector e ao meio académico, o que as torna não só importantes meios de divulgação do conhecimento, mas também parceiros estratégicos da dinamização da floresta em minifúndio.
Desenvolvido em colaboração com Nuno Rodrigues
Licenciado em Engenharia dos Recursos Florestais, Nuno Rodrigues é consultor florestal no RAIZ – Instituto de investigação da floresta e do papel -, e o seu trabalho engloba ações de suporte técnico e de divulgação de conhecimento para a The Navigator Company e para terceiros. Atualmente a sua atividade centra-se na adaptação climática do eucalipto, mais concretamente à caracterização ecológica e modelação climática, silvicultura adaptativa, estimativa de produtividades e inventário florestal. Novas competências em avaliação financeira de projetos e gestão de bases de dados têm-lhe permitido explorar outras vertentes e alargar o âmbito das suas atividades.
Silvicultura e Indústria
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