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24.11.2023

O mundo está mais longe de reduzir a desflorestação: América Latina liderou perdas

O mundo está mais longe de reduzir a desflorestação: América Latina liderou perdas

O mundo mantém-se fora da trajetória traçada para reduzir a desflorestação e travar a perda das florestas primárias até 2030, indica a avaliação da Forest Declaration, no seu relatório de outubro de 2023, dando a conhecer que a perda de áreas florestais a nível mundial se intensificou em 2022.

6,6 milhões de hectares de floresta desapareceram do planeta em 2022. O número é adiantado pelo relatório “Off Track and Falling Behind – Tracking progress on 2030 forest goals” e corresponde à desflorestação global bruta registada. Segundo o documento, as metas estabelecidas para reduzir a desflorestação em 2022 (que previam um limite de perda florestal de 5,4 milhões de hectares) foram ultrapassadas em 21%, deixando o mundo mais longe de alcançar o objetivo de “desflorestação zero” nas florestas primárias (ou naturais) até 2030.

As metas para reduzir a desflorestação até 2030 foram estabelecidas na “Declaração de Nova Iorque para as Florestas” (New York Forest Declaration), durante a Convenção do Clima das Nações Unidas, em 2014, e renovadas em 2021. Para a avaliação dos progressos efetuados, considera-se como ponto de referência (base de comparação) o valor médio da desflorestação registado em 2018-20 (6,77 milhões de hectares) e pressupõe-se que a taxa de desflorestação teria de diminuir 10% a cada ano, de modo a atingir o “zero” em 2030.

Em 2021 a taxa de desflorestação desceu relativamente a 2020, mas o valor foi insuficiente para avançar rumo à meta ambicionada. Em 2022, este indicador voltou a subir (4% acima do ano anterior) e o retrocesso coloca os objetivos para as florestas “ainda mais longe do alcance”, alerta a plataforma Forest Declaration.

Como as metas interinas de 2022 não foram alcançadas, ir ao encontro das que estão estabelecidas para 2023 requer um esforço adicional, pois será necessário reduzir a desflorestação para pelo menos 4,8 milhões de hectares (quase 28% menos do que aconteceu em 2022).

Recorde-se que entre os compromissos assumidos na Declaração de Nova Iorque encontram-se outras metas, além da redução da desflorestação das florestas naturais até 2030. Entre elas, refiram-se objetivos como restaurar e manter 350 milhões de hectares de florestas e zonas naturais degradadas ou reduzir as emissões que decorrem da desflorestação e degradação da floresta, para que o aquecimento global não exceda 1,5ºC. O progresso e o diferencial entre o que tem sido feito e o que é preciso fazer para alcançar os objetivos traçados tem sido reportado pela plataforma Forest Declaration Assessment.

Reduzir a desflorestação: um desafio global com diferentes realidades regionais

 

O maior diferencial entre o caminho traçado e o percorrido em 2022 encontra-se nas florestas tropicais primárias, que perderam mais 4,1 milhões de hectares, afastando-se da trajetória necessária para as salvaguardarmos.

Nenhuma das regiões tropicais conseguiu cumprir as metas intermédias definidas para 2022, embora a Ásia Tropical tenha reduzido em 16% a sua taxa de desflorestação em comparação com os níveis de referência (2018-2020), ficando bastante mais próxima (a 1%) do objetivo que tinha traçado. Na região América Latina + Caraíbas a desflorestação aumentou cerca de 8%, o que significou uma perda de 3,5 milhões de hectares de floresta em 2022 e na África Tropical a desflorestação também cresceu 1% relativamente à base de 2018-2020.

O progresso feito para reduzir a desflorestação fora das zonas tropicais também apresenta variações: África, Ásia e América do Norte conseguiram reduzir a desflorestação acima das metas que tinham para 2022 enquanto a América Latina + Caraíbas e a Europa ficaram aquém dos seus objetivos.

Embora a desflorestação esteja principalmente concentrada nas florestas tropicais e a perda de florestas não tropicais represente cerca de 4% do total global, também estas áreas necessitam de ser protegidas, até porque em algumas delas, como na Europa, existem já poucas áreas de florestas primárias que importa preservar. Adicionalmente, o documento salienta, por exemplo, “que a remoção de florestas na América do Norte, Europa e Ásia não tropical poderia levar a um aumento global da temperatura de aproximadamente 0,49 graus Celsius”.

Por outro lado, uma das consequências da perda de vastas áreas florestais tropicais é o aumento das emissão de gases com efeito de estufa (GEE) relacionados com a desflorestação: só na América Latina, em 2022, a perda de floresta implicou um aumento de quase 2,2 GtCO2e (2,2 mil milhões de toneladas de GEE contabilizados como se de dióxido de carbono se tratasse). Recorde-se que as florestas da América Latina e Ásia Tropical são as que têm os maiores reservatórios de carbono no mundo, tanto na biomassa aérea (troncos, ramos, folhas e raízes superficiais) como nas reservas subterrâneas (solo, raízes, matéria em decomposição), desempenhando, assim, um papel central no equilíbrio do ciclo de carbono.

A necessidade de partilhar responsabilidades, tal como se partilham benefícios

 

Todas as florestas naturais, sejam tropicais ou não tropicais, são importantes para a vida na Terra, pelo que a preservação destas áreas necessita de ser uma responsabilidade partilhada. Este é um dos temas a merecer a atenção deste relatório, que abre pistas importantes para reflexão. Entre outras, salienta-se:

  • Falta financiamento: anualmente têm-se investido a nível global cerca de 2,2 mil milhões de dólares de fundos públicos nas florestas, um valor quase irrelevante quando se compara, por exemplo, com os 1,6 mil milhões de dólares que vão ser usados para renovar o estádio do Camp Nou em Barcelona.
  • Muitas iniciativas, efeitos residuais: as iniciativas anunciadas pelo “mundo desenvolvido” para apoiar o fim da desflorestação tropical estão longe de ser suficientes para apoiar as reformas estruturais indispensáveis para que o “mundo emergente” possa conciliar objetivos florestais e de desenvolvimento. Adicionalmente, muito pouca desta “ajuda” chega efetivamente às comunidades que vivem nas florestas e que delas dependem para viver.
  • Muitos compromissos, poucos resultados: apesar de uma maior consciência empresarial e financeira para os riscos da perda de florestas e biodiversidade, a maioria das grandes corporações envolvidas nestas cadeias de abastecimento de matérias-primas não tem políticas claras dirigidas à desflorestação. Segundo a análise da Forest 500, estima-se que as instituições financeiras privadas tenham financiado com mais de 6 biliões de dólares, só em 2022, empresas e negócios que apresentam elevado risco de impulsionar a desflorestação tropical.
  • Falta sistémica de dados: existe uma falta sistémica de dados transparentes sobre as florestas, com carências sobre os mais variados temas, desde a degradação das florestas temperadas e boreais aos progressos feitos em iniciativas de restauro, passando pela avaliação dos resultados de compromissos assumidos no âmbito das políticas florestais.

 

Para conhecer com mais detalhe a análise, reflexão e recomendações da Forest Declaration aceda ao relatório completo “Off Track and Falling Behind – Tracking progress on 2030 forest goals”.