Comentário

Alexandra Aragão

Conhecimento florestal: comunicar para valorizar e proteger as florestas

As florestas são um património comum cujos benefícios podem ser estudados, descritos, analisados, medidos, valorados e apreciados desde múltiplas perspetivas. Mas conhecer a floresta não é suficiente, é preciso saber comunicar este conhecimento se queremos valorizar e proteger as florestas.

As florestas são um património comum cujos benefícios para as pessoas podem ser estudados, descritos, analisados, medidos, valorados e apreciados desde múltiplas perspetivas. Desde a perspetiva do conhecimento científico dos ecossistemas florestais, à perspetiva do conhecimento das vantagens económicas dos produtos florestais; desde o ponto de vista da compreensão da história das florestas d’El Rei, ao ponto de vista da compreensão sociológica das relações das comunidades rurais com a florestas; desde a ótica das referências à floresta na arte ou na literatura, à ótica do conhecimento do direito florestal. Todas estas perspetivas do conhecimento florestal podem ser comunicadas de modo eficiente para que mais pessoas contribuam para valorizar e proteger as florestas.

Assim, a comunicação de conhecimento florestal pode envolver o uso de diferentes linguagens e pode, sobretudo, ter múltiplas finalidades.

Quando o objetivo é proteger a floresta, uma das finalidades mais úteis é influenciar utilizadores da floresta para evitar comportamentos que ponham em risco a floresta.

No caso concreto do risco de incêndio, são as estatísticas que mostram que mais de metade dos incêndios deflagram por causas de origem humana. Entre essas causas figuram comportamentos aparentemente inofensivos como usar máquinas, queimar sobrantes agrícolas ou lançar foguetes.

O Instituto de Conservação da Natureza e Florestas produziu o primeiro Relatório que faz a análise das causas dos incêndios no decénio 2003-2013, dividindo-as em quatro tipos: uso do fogo (fogueiras, fumar, lançamento de foguetes, queima de lixo, queimada), causas acidentais (maquinaria, transportes e comunicações), causas estruturais (caça e vida selvagem, uso do solo) e incendiarismo (imputáveis, inimputáveis).

Até agora, adotar leis que criam proibições e sanções tem sido a abordagem desenhada para induzir, por dissuasão e coerção, a mudança de comportamentos. Recorde-se que o código penal pune com um a oito anos de prisão (podendo, em determinadas circunstâncias, ir até 12 anos) “quem provocar incêndio em terreno ocupado com floresta, incluindo matas, ou pastagem, mato, formações vegetais espontâneas ou em terreno agrícola, próprios ou alheios” (artigo 274 n.º1 e 2).

Mas será esta uma abordagem suficiente?

Causas dos incêndios rurais no decénio 2008-2017

Imagem interior comentario alexandra aragao

Proteger as florestas através da comunicação persuasiva

A comunicação persuasiva é principalmente associada a ações de marketing, estratégias comerciais de venda de produtos pela criação, nos consumidores, do desejo de aquisição. Mas também pode ser, e é, usada em outros contextos não comerciais, como campanhas político-partidárias, motivação desportiva, recrutamento militar, campanhas de saúde pública, capacitação para a proteção civil e… comunicação para proteger as florestas.

O conteúdo da comunicação persuasiva jurídico-ambiental para a floresta pode ser informativo, educativo, emotivo ou incitatório, consoante os fins visados. Correspondentemente, o sentido da persuasão pode ser de quatro tipos:

1. Persuasão destinada a informação, comunicando dados de forma inteligível, para alcançar uma compreensão racional e, expectavelmente, levar à transformação de comportamentos na floresta.

2. Persuasão destinada a educação, transmitindo valores claros, que induzam uma interiorização de princípios orientadores de conduta, que de futuro venham a desencadear espontaneamente opções comportamentais corretas em ambiente florestal.

3. Persuasão destinada a sensibilização, difundindo mensagens fortes, geradoras de emoções que desejavelmente desencadearão reações instintivas, conformes ao padrão de comportamento florestal desejado – neste caso a proteção das florestas.

4. Persuasão destinada a aconselhamento, incitando à adesão a uma proposta concreta de ação ou omissão, claramente descrita, e à subsequente aceitação e adoção voluntária do comportamento descrito no contexto adequado.

Naturalmente, em qualquer dos modelos de comunicação, e utilizando quaisquer canais de comunicação – desde um workshop a um simples folheto informativo – pode haver cumulação de objetivos de persuasão jurídico-ambiental: informação, educação, sensibilização e aconselhamento podem coexistir no mesmo momento de comunicação.

A Comunicação pode ser persuasiva e a persuasão pode apoiar vários objetivos, como a sensibilização, difundindo mensagens fortes, geradoras de emoções que desejavelmente desencadearão reações instintivas, conformes ao padrão de comportamento florestal desejado – neste caso a proteção das florestas.

Para além dos fins, qual o seu conteúdo e objetivos? Quais as áreas do saber envolvidas?

Conjugando as quatro finalidades, com uma análise do conteúdo e objetivos, em cada um dos âmbitos (jurídico e extrajurídico) da comunicação, obtemos duas matrizes de comunicação persuasiva jurídico-ambiental. A primeira, organiza as mensagens de teor jurídico; a segunda sistematiza as mensagens de teor ambiental relativamente ao exemplo dos incêndios.

