A citação de Ilídio de Araújo que usei acima é de 2010, numa altura em que ele próprio dizia que se recusava a falar sobre paisagens. Se fosse hoje tenderíamos a substituir “fixação de energia solar” por captação de carbono, mas isso não passa de mais uma partida do tempo: passamos a vida a inventar nomes novos para realidades antigas.
Em si, esta permanente busca de novidade – chamar nature based solutions à gestão de sistemas naturais que os agricultores e pastores sempre fizeram – não é boa nem má, mas tem o problema de confundir o essencial com o acessório, isto é, de não distinguir o que na paisagem é permanência (e a que escala) e o que é novidade.
Quando se olha de mais longe para a evolução das paisagens, em Portugal, escolhendo um tempo longo para a análise, o tal abandono a que insistimos em chamar rewilding, não é mais do que o resultado conjuntural de uma alteração, essa sim, profunda: a descoberta e generalização do “processo de Haber-Bosch”, isto é, da invenção da capacidade de captar o azoto atmosférico, cortando o vínculo entre produção animal e agricultura a que a gestão da fertilidade obrigava.
A partir do momento em que podemos captar azoto, isto é, fertilidade, a partir da atmosfera, à custa de um consumo energético gigantesco, é certo, muitas das nature based solutions que agricultores e pastores tinham desenvolvido ficam obsoletas, até ao momento em que lhes encontremos novas utilidades.
Intercalar a produção de leguminosas entre produções para enriquecer o solo com azoto, pastorear as terras pobres na envolvente das áreas agrícolas, roçar o mato e carregá-lo para a cama do gado, são algumas das based nature solutions que deixaram de ter a importância que tinham antes de ser possível criar fertilidade em fábricas.
Terras agrícolas que não tinham préstimo por falta de nutrientes, ou a que se davam os destinos possíveis para ir alimentando, escassamente e a custo, uma população miserável, passaram a poder produzir mais e com mais diversidade.
Na maior parte das terras mais pobres, no entanto, o destino passou a ser o abandono ou a produção florestal comercial, independentemente das políticas públicas que, na verdade, pretendiam, sem o saber, musealizar paisagens que serviam comunidades e culturas entretanto mortas.
Políticas de conservação da natureza que reagiam à crescente intensificação das terras mais produtivas, a que era possível trazer ainda mais fertilidade provinda das fábricas, falharam em compreender que, em muitos casos, na maior parte do território, era ao abandono ou extensificação da gestão que era preciso responder.
O tempo se encarregou de ir tornando visíveis os efeitos da alteração na gestão da paisagem desencadeada pela síntese da amónia, quer na intensificação das terras mais férteis e uso imoderado das possibilidades técnicas abertas pelo baixo custo da fertilidade, quer no abandono das terras marginais que nos devolvem recuperação de sistemas naturais, alterações de padrão de fogo e expansão de espécies invasoras a escalas que nunca imaginámos.
Talvez seja o momento de integrarmos melhor o tempo na gestão das paisagens, confiando menos no poder que temos e mais na inteligência de que somos capazes, redesenhando processos de gestão da paisagem que tenham mais probabilidades de nos servir melhor, no longo prazo.
O que temos hoje não parece tão ameaçador como dizem uns, nem tão útil como dizem outros.