Academia

Vídeo

A floresta portuguesa e por que lhe chamaram “petróleo verde”, por João M. A. Soares

O século XIX e parte do XX foram marcados por uma sólida estratégia de fomento e expansão da floresta, permitindo o desenvolvimento de inúmeras indústrias de base florestal, geradoras de riqueza e de desenvolvimento para o país. Em resultado, a floresta portuguesa foi designada como o nosso “petróleo verde”.

Ao longo da história e até final do século XIX, a procura de lenhas e madeiras aumentou significativamente devido às suas crescentes utilizações, desde o domínio do fogo ao dos metais, passando pela construção, pelo vidro, pelos papéis e pela energia, incluindo o vapor que alimentou embarcações, ferrovias e indústrias.

Os grandes fluxos de procura levaram a que as madeiras naturalmente disponíveis nos ecossistemas se tornassem insuficientes. Desencadeou-se uma viragem irreversível que levou os ecossistemas em equilíbrio a tornarem-se “tecnossistemas”, controlados pela atividade humana.

Em Portugal, souberam preservar-se os sobreiros e as azinheiras (base da indústria da cortiça e também da bolota que foi uma importante fonte de alimentação) e durante o século XIX e parte do século XX seguiu-se uma sólida estratégia de fomento e expansão florestal, focada essencialmente no pinheiro-bravo. Foi ela que levou ao crescimento da floresta e do seu valor – do que se viria a tornar do nosso “petróleo verde”.

Além da plantação de pinheiro para proteção da erosão e fixação das dunas, assim como para criação de vastos pinhais com pastoreio e resinagem, os planos de fomento do Estado Novo tornaram esta madeira na base do desenvolvimento e advento de inúmeras indústrias: serrações, painéis de madeira, mobiliário, pasta e papel…

“Petróleo verde”: uma alavanca de desenvolvimento e uma fonte de divisas

Num país sem petróleo, o valor gerado pelo sector levou a floresta a tornar-se num recurso de valor similar – numa espécie de “petróleo verde”.

Esta história virtuosa fez da floresta uma “princesa rica num país pobre” e mais tarde, de meados do século XX em diante, a boa adaptação do eucalipto a Portugal reforçou a dinâmica do sector silvoindustrial.

Nas últimas décadas do século XX, as várias fileiras foram decisivas para Portugal conseguir recuperar do choque petrolífero de 1974/75, assim como da crise das divisas em 1985, e de outros acontecimentos críticos, como a guerra colonial e o retorno ao país de milhares de portugueses.

Além do seu contributo para a dinamização das economias rurais, os produtos florestais chegaram a representar quase 20% do total das exportações portuguesas, o dobro da percentagem atual.  Nessa época e pelo superavit que geravam, os produtos florestais traziam ao país as divisas com que pagávamos o petróleo comprado ao exterior. E com este “petróleo verde” tínhamos ainda uma alavanca interna de desenvolvimento.

A partir de então e embora a relevância do sector e das suas exportações se mantenha, o seu contributo reduziu-se, por um lado devido à crescente necessidade de importação de matérias-primas florestais. Muitas das decisões que estiveram base do sucesso e crescimento do sector silvoindustrial foram soçobrando a políticas públicas pouco corajosas, descontinuadas e mal informadas. Somou-se o receio da opinião publicada e dos diversos mitos que estão a “infestar esta magnífica floresta portuguesa”.

Entre os vários mitos referidos por João Soares estão, por exemplo, o mito da “floresta virgem”, o mito de que “cortar árvores é mutilar a natureza”, o mito de que “as espécies que não são de cá são indesejáveis”, de que “as plantações florestais servem as indústrias” ou de que “os serviços de ecossistema são uma novidade do século XXI”.

Na realidade estes serviços dos ecossistemas florestais sempre existiram e deles fazem parte a madeira, a resina ou a caça, mas também um conjunto outras coisas que o mercado não paga – como a filtração do ar, a qualidade da água ou a biodiversidade – e que precisam de ser remuneradas.

“Não há floresta ecologicamente sã se não for economicamente viável” afirma João Soares. E com uma população mundial que não para de crescer em número e consumo de recursos, é indispensável aumentar a oferta de matérias-primas florestais sem destruir a biodiversidade. Há que fazê-lo onde existe viabilidade económica, com respeito ambiental e aceitação social e “em Portugal temos estas condições” – as condições para que a floresta volte a reforçar-se como o nosso “petróleo verde”:

– Muitos terrenos incultos, que não se adequam a uma agricultura rentável;

– Conhecimentos académicos e experiência histórica no uso florestal destes solos;

– Indústrias de base florestal com tradição, capacitação, responsabilidade e mercado;

– Fileiras silvoindustriais capazes de contribuírem para a criação de valor acrescentado.

Sobre o Formador

Formado em Agronomia pelo ISA, João M. A. Soares começou, ainda em estudante, a trabalhar no sector florestal. Desempenhou várias funções em instituições públicas, incluindo a de Presidente do então Instituto de Produtos Florestais e a de Diretor Geral das Florestas.

Após 20 anos de serviço público, ingressou na Direção Florestal da Soporcel. Em 2013, foi convidado a chefiar a recém-criada Secretaria de Estado das Florestas do XV Governo e a lançar a Reforma Estrutural do Sector Florestal. Mais tarde constituiu a sua própria empresa de consultoria.

Durante este percurso, desenvolveu intensa atividade em organismos internacionais das Nações Unidas e Comissão Europeia. Foi ainda cofundador da BCSD Portugal – Business Council for Sustainable Development e produziu dezenas de artigos, em grande parte reunidos no livro “Petróleo Verde: Floresta de Equívocos”.