Comentário

Susana Brígido

O papel dos proprietários florestais no desafio da neutralidade climática

Floresta e proprietários florestais assumem um papel central nos mecanismos que nos levam em direção à neutralidade climática da Europa. Importa, no entanto, que disponham de metodologias credíveis e que a estratégia nacional os apoie numa gestão ativa e sustentável da floresta, que aumente a resiliência dos territórios e a produtividade das suas florestas.

No âmbito do reforço da ambição climática da Europa 2030, com o objetivo de investir num futuro climaticamente neutro para benefício das pessoas, a floresta assume um papel crucial em direção à neutralidade climática da União Europeia (UE).

A última alteração da Lei Europeia do Clima 2030 acrescentou uma meta de redução de pelo menos 55% das emissões líquidas de gases com efeito de estufa (GEE) até 2030, em relação às emissões de 1990, em direção à neutralidade climática da UE no horizonte de 2050!

Na estratégia europeia, o sector do uso do solo tem um papel preponderante: considera a natureza como um aliado vital no combate às alterações climáticas e à perda de biodiversidade, que contribui para a redução das emissões e a adaptação às alterações climáticas.

Um dos objetivos climáticos europeus é, por isso, recuperar e aumentar o sumidouro de carbono dos solos da UE até 2050, por exemplo, através do aumento da capacidade de absorção de CO2 pelas árvores.

Mas qual o papel do sector agrícola e do sector de uso da terra, onde se inclui a floresta, para atingir esta ambição da neutralidade climática?

A estratégia europeia espelha uma visão da natureza como uma aliada vital no combate às alterações climáticas e à perda de biodiversidade. E como a natureza regula o clima, considera que as soluções baseadas na natureza serão essenciais para a redução das emissões e a adaptação às alterações climáticas.

Assim, urge recuperar e aumentar o sumidouro de carbono dos solos da UE, nomeadamente, a capacidade que as árvores têm de absorver o CO2, para atingir os objetivos climáticos europeus.

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O sector de uso dos solos constituiu um sumidouro líquido importante no passado. Nos últimos anos, no entanto, o papel dos solos da UE enquanto sumidouro tem estado sob pressão em resultado da crescente utilização económica e dos efeitos adversos das alterações climáticas.

Embora o sumidouro líquido tenha aumentado de cerca de 250 milhões de toneladas CO2eq para mais de 300 milhões de toneladas CO2eq entre 1990 e 2010, nos últimos anos registou perdas significativas. O resultado foi uma redução do sumidouro para 263 milhões de toneladas CO2eq em 2018. Este facto evidencia os riscos existentes relativos à magnitude do sumidouro, que é de importância crucial para alcançar a neutralidade climática, ou seja, um nível nulo de emissões líquidas de gases com efeito de estufa até 2050.

A Comissão Europeia considera ainda que se não alterarmos as práticas de uso dos solos e os modelos de sobre-exploração agroflorestal o sumidouro poderá diminuir ainda mais: para 225 milhões de toneladas CO2eq até 2030. Este risco pode ser agravado devido ao aumento dos impactos negativos dos desastres naturais, como os incêndios e as pragas florestais e agrícolas, resultantes das alterações climáticas.

O sumidouro deve crescer para que a UE consiga alcançar a neutralidade climática até 2050. Reverter a tendência atual obriga a tomar medidas significativas a curto prazo, devido à longa duração dos ciclos de produção neste domínio, especialmente na produção florestal.

Entre as medidas a avançar incluem-se a proteção florestal, a gestão sustentável das florestas e a reflorestação com uma melhor gestão dos solos, incluindo ações de restauro de zonas húmidas, turfeiras e terrenos degradados, em consonância com a Estratégia para a Biodiversidade e contribuindo para os seus objetivos.

Critérios para a remoção de carbono: que mecanismo pode usar o sector agroflorestal?

A Comissão estabeleceu um acordo político, em fevereiro de 2024, sobre o esquema de certificação em toda a UE para a remoção de carbono. Este esquema visa estabelecer normas e critérios para a certificação de projetos de remoção de carbono, garantindo a sua eficácia e integridade.

Para o efeito, a iniciativa propõe um quadro de certificação da UE para as remoções de carbono assente em quatro critérios de qualidade (a seguir designado QU.A.L.IDADE), que indicam como assegurar:

  1. a QUantificação;
  2. a Adicionalidade e valores de referência;
  3. o armazenamento a Longo prazo;
  4. e a sustentabilIDADE.

A avaliação de impacto identifica uma série de boas práticas para cada um dos critérios QU.A.L.IDADE, embora reconheça que a abordagem de certificação para cada critério será diferente consoante as atividades de remoção de carbono.

Numa segunda fase, terão de ser desenvolvidas metodologias de certificação pormenorizadas para aplicar os critérios QU.A.L.IDADE às diferentes atividades de remoção de carbono.

Um sistema europeu, credível, independente e auditável de quantificação e regulação de metodologias de remoção de carbono é fundamental para alcançar as metas climáticas e promover a sustentabilidade transversal a todos os países europeus. O acordo representa um passo importante na direção certa para enfrentar a crise climática.

O que está a fazer Portugal para demonstrar o contributo do seu sumidouro de carbono?

Em janeiro de 2024, foi lançado o Mercado Voluntário de Carbono em Portugal, através do Decreto-Lei n.º 4/2024, que institui o mercado voluntário de carbono e define o seu regime de funcionamento.

O mercado voluntário de carbono visa compensar emissões de gases de efeito estufa por meio da emissão, transação e cancelamento de créditos de carbono certificados, e através do envolvimento de indivíduos e organizações, públicas ou privadas, no mercado voluntário para cumprir os seus objetivos de mitigação de emissões ou estratégias climáticas.

