Valorizar

Energia

Metade da madeira mundial é usada como lenha para cozinhar e aquecer

Em África, 90% da madeira retirada das florestas tem como destino a queima para energia. A nível global, a média é menor, mas mantém-se próxima dos 50%. Ao contrário do que se poderia supor, a maioria desta energia não é usada pela indústria, mas pelas famílias e comunidades. Da lenha depende a subsistência de milhões de pessoas. Em Portugal, cerca de 34% da biomassa é usada, maioritariamente pelas famílias, para aquecimento.

Pode parecer estranho para quem vive nas cidades ocidentais, mas a madeira proveniente das florestas continua a ser essencial, sob a forma de lenha e carvão, para cozinhar alimentos. É assim para cerca de 2,4 mil milhões de pessoas no mundo, ou seja, para cerca de um terço da população mundial que, segundo a FAO – Organização das Nações Unidas Alimentação e Agricultura, depende da floresta para confecionar alimentos.

Embora não seja identificado como o principal fim das florestas, cerca de metade da madeira produzida globalmente é usada como combustível – quase 2 mil milhões de m3 em 2019, de acordo com as estatísticas da FAO. Na Europa, este aproveitamento representa pouco mais de 20% do total madeira retirada das florestas (em Portugal representa menos de 10%), mas o consumo de madeira como combustível é e continuará a ser a principal forma de energia em muitos países em desenvolvimento.

Cozinhar é a principal forma de assegurar a absorção dos nutrientes contidos nos alimentos, lembra a FAO no seu relatório de 2020 “The State of The World’s Forests”, e esta utilização doméstica da madeira como fonte de energia é ainda essencial a outras formas de subsistência. Uma em cada dez pessoas depende de lenha ou carvão para ferver água – tornando-a potável e segura para consumo – e para conservar alimentos (fumados e secos, por exemplo) que garantem a subsistência em épocas menos produtivas.

Os principais tipos de biomassa usados nas regiões menos desenvolvidas do mundo são a lenha – ou as lenhas, onde se inclui a madeira e os resíduos do processamento industrial da madeira – e o carvão vegetal, um resíduo sólido que resulta da carbonização, destilação, pirólise e torrefação da madeira, explica também a FAO.

O uso da madeira para lenha é predominante nas populações dos países em desenvolvimento, em particular na África e no Sul da Ásia. Embora o consumo de lenha tenha vindo a diminuir em várias partes do globo como na Ásia e América, tem continuado a aumentar na África subsaariana. Aliás, no continente africano, o carvão tem sido usado de forma crescente: a sua produção a nível mundial passou de 17,3 para 53,1 milhões de toneladas entre 1964 e 2014, e 61% da produção é feita em África, principalmente para satisfazer as necessidades alimentares das famílias urbanas e suburbanas.

Cerca de um terço desta madeira é colhida de forma ilegal, prática que constitui uma causa representativa de degradação das florestas e da desflorestação em ecossistemas já fragilizados, sublinha o Programa Alimentar Mundial da Nações Unidas.

Habitações que cozinham com lenha por região (em milhares)

Habitações que cozinham a carvão por região (em milhares)

Fonte: FAO, 2014

Mas estas não são as únicas consequências deste uso insustentável da madeira: entre as várias identificadas estão também a redução de biodiversidade e a perda direta e indireta de alimento, já que cerca de mil milhões de pessoas dependem, de alguma forma, de produtos provenientes das áreas florestais para se alimentar – desde cogumelos a frutos silvestres e plantas comestíveis, passando por insetos, assim como caça e pesca (mesmo na União Europeia, mais de 100 milhões de pessoas consomem regularmente alimentos silvestres, indica a mesma fonte).

Adicionalmente, a poluição do ar causada pela queima de lenha e carvão, nomeadamente dentro das habitações, é o segundo maior risco de saúde para mulheres e crianças em todo o mundo (o primeiro em vários países em desenvolvimento), pois são elas que passam mais tempo a cozinhar.

Distinguido em 2020 com o Prémio Nobel da Paz, o Programa Mundial Contra a Fome tem desenvolvido várias iniciativas com vista à redução das pressões sobre a floresta em zonas densamente povoadas, incluindo a criação de viveiros e plantações florestais. Da mesma forma, e como revela na sua iniciativa SAFE, tem apoiado a redução da utilização de lenha e carvão pela instalação de fogões e fornos mais eficientes, ou a sua eliminação quando é possível a disponibilização de outras fontes de energia.

Ainda assim, o corte e recolha de madeira para utilização como fonte de combustível familiar são vistos como estruturais à segurança alimentar de milhões de pessoas cuja alternativa seria uma alimentação ainda mais pobre e menos segura, à base de alimentos crus.