Mensagem de Teor Jurídico

FinsConteúdo jurídicoObjetivo jurídicoÁreas jurídicas envolvidas
InformaçãoConhecimento dos dadosTeor da leiPerceção das leis aplicáveis às atividades florestaisDireito positivo florestal
EducaçãoInteriorização de valoresFinalidade da leiCompreensão da razão de ser do regime instituídoÉtica florestal e teleologia do direito florestal
SensibilizaçãoEmpatia com emoçõesEfeitos da lei Assimilação das consequências do incumprimento da leiDireito sancionatório e restaurativo florestal
FormaçãoCapacitação para realização de açõesAlternativas legaisConhecer as atividades alternativas conformes à legislaçãoDireito contratual florestal, direito do turismo e lazer florestal, direito administrativo autorizativo florestal, direito florestal dos transportes

 

Mensagem de Teor Ambiental

FinsConteúdo ambientalObjetivo ambientalCiências envolvidas
InformaçãoConhecimento dos dadosConsiderando aquecimento global, a ignição e propagação involuntária do fogo florestal é mais fácil do que se supõePerceção dos processos de ignição e propagaçãoDescrição de processos físicos, químicos, térmicos, mecânicos
EducaçãoInteriorização de valoresOs efeitos dos fogos florestais para a biodiversidade florestal e o equilíbrio ecológico são devastadoresCompreensão das consequências ecológicasExplicação de básicos de ciências da terra, ecologia, biologia, hidrologia
SensibilizaçãoEmpatia com emoçõesOs efeitos individuais, familiares e comunitários dos fogos florestais são dramáticosAssimilação das consequências humanas e ambientaisExplanação de efeitos psicológicos e de dinâmicas sociológicas e antropológicas
FormaçãoCapacitação para realização de açõesHá formas diferentes de realizar os mesmos objetivos, legalmente e com menos riscoSaber fazer e saber desenvolver ações alternativasTreino em processos e ações alternativas

Há alternativas

Relacionando agora as matrizes de comunicação persuasiva jurídico-ambiental com as causas concretas de incêndio negligente mencionadas anteriormente, estamos em condições de afirmar que o aspeto mais importante da comunicação é a capacitação para a realização de ações alternativas.

Por que é necessário algo mais do que explicar detalhadamente os processos de propagação do fogo para compreensão racional do perigo envolvido. É necessário algo mais do que explicar a legislação criminal sobre atividades tão tradicionais como lançamento de foguetes ou pequenas queimadas de resíduos agrícolas. É necessário algo mais do que aterrorizar os utentes da floresta com as consequências humanas potencialmente devastadoras de um evento catastrófico de fogo florestal.

É necessário demonstrar que aqueles comportamentos não são inevitáveis. Que existem alternativas seguras e igualmente festivas, igualmente divertidas, igualmente cómodas, igualmente rápidas e eficazes.

É necessário demonstrar que se pode comemorar sem foguetes, que se pode conviver sem grelhados no carvão, que se pode gerir sobrantes agroflorestais sem queimar, que se pode circular na floresta sem veículos motorizados.

Alternativas que ajudam a desfrutar e proteger as florestas

As alternativas devem consistir em formas de realizar os mesmos objetivos, ou objetivos análogos, com ações diferentes.

Em suma, a comunicação persuasiva jurídico-ambiental deve cumprir a função de capacitar para a realização de ações alternativas e mostrar que, em relação a todas e cada umas das causas de incêndio negligente, existem alternativas legais… e aceitáveis.

Por exemplo, quanto às atividades de lazer, é possível festejar sim, mas lançando balões com hélio e não lançando foguetes; conviver e fazer picnics sim, mas comendo salada fria em vez de churrasco; passear na floresta sim, mas deslocando-se de bicicleta em vez de automóvel; relaxar sim, mas mastigando uma pastilha elástica e não fumando; capturar a fauna selvagem sim, mas com uma câmara fotográfica com zoom, e não com uma arma de fogo.

Pensando em atividades ocupacionais, também aqui o foco deve ser nas alternativas que não consistam no simples adiamento da atividade. Referimo-nos à utilização de técnicas que não envolvam o uso do fogo, como por exemplo a trituração dos resíduos agrícolas ou florestais para produção de composto vegetal, em vez de queima de sobrantes; a utilização de ração para alimentação de gado, em vez da realização de queimadas extensivas; a utilização de equipamento sofisticado com sistemas de retenção de fagulhas, em vez das máquinas obsoletas; a contratação de serviços profissionais para atividades como a apicultura ou a limpeza de matos, prestados por técnicos especializados que garantam a utilização de maquinaria e equipamento de qualidade, os níveis desejados de destreza técnica e a experiência profissional, necessários à realização das operações em total segurança.

Obviamente que a terciarização destes serviços tem custos, difíceis de suportar por apicultores, pequenos produtores agrícolas ou silvicultores. É aqui que devem entrar os apoios públicos, designadamente do Fundo Ambiental. A ponderação dos custos orçamentais de tais apoios por um lado, e dos potenciais benefícios ambientais humanos e económicos do outro, não deixa dúvidas quanto à utilidade social e ambiental desta aplicação de verbas públicas na prevenção de incêndios florestais.

Investir na floresta é investir no futuro.

março de 2021

O Autor

Alexandra Aragão é professora da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Mestre em Integração Europeia e Doutora em Ciências jurídico-políticas, é também investigadora do Instituto Jurídico e membro do “Observatório Jurídico Europeu da Rede Natura 2000 e das Águas”, do “Advisory Board do European Environmental Law Forum e trustee” do grupo de especialistas de Direito Europeu do Ambiente “Avosetta.org.” Em paralelo, é coordenadora da Rede ibero-americana “Just Side” sobre justiça territorial.

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