Incêndios Rurais
Melhorar a segurança do uso do fogo tradicional que se faz em zonas rurais – queimas de amontoados ou resíduos e queimadas extensivas de pastagens – é essencial para que as comunidades continuem a beneficiar do fogo como ferramenta de apoio às atividades agrícolas, florestais e da pastorícia, reduzindo o risco de que este uso do fogo se torne num foco de incêndio.
O Estudo Técnico “O Uso do Fogo em Portugal – tradição e técnica” sumariza oito medidas que podem melhorar a segurança do uso do fogo, principalmente no que diz respeito às atividades remanescentes do uso do fogo tradicional:
1. Adotar o conceito de uso popular do fogo, diferenciando-o do uso tradicional
O uso atual do fogo, embora derivado do uso tradicional, apresenta características diferentes. Já não é parte de um sistema integrado de uso do solo, mas uma forma de eliminar resíduos agrícolas e florestais. Assim, devem-se atualizar os conceitos, designando por uso popular o fogo que é usado em situações tradicionais de baixo risco. Quando for usado em situações de alto risco, como seja no verão, é considerado uso indevido do fogo.
2. Enquadrar legalmente, simplificar e responsabilizar o uso do fogo nas comunidades rurais
A legislação produzida tentou sempre condicionar o uso tradicional do fogo, sem sucesso. De forma a manter o uso popular do fogo sem consequências nefastas, este deve ser regulamentado, mas também simplificado. O excesso de regulamentação afasta as pessoas e leva a que o fogo seja usado muitas vezes sem controlo.
3. Adotar uma plataforma comum de registo obrigatório de todas as ações de uso do fogo
A Plataforma Queimas e Queimadas, criada pelo ICNF em 2019, deve ser usada para registar todas as ações de queimadas e de fogo controlado para garantir o cumprimento da lei e dos requisitos de segurança necessários.
4. Capacitar e dotar os GTF – Gabinetes Técnicos Florestais, reforçando competências técnicas e meios financeiros, em particular nos concelhos com atividade pecuária extensiva e atividade cinegética
Para reduzir as ignições e garantir uma mais efetiva prevenção de incêndios florestais, muitas vezes relacionados com atividade cinegética e pastorícia, os GTF devem ter um técnico disponível para as necessidades locais.
5. Capacitar e dotar as equipas de Sapadores Florestais, reforçando competências técnicas e meios financeiros, em particular nos concelhos com atividade pecuária extensiva e atividade cinegética
À semelhança dos GTF, também as equipas de técnicos florestais devem ser reforçadas e a sua atividade valorizada no âmbito da redução de ignições e da prevenção de incêndios rurais.
6. Alterar o Regulamento do Fogo Técnico
As temáticas relacionadas com o uso do fogo pastoril e a sua vertente pecuária devem estar integradas no Regulamento do Fogo Técnico por forma a melhorar a segurança do uso do fogo. Além disso, a credenciação deve ter em consideração a formação de base necessária à elaboração de planos e pareceres técnicos.
7. Reforçar o Programa Nacional de Fogo Controlado
O papel do Estado é essencial para a continuidade e aumento da utilização de fogo controlado, pelo que o Programa Nacional de Fogo Controlado deve ser mantido e ampliado.
8. Integrar o Fogo Controlado como ação de gestão do combustível nas zonas de Intervenção Territorial Integrada
A utilização de fogo técnico, mesmo devidamente regulamentado, dá origem a penalizações para os produtores de gado. Sendo o fogo uma ferramenta de gestão de combustível, de renovação de pastagens e de fertilização, deve ser integrada em planos e a sua utilização aprovada pela Comissão Municipal de Defesa da Floresta (CMDF).
Refira-se que os conceitos de fogo e de incêndio são distintos, mas a aplicação mais recente dos termos tem dificultado a perceção histórica e social sobre o papel desempenhado pelo fogo, nomeadamente pelo uso tradicional do fogo, que é historicamente uma ferramenta aplicada nas atividades agrícola, pecuária, florestal e de pastagem, assim como na modelação da paisagem.
Nos anos mais recentes, os conceitos de fogo e incêndios acabaram por se misturar. Em especial na sequência de anos de incêndios com grandes áreas ardidas em Portugal (como aconteceu em 2003, 2005 e 2017), eliminar o fogo tornou-se uma prioridade para evitar incêndios, o que se reflete inclusive no enquadramento legal, nas regras específicas para queima de amontoados e queimadas extensivas e na sua proibição durante vários meses.
Para clarificar os conceitos de fogo e incêndio, o Observatório Técnico Independente (que analisa, acompanha e avalia os incêndios) desenvolveu o Estudo Técnico “O Uso do Fogo em Portugal – tradição e técnica”, um documento que contribui para um maior conhecimento sobre o papel histórico, social e legal do fogo, esclarece os impactes sobre a paisagem, identifica as principais causas de incêndios e analisa os programas desenvolvidos em Portugal nos últimos anos para apoiar nas estratégias de redução do número de incêndios, inclusive aqueles que têm origem na utilização do fogo.
De acordo com este documento, o uso tradicional do fogo é causa de 10% da área ardida anual em Portugal, sensivelmente a mesma percentagem que têm as causas acidentais. O incendiarismo é responsável pela maior área ardida (quase três vezes mais). No entanto, se excetuarmos incêndios sem causa determinada ou sem dados, o uso tradicional do fogo está na causa de número significativo de ocorrências.
Estes dados resultam de uma análise a 456.531 ocorrências registadas entre 1 de janeiro de 2001 e 13 de outubro de 2020, que deram origem a quase 3 milhões de hectares ardidos.
Entre os usos tradicionais do fogo considerados incluem-se as queimas agrícolas, as queimas florestais, as borralheiras (queimas de restos agrícolas amontoados), as queimadas pastoris, as queimadas para a caça, as queimadas para acessibilidade e as queimadas para a proteção de incêndios, tipologias definidas no Apêndice 16 – Codificação e definição das categorias das causas dos incêndios florestais – do Guia Técnico para a Elaboração dos Planos Municipais de Defesa da Floresta Contra Incêndios.
Além do uso tradicional do fogo, as múltiplas causas de incêndios consideradas abrangem:
Fogo
O fogo é um processo ecológico que molda a paisagem há milhares de anos, estando o uso do fogo tradicionalmente associado à agricultura, pastagem e florestas. Considerado hoje por muitos como um agente de destruição, o fogo, apoiado por técnicas consolidadas, continua a desempenhar um papel relevante, nomeadamente na prevenção de incêndios. Fique a conhecer mais sobre este tema neste artigo escrito em colaboração com a estudante Mariana Carvalho.
Fogo
2003, 2005 e 2017 foram os anos dos mais severos incêndios rurais e contribuíram para que a área ardida em Portugal fosse das maiores da Europa nas duas últimas décadas. Para além de refletirem mudanças na utilização do espaço rural, estes registos estão diretamente relacionados com condições meteorológicas extremas.