A sustentabilidade da produção desta madeira é, por isso, essencial para contribuir para um vasto conjunto de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). São disso exemplo o ODS 2, que visa acabar com a fome e o ODS 7, que aposta na disponibilização global de energias limpas e acessíveis.

De realçar ainda que, nos países em desenvolvimento, o aproveitamento de madeira como combustível é também uma fonte importante de rendimento.

No mundo, 800 milhões de pessoas passam parte do seu tempo a recolher madeira ou a produzir carvão e cerca de 40 milhões estão envolvidas na venda de lenha e carvão para os centros urbanos. Estes são dados constantes do State of the World’s Forests 2020, onde se reforça ainda que a importância económica da madeira é outro dos fatores que torna essencial a produção sustentável desta matéria-prima.

“A utilização da madeira como combustível é muitas vezes considerada a principal causa de desflorestação, quando na realidade esta causa é a expansão agrícola” refere a FAO, em “Sustainable woodfuel for food security”. E acrescenta que onde a gestão florestal é fraca, a utilização da madeira como combustível tem impacte negativo nas florestas, mas quando há gestão sustentável, esta pode ser uma fonte de energia renovável e acessível, contribuindo para melhorar a segurança alimentar, a proteção ambiental e a mitigação dos efeitos das alterações climáticas, tanto em áreas rurais como urbanas dos países em desenvolvimento.

Europa e América do Norte mais dependentes de lenha para aquecimento

A representatividade da lenha e carvão para confecionar refeições é muito elevada em África, ocupando também uma posição importante nos países da Ásia e Oceânia e nos da América Latina e região caribenha. Já o aquecimento – em lareiras abertas, recuperadores e salamandras, por exemplo – dita o uso residencial da madeira noutras regiões do globo, nomeadamente na Europa e América do Norte.

Na União Europeia, cerca de metade da biomassa lenhosa utilizada é usada pelo sector residencial, principalmente em lareiras tradicionais (a outra metade é usada em centrais de energia e na indústria da madeira), releva a UNECE – Comissão Económica das Nações Unidas para a Europa, em “Wood Energy in the ECE Region”. Em França, por exemplo, estima-se que esta percentagem de uso tradicional residencial se eleve aos 70%.

Em Portugal, as lenhas continuam a ter um papel importante no aquecimento das famílias: cerca de 34% do total de biomassa nacional destinada à energia é utilizada diretamente para produção de calor, maioritariamente no sector residencial, indica o relatório “Energia em Números 2020” (face a 57% que segue para centrais termoelétricas e a 9% que é exportada sob a forma de pellets e briquetes).

Nas zonas rurais, onde a disponibilidade de lenha é maior, ela ajuda a manter as casas quentes, o que se torna relevante quando sabemos que 19% dos portugueses não tem possibilidades financeiras para as manter adequadamente aquecidas. Nos estados membros da União Europeia, Portugal é o quinto país onde esta carência é mais significativa, depois da Bulgária, Lituânia, Grécia e Chipre.

Consumo de energia no sector residencial em Portugal (Ktep)

artigo_lenha_grafico

Fonte: Energia em Números 2020

Nota: Ktep (ou kilotep) é uma unidade de energia que corresponde ao calor libertado numa combustão de 103 toneladas de petróleo

No Reino Unido, em média 7,5% dos lares usava lenha e derivados de madeira para assegurar, pelo menos em parte, o seu aquecimento, revelou um inquérito oficial em 2013.As diferenças de utilização de lenhas por regiões eram muito significativas: em Londres descia aos 3,9%, mas na Irlanda do Norte chegava aos 18%. Mais de 90% usava troncos de madeira, que eram complementados por outras formas de biomassa, como resíduos ou briquetes. Cerca de 31% do total de biocombustível era adquirido informalmente.

Nos EUA, um total de 12,5 milhões de lares – cerca de 10,5% do total de residências – usavam madeira para aquecimento, indica o inquérito “Fuels used and end uses”, divulgado em 2018.

Em muitos casos, os estudos realizados assumem que os dados apresentados deverão estar aquém da realidade, já que a inexistência de uma “conta da lenha” (como temos a conta da eletricidade, por exemplo) e o facto destes produtos serem muitas vezes adquiridos informalmente (autoconsumo, mercado informal, corte ilegal, apanha em terrenos próprios ou de outrem) não permite reunir dados corretos ou sistemáticos. A UNECE refere que estes podem ser quatro vezes mais elevados do que os inicialmente estimados pelos países.

Na cidade de Bragança 42% das habitações utilizavam biomassa, a qual foi responsável pelo fornecimento de cerca de 43% da energia final consumida na cidade, revelou um estudo, de 2016, que inqueriu as famílias bragantinas sobre o consumo de energia. O aquecimento foi a principal função da lenha usada, com a confeção de alimentos e a fervura de água a surgir apenas ocasionalmente.