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“Restauro de áreas degradadas”, por Otília Correia

O fogo e a exploração de pedreiras são perturbações significativas dos ecossistemas mediterrânicos. Como pode o restauro de áreas degradadas ajudar a repor a sua autossustentabilidade e resiliência?

Duração, intensidade, frequência e área são algumas das variáveis a considerar para compreender o impacte de uma perturbação no ecossistema e determinar qual a melhor estratégia para o restauro das áreas degradadas.

Várias perturbações podem resultar na destruição total ou parcial da biomassa vegetal e ter origem em causas tão diferentes como fenómenos meteorológicos (fogo, geada, erosão ou vento, por exemplo), atividades humanas (corte de vegetação e remoção de solo), ação de animais (pisoteio do gado) e agentes patogénicos (pragas e doenças).

Dependendo de cada situação, a regeneração pode iniciar-se naturalmente logo após a perturbação, sem intervenção humana. No entanto, em muitos casos a intervenção humana permite acelerar este processo e o restauro de áreas degradadas pode ajudar a repor o ecossistema original (a sua estrutura e funcionamento) ou reconstruir na área degradada um ecossistema completamente novo (reclamação).

Na região mediterrânica, as duas principais fontes de perturbação dos ecossistemas são o fogo e as pedreiras, embora com características muito distintas: a duração do fogo é curta, com grande intensidade; nas pedreiras o impacte é localizado, mas perdura no tempo. Assim, perante o fogo existe uma maior resiliência do ecossistema (capacidade e velocidade de recuperação), já que habitualmente permanecem no solo propágulos que promovem o crescimento de nova vegetação (sucessão secundária). No caso das pedreiras, a resiliência é menor, dada a destruição total do solo, o que implica um processo de sucessão primária e muitos anos até haver reposição do solo.

Restauro de áreas degradadas após o fogo

De um modo geral, podemos dizer que a vegetação mediterrânica, juntamente com as florestas de coníferas e as savanas são os ecossistemas mais susceptíveis ao fogo. Avançar com o restauro de áreas degradadas após esta perturbação depende da intensidade e dos objetivos traçados para a região em que ocorre.

O fogo destrói totalmente a biomassa ao queimar a vegetação e dissemina as cinzas pela superfício do solo, mas a regeneração da vegetação é habitualmente rápida. A recuperação dos terrenos depende de fatores como:

  • Capacidade das espécies para suportar o fogo. As espécies de casca espessa são as mais protegidas das altas temperaturas;
  • Capacidade de regeneração das espécies. Existem espécies que rebentam ativamente através de estruturas protetoras nos ramos e outras de órgãos subterrâneos, como raízes, toiças, rizomas e bolbos;
  • Entrada de espécies vindas de zonas vizinhas;
  • Condições ambientais (como a frequência da precipitação) e biológicas, assim como época do ano em que decorre a intervenção humana.

Algumas espécies morrem com o fogo, mas formam um banco de sementes que germinam ativamente depois. Existem outras ainda que têm o banco de sementes na copa, encerrado em frutos protetores que as libertam após o fogo, como é o caso dos pinheiros (Pinus spp.). E há espécies, como os eucaliptos (Eucalyptus spp.), com uma estratégia mista, rebentando através de toiças e da germinação das sementes guardadas na copa, em cápsulas fechadas por até dois ou mais anos.

Restauro de áreas degradadas após a exploração de pedreiras

O restauro após a exploração de pedreiras é mais complexo devido à remoção da vegetação e à destruição do solo, com degradação dos ecossistemas, alteração do relevo original e poluição. É necessário um restauro ativo e bem planeado para conseguir solucionar o maior problema: a ausência de solo, de água e de nutrientes.

Estas ações têm obrigatoriamente de considerar a vegetação e o solo, além de necessitarem de monitorização imediata após a revegetação e também a médio/longo prazo, para medir a taxa de sucesso, avaliando e adaptando a estratégia a novas necessidades do restauro.

O restauro de áreas degradadas é um processo demorado, que exige monitorização contínua e a gestão adaptativa de base científica, feita por equipas multidisciplinares. Se, no caso do restauro após o fogo, pode ser sensato deixar que a regeneração natural do sub-bosque ocorra, complementando-a com a plantação de espécies que não regeneram após o fogo e com a criação de mosaicos de diferentes espécies e idades que favoreçam a humidade no solo, no caso das pedreiras, impõe-se um processo de restauro ativo e bem delineado para repor a vegetação e o solo.

Sobre o Formador

Otília Correia é doutorada em Ecologia e Sistemática pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. É Professora Associada com Agregação  na mesma instituição e Investigadora do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais (cE3c), também na Faculdade de Ciências.

A sua principal área de investigação centra-se na Ecofisiologia Vegetal e Dinâmica dos Ecossistemas Terrestres. Neste contexto, tem sido um dos seus objetivos a aplicação destes conhecimentos na mitigação e recuperação de ecossistemas degradados, nomeadamente no que se refere à sucessão pós-fogo e à recuperação de pedreiras.