Comentário

Cristina Nobre Soares

Comunicar floresta: fossos e pontes

Comunicar floresta é evitar terminologia técnica, usar palavras e exemplos do dia-a-dia, linguagem clara e acessível. Enquanto os técnicos florestais continuarem a despejar conceitos que só são óbvios para eles, o fosso aumenta.

O meu sogro costuma dizer, em tom de piada, que para a maioria das pessoas existem apenas quatro tipos de aves: as pretas (andorinhas), as grandes (pombos), as pequenas (pardais) e as da praia (gaivotas). Sim, é um estereótipo, engraçado, mas é um estereótipo.

Mas sempre que o oiço dizer isto fico a pensar que, se calhar, se mudarmos nesta piadola a palavra “aves” para “árvores” o resultado é capaz de ser semelhante. Do género, para grande parte das pessoas há quatro tipos de árvores: as más (eucalipto), as do Natal (pinheiro), as do Alentejo (sobreiro) e aquelas que deixam cair as folhas no Outono.

Há, efetivamente, um desconhecimento bastante grande sobre a floresta, em Portugal. Desde o não (re)conhecer as espécies, a sua distribuição na paisagem, as características da propriedade florestal, ao que uma floresta produz e como se pode tornar rentável. Pergunte-se, por exemplo, a um “leigo” o que faz um engenheiro florestal. Provavelmente terá uma resposta vaga: “alguém que toma conta da floresta”. Ou talvez o associem à pasta de papel e à madeira. Ou, muito provavelmente, dirão que é “alguém que podia fazer mais para evitar os fogos”. Ah, mas um engenheiro florestal é muito mais do que isso, gritarão os meus caros colegas, justamente indignados.

Pois é. É muito mais. Mas vá-se lá saber por que razão as pessoas pensam isto de nós…

Os técnicos florestais precisam de estabelecer pontes com um público que desconhece e vive afastado da floresta, porque ninguém abraça, toma como seu e cuida daquilo que não compreende nem conhece. Aprender a comunicar floresta é essencial.

O mais engraçado, se acaso tem sequer piada, é ouvir como é que os técnicos florestais comunicam com este público pouco informado (e, convenhamos, muitas vezes de costas voltadas para a floresta). É vê-los despejar conceitos que, para eles, técnicos, são óbvios, como “modelos de gestão florestal”, “faixas de combustível”, “externalidades”, “sistemas agro-silvo-pastoris”, “vegetação ripícola”, “material lenhoso” e por aí fora. Tem tudo para dar certo, não é?

Claro que não.

E ainda acrescento: que tipo de diálogo será possível nesta, que a mim me parece ser, uma conversa de surdos?

Nenhum.

De um lado temos um público desinteressado (talvez este interesse aumente ligeiramente nesta altura do ano, quando “tudo arde” na comunicação social) e com pouca ligação à floresta. Do outro, temos técnicos mais preocupados com os pares do que com a melhor forma de comunicar floresta, e que despejam terminologia técnica como se com os tais pares falassem. E o fosso aumenta.

O fosso. Não deixa de ser metafórico, lembrando os tempos em que, para além das muralhas das povoações e do fosso que as protegia, ficava o espaço silvestre onde moravam todos os mitos, criaturas fantásticas e medos. Talvez a memória disso nos tenha ficado na linguagem, através da qual perpetuamos esses dois mundos que não se compreendem. Hoje, talvez a linguagem seja o grande muro que nos separa. Afinal, ninguém abraça, toma como seu e cuida daquilo que não compreende nem conhece. Ninguém transpõe um fosso por algo que nada lhe diz.

Então o que fazer?

Não sei se é isto que os meus caros colegas quererão ouvir (diz-me a experiência que não é), mas cabe-nos a nós, técnicos, explicar numa linguagem clara e acessível o que está em causa. Sim, nós os técnicos, pois quem melhor do que quem está no terreno para explicar o que está em causa?

E como? Evitando a terminologia técnica, usando palavras e exemplos do dia-a-dia que todos entendam, recorrendo às analogias para explicar as áreas e volumes (que abundam na linguagem florestal). Ouvir as populações, saber quais as suas dúvidas, preocupações, receios. Dar respostas que realmente respondam às dúvidas que as populações têm. E lembrar que comunicar, mais do que algo que serve para provar que somos especialistas e que sabemos da coisa, serve para estabelecer pontes. Pontes sobre os tais fossos.

Ah, mas é capaz de demorar anos até vermos resultados deste esforço em comunicar floresta. Pois, é bem capaz, é. Mas, dá-me ideia que, para quem lida com árvores, o longo prazo não assusta e faz todo o sentido. Quem melhor que um técnico florestal para saber que desde o dia em que se planta uma árvore até que alguém se sente debaixo da sua sombra podem passar gerações inteiras? Com a comunicação é a mesma coisa.

Convém é começar a plantá-la quanto antes.

Setembro de 2021

O Autor

Cristina Nobre Soares é licenciada em Engenharia Florestal, ramo de Recursos Naturais, pelo Instituto Superior de Agronomia. É consultora e formadora em comunicação de ciência. Para além de se dedicar a ajudar investigadores a comunicarem melhor o conhecimento que produzem, também trabalha numa mais clara comunicação do sector florestal e agrícola para o público não técnico.

http://cristinanobresoares.com/