No verão de 2024, decorrem procedimentos para que o Mercado Voluntário de Carbono possa entrar em funções: estabelecimento de Critérios de Elegibilidade dos Projetos e desenvolvimento de uma plataforma pública que permitirá o rastreamento dos projetos e créditos.

O desenvolvimento deste mercado é mais um passo importante para enfrentar a crise climática e incentivar ações sustentáveis em Portugal; um passo que deve estar alinhado com o sistema QU.A.L.IDADE europeu, com as políticas ambientais, sociais e de uso do solo, e com os mecanismos financeiros e fiscais.

Neste sentido, Portugal tem, por um lado, que afirmar as particularidades do território nos mecanismos europeus decorrentes das especificidades socioeconómicas e ambientais: o país da Europa com maior área florestal privada e o país com maior área ardida. Por outro lado, a estratégia nacional tem de promover mecanismos de mobilização para a gestão ativa e sustentável da floresta, em dois eixos principais:

  • Aumentar a resiliência dos territórios aos incêndios florestais, fundamental para a redução das emissões;
  • Aumentar a produtividade líquida das áreas agroflorestais, resultando numa maior absorção de carbono.

Neste sentido, Portugal deve apostar na valorização da gestão ativa e sustentável das florestas, com foco em ações consertadas de restauro de áreas degradas e/ou abandonadas. Em paralelo deve assegurar que o mercado de carbono em Portugal – e na Europa – responde às necessidades do mundo rural, alargando a elegibilidade das áreas que contam, não apenas plantação ou ações similares, mas a outras ocupações agroflorestais cuja gestão urge implementar para reduzir o do risco de incêndio e aumentar a produtividade líquida dos territórios.

Portugal tem de se afirmar nas políticas e orientações, europeias e nacionais, defendendo que estas sejam ajustadas às necessidades da agrofloresta nacional!

2BForest e neutralidade climática: contabilização e certificação de serviços de ecossistema

Como se está a posicionar a 2BForest para demonstrar o contributo das áreas florestais certificadas para os serviços dos ecossistemas, nomeadamente como sumidouro de carbono? E de que forma está a contribuir para a dinamização do mercado dos serviços dos ecossistemas?

A 2BForest já demonstrou estar preparada para responder aos desafios europeus e a um mercado europeu de créditos de carbono. Desde 2021, que as metodologias de cálculo de carbono – e de outros serviços de ecossistemas – têm sido testadas e auditadas com o objetivo de aumentar a transparência, credibilidade e sustentabilidade deste mecanismo.

A atividade desenvolvida na área da certificação de serviços dos ecossistemas tem aumentado no território, com a integração de seis proprietários florestais, com mais de 700 hectares, no seu grupo de certificação, abrangendo quatro tipo de serviços de ecossistema: carbono, água, biodiversidade e turismo.

Por outro lado, a 2BForest tem acompanhado o mercado de transação de serviços de ecossistemas, adquirindo conhecimento sobre as necessidades dos proprietários e trabalhando em estratégias de comercialização e comunicação na área dos serviços dos ecossistemas para os seus clientes, que, cada vez mais, se veem confrontados com a necessidade de darem resposta às orientações europeias.

No trabalho da 2BForest destaca-se o envolvimento de mais de 30 patrocinadores que têm apoiado a implementação da teoria da mudança ao nível do restauro florestal, na zona dos passadiços do Paiva, com a promoção dos serviços dos ecossistemas prestados.

De referir ainda que a 2BForest tem sob a sua responsabilidade uma rede de Campos de Demonstração, ao abrigo da Agenda Transform do PRR, que integra áreas certificadas para os serviços dos ecossistemas, nomeadamente carbono, cujo objetivo é comunicar, promover e testar as várias metodologias e níveis de elegibilidade das áreas e das metodologias para que se possa alavancar políticas e mecanismos de mercado voluntário de carbono.

Em conclusão, os mecanismos que estão a ser desenvolvidos, nomeadamente a certificação dos serviços dos ecossistemas, reforçam a importância das florestas na ambição da neutralidade climática europeia. Se forem corretamente implementados poderão, sem dúvida, contribuir para promover a gestão florestal sustentável, a recuperação dos terrenos degradados/abandonados e o aumento da resiliência dos territórios rurais em Portugal.

Setembro de 2024

O Autor

Engenheira Florestal com mais de 15 anos de dedicação à certificação florestal, Susana Brígido começou a sua experiência profissional no movimento associativo florestal e na administração pública. Em 2012, passou a dedicar-se à consultoria independente, apoiando e colaborando com a indústria de base florestal e os proprietários florestais na implementação de sistemas de certificação florestal. Auditora de ambos os sistemas de certificação florestal, FSC e PEFC, entre outras normas, foi auditora pela Kiwa Sativa e pelo Bureau Veritas Certification.

Em 2017 concretizou o seu empreendedorismo com a criação de uma PME, a 2B Forest, Lda., de que é sócia e diretora geral. Considerada pelo segundo ano consecutivo como empresa “TOP 5% Melhores PME de Portugal”, a empresa conta com quatro escritórios em Portugal, mais de 10 colaboradores e uma plataforma para gestão de áreas certificadas (ForestSIM) Foi pioneira, na Península Ibérica, na implementação da certificação de projeto arquitetónico com material certificado (2B_Office) e pioneira, em Portugal, na implementação e comercialização de serviços de ecossistemas certificados (ES_SPONSOR). Em todos estes desafios profissionais, assume por missão “Valorizar e inovar na floresta Nacional”.

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