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“Resiliência aos incêndios, transformação da paisagem e políticas públicas”, por Lima Santos

Dos elementos que marcam a transformação da paisagem, o abandono da agricultura sobressai como o principal catalisador do perigo de incêndio em Portugal. Reforçar a resiliência aos incêndios rurais requer do Estado um incentivo à agricultura, em especial nas zonas onde a baixa rentabilidade a torna inviável.

A redução da área agrícola, decorrente da diminuição de produtividade e rentabilidade do trabalho na terra, é o fator que mais contribui para diminuir a resiliência aos incêndios no território português. Esta é uma das principais conclusões que Lima Santos retira dos estudos técnico-científicos em que tem estado envolvido e que traçam uma relação direta entre a transformação da paisagem e a evolução do fogo.

Nos territórios com maior proporção de ocupação agrícola (ou seja, naqueles em que há maior rentabilidade do trabalho agrícola) temos menos incêndios. Estas zonas estão localizadas sobretudo no Alentejo e pontualmente no Ribatejo, Beira Baixa, Centro Oeste e Minho.

Já nas regiões com menor taxa de ocupação agrícola, onde a produtividade destas atividades é muito baixa e as populações acabaram por ir trabalhar noutros sectores, temos mais incêndios rurais. E o perigo e proporção de incêndios são mais elevados nas zonas onde a agricultura tem menor expressão, ou seja, naquelas em ocupa menos de 10% ou de 20% da paisagem como, por exemplo, no Pinhal Interior ou em Monchique.

A identificação do problema parece encerrar a sua própria solução: é preciso aumentar o rendimento do trabalho na agricultura para que mais pessoas possam viver desta atividade e fazer crescer a ocupação e gestão agrícola nos territórios que se tornaram mais vulneráveis.

No entanto, nas zonas onde a produtividade das atividades primárias é muito baixa não é possível aumentar o retorno do trabalho na terra sem o apoio do Estado. O financiamento a estas atividades é essencial e deve ser feito na perspetiva das políticas de gestão do território e do aumento da resiliência aos incêndios, mais do que pelos produtos que advenham da agricultura e silvicultura.

Acresce que o custo de “deixar arder” (custo direto e indireto para o estado, empresas e comunidades) justifica os incentivos económicos aos proprietários florestais para incentivar a gestão de combustível (em oposição às proibições e obrigações legais), especialmente nas zonas mais vulneráveis.

Presença humana por si só não aumenta resiliência aos incêndios

Um estudo realizado na região do Pinhal Interior, que caracterizou e comparou as duas principais componentes do regime do fogo – incidência (área ardida) e concentração temporal (recorrência e capacidade destruidora do fogo) – nos períodos 1975-95 e 1996-2018, indica que a área afetada pelos incêndios foi maior no segundo período e, mais importante, que os fogos foram mais destruidores entre 1996 e 2018 (principalmente na área centro do Pinhal Interior).

Já a densidade populacional teve menos relevância para a incidência e concentração do fogo: nas áreas onde há populações, mas não existe atividade agrícola, os incêndios mantêm-se elevados em incidência e concentração temporal. Por outro lado, continua a haver menos incidência e fogos menos destruidores onde há mais ocupação agrícola, mesmo com menor densidade populacional. Em zonas que têm cerca de 40% do território com gestão agrícola, o aumento da resiliência aos incêndios é muito notório.

Outra das conclusões indica que o aumento da vegetação natural – matos e floresta nativa – não ajuda a diminuir a incidência do fogo e têm até contribuído para aumentar a área ardida, embora reduza a sua concentração, ou seja, atenue o efeito destruidor dos fogos.

Sobre o Formador

Licenciado em Agronomia pelo ISA – Instituto Superior de Agronomia em 1987, José Lima Santos doutorou-se em Economia do Ambiente e dos Recursos Naturais pela Universidade de Newcastle upon Tyne, Reino Unido, em 1997.

É docente do ISA, desde 1987, onde leciona nas áreas de Economia do Ambiente e dos Recursos Naturais, Economia Agrária, e Biodiversidade e Conservação. É membro da Comissão Científica do Programa de Doutoramento em Alterações Climáticas e Políticas de Desenvolvimento Sustentável (PDACPDS), no qual leciona a unidade curricular de Teorias e Práticas do Desenvolvimento Sustentável.

É membro do Centro de Estudos Florestais (CEF) e as suas principais áreas de investigação estão relacionadas com a Valoração Económica do Ambiente, a Análise de Políticas Públicas, a Análise de Sistemas de Produção Agrícola e das relações entre Sistemas Agrários e Biodiversidade.

Anteriormente, foi também diretor-geral do Gabinete de Planeamento e Políticas Agroalimentares (GPPAA) do Ministério da Agricultura, membro do Conselho Nacional do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CNADS) e membro do Conselho Geral da Universidade de Lisboa.