Academia

Vídeo

Instrumentos de financiamento florestal, por Gonçalo Alves

O investimento na floresta é essencial para melhorar a sua gestão, produtividade e rentabilidade, assim como para aumentar a sua vitalidade e capacidade de fixação de carbono. Conheça, com Gonçalo Alves, alguns instrumentos de financiamento florestal a que os proprietários podem recorrer.

Pela sua localização no sul da Europa, a floresta portuguesa tem um potencial produtivo elevado, principalmente no litoral norte. No entanto, na maioria dos casos, a produtividade real está muito aquém deste potencial. Além da baixa produtividade, a nossa floresta enfrenta desafios de várias ordens, incluindo a pequena dimensão da propriedade (em especial nas zonas de maior produtividade), o despovoamento e abandono das atividades do sector, o preço das matérias-primas florestais (na maioria dos casos estagnados) e o aumento de riscos associados às alterações climáticas.

Riscos abióticos, como a seca prolongada e o aumento da intensidade dos incêndios, e riscos bióticos, como a incidência crescente de pragas e doenças, são exemplos dos efeitos das alterações climáticas que têm vindo a afetar as florestas portuguesas. Gonçalo Alves destaca que as próprias florestas podem fazer parte da solução, nomeadamente através da sua capacidade de fixação de CO2.

O aumento da capacidade de fixação de CO2 está dependente da maior vitalidade da floresta que só se consegue se tivermos capacidade para investir na sua gestão, alerta o orador: precisamos de florestas mais rentáveis, que nos proporcionem mais retorno e maior capacidade de fixar carbono.

Para apoiar os proprietários neste investimento, temos em Portugal várias fontes de financiamento florestal.

Fontes públicas de financiamento florestal

As fontes públicas de financiamento florestal decorrem dos fundos europeus e quadros comunitários de apoio que existem há já mais de 20 anos e incluem:

O Plano de Desenvolvimento Rural, com o PDR 2020, que ainda está a decorrer em 2024 e será depois substituído pelo PDR 2030. É um apoio da União Europeia enquadrado na PAC – Política Agrícola Comum e dirigido ao financiamento florestal de projetos muito diversos em tipologia e dimensão, desde iniciativas de rearborização a ações de primeira transformação industrial. A grande maioria das espécies com adaptação ao clima e solos portugueses pode beneficiar deste financiamento florestal, embora ele esteja vedado ao eucalipto. “Seria importante o reenquadramento desta espécie nos apoios, até pela necessidade de reconversão de algumas áreas de eucalipto”, refere Gonçalo Alves.

O Plano de Recuperação e Resiliência ou PRR. Conta com apoios muito direcionados para as AIGP – Áreas Integradas de Gestão da Paisagem, em constituição nos territórios mais afetados pelos incêndios de 2017 e 2020 (principalmente no Centro e Norte de Portugal e numa única área a Sul – Monchique). São apoios que financiam 100% do valor dos investimentos (ao contrário dos financiamentos florestais do PDR, que se ficam pelos 60% a 80% do total de investimento implicado nos projetos), mas não são apoios transversais a todo o país.

O Fundo Ambiental. Está a lançar o Vale Floresta, dirigido a pequenas intervenções (manutenção, desramas, etc.) nas áreas florestais de minifúndio (exceto de eucalipto), e conta com o Programa de Remuneração dos Serviços de Ecossistemas, que tem como principal objetivo financiar a gestão futura das florestas até um prazo de 20 anos. Este programa data de 2019 e envolveu duas áreas classificadas: a Paisagem Protegida da Serra do Açor e o Parque Natural do Tejo Internacional.

Estes diferentes tipos de financiamento florestal público não cobrem todo o território e espécies. Em paralelo, muitas vezes os valores disponíveis acabam por não ser esgotados e uma das razões é a dificuldade que os proprietários têm de lhes aceder, pela complexidade dos processos e pela múltipla documentação que é solicitada. Neste sentido, Gonçalo Alves sublinha: “Os produtores que queiram fazer uma gestão ativa da sua floresta (…) devem procurar nas organizações de produtores, no ICNF (Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas) e nos municípios o apoio para apresentar as suas candidaturas”.

Instrumentos privados de financiamento florestal

Com a preocupação das alterações climáticas a aumentar, a sociedade tem estado mais atenta à necessidade de reduzir e compensar as suas emissões e têm surgido projetos e mecanismos dirigidos a essa compensação. Financiam, sobretudo, a instalação de áreas florestais para a fixação de carbono, mas também para a promoção da biodiversidade, recuperação de solos, regulação do ciclo da água, redução da exposição a riscos (como incêndios e pragas e doenças) e podem estar associados também a ativos como a produção de madeira e os produtos não lenhosos.

Em Portugal já começam a constituir-se alguns destes mecanismos de investimento privado que podem ser completares ao financiamento florestal público e apoiar os proprietários no seu investimento. Gonçalo Alves identifica quatro grandes iniciativas:

1 – Portuguese Forest Fund – Fundo de investimento que está a reunir 100 milhões de euros para investir em áreas de fixação de carbono, mas também de produção de madeira, frutos silvestres e até turismo rural, apostando no desenvolvimento territorial relacionado com a floresta e a agricultura.

2 – Land Fund. Com uma lógica idêntica, é outro fundo de investimento que se dirige à recuperação áreas degradadas e dos seus solos para fixação de carbono, o que permitirá comercializar créditos de carbono.

3 – Motor Verde + Floresta, da Fundação Repsol, que já está no terreno, a estabelecer parcerias com proprietários para apoiar projetos de reflorestação e colaborar para o futuro mercado voluntário de carbono em Portugal.

4 – Floresta Produtiva Biodiversa em Portugal, da Fundação Calouste Gulbenkian e Efanor Investimentos, com arrendamento de terrenos no Norte e Centro.

Estes fundos têm diferentes enquadramentos legais e horizontes temporais (entre 15 e 40 anos), mas têm todos um pressuposto em comum: uma gestão florestal ativa, sustentável e de longo prazo. Apenas os fundos imobiliários têm como intenção promoverem a comercialização da terra como ativo, o que pode ser uma alternativa para proprietários que queiram vender as suas propriedades.

Portugal tem vantagens para atrair investidores que possam financiar a floresta portuguesa, como é o caso da competitividade florestal potencial e o know-how transversal à produção florestal e industrial.

No entanto, existem também vários obstáculos à captação de financiamento florestal: o facto de estarmos num hot spot de vulnerabilidade às alterações climáticas é um deles, pelos riscos para quem investe, a inexistência de um cadastro da propriedade nacional é outro. Já a pequena dimensão da propriedade é uma das principais condicionantes, pois nenhum investidor irá negociar com centenas ou milhares de proprietários para implementar um projeto de um ou dois mil hectares.

Sobre o Formador

Fundador e partner da consultora Gkapital e da Smart Forest, Gonçalo Alves é engenheiro florestal, licenciado pelo ISA – Instituto Superior de Agronomia.

Iniciou a sua carreira profissional como membro do secretariado técnico da conferência interministerial: “Expert Meeting for Rehabilitation of Degraded Soils” / “Third Ministerial Conference for the Protection o fForests in Europe”. Desde então, tem estado sempre ligado ao sector florestal e aos projetos florestais.

Além de ter sido consultor em várias empresas, exerceu em diversas organizações, a exemplo, da Autoridade Florestal Nacional, que dirigiu, da Autoridade Nacional de Proteção Civil, do Centro de Biomassa para a Energia e do IFADAP – Instituto de Financiamento e Apoio da Agricultura e Pescas.

Foi ainda chefe de gabinete do Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural, do XXI Governo Constitucional (2015-19).

Consulte informação de apoio