Comentário

João Gama Amaral

Engenheiro florestal: uma profissão de elevada exigência técnica e múltiplos desafios

A decisão de exercer a profissão de engenheiro florestal implica abraçar um complexo conjunto de desafios que, sendo muitas vezes desconhecidos e imprevisíveis, são indispensáveis para alcançar um objetivo maior: cuidar de um bem que se herda e conseguir deixá-lo melhor para as gerações futuras.

Nem sempre compreendido pelos centros de decisão, muitas vezes desvirtuado pelos media e frequentemente desvalorizado pela sociedade, o exercício da profissão do engenheiro florestal acarreta responsabilidades transgeracionais e uma complexidade que vai muito para além dos ramos mais comuns da engenharia, quer pela diversidade de elementos que constituem os ecossistemas florestais, quer pela multiplicidade de fatores que interagem, numa dinâmica constante de tendências cada vez mais imprevisíveis, em muito resultante das alterações climáticas.

O engenheiro florestal – ou como no passado se designava, o silvicultor – atuou sempre nos espaços naturais, com uma abordagem fundamentada em princípios técnicos de sustentabilidade. Fazia-o geralmente pela necessidade de garantir a produção de bens de uma forma economicamente viável, por ciclos de muito longa duração. No universo dos territórios onde o exercício das suas competências lhe era exigido, atuou tendo em atenção a escala compatível das intervenções e o seu impacte na multiplicidade de recursos materiais e imateriais a jusante da sua atuação.

Olhando para o passado com o conhecimento atual, identificam-se fatores limitantes, que antes não o eram reconhecidamente, mas que agora, mais do que nunca, assim são vistos.

Face as idiossincrasias de diversa ordem e que resultaram na atual situação, o engenheiro florestal passou a ver-se perante a obrigação de recuperar os territórios, através de assinaláveis intervenções na recuperação dos solos, na reversão dos fenómenos de desertificação, na compartimentação do coberto vegetal e na promoção da sua diversificação, em renaturalizações adaptadas às alterações climáticas, sempre suportado por uma forte componente holística e uma visão prospetiva de realidade.

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O advento das tecnologias de informação, nomeadamente as de georreferenciação, disponibilizou potentes ferramentas de planeamento e gestão que se encontram à disposição do engenheiro florestal. A atração pelo universo virtual é evidente, mas tende a provocar o afastamento dos princípios básicos da gestão dos recursos naturais, enviesando as abordagens e introduzindo distorções, quer na decisão, quer na análise e avaliação dos resultados.

Por mais evoluídas que sejam as ferramentas e sistemas de gestão não se dispensa a presença no terreno: o conhecimento e validação da realidade de campo é fundamental para a tomada de decisão informada e quando não existe é limitante e indutora de grosseiros erros.

Esta situação é agravada pela tentativa de padronização da paisagem, feita para simplificar os instrumentos de política, levando a uma atuação nivelada por um território virtual, igual de “lés a lés”. Mas este território não existe, pelo que tal atuação coloca em causa a coesão territorial, apesar de ela ser notoriamente referenciada como pilar de uma atuação responsável e equitativa.

O exercício da profissão tem de pugnar para que o país seja uno no racional técnico, mas diverso nas funções que melhor se adaptam às realidades específicas de cada local. Tal passa inevitavelmente por atualizar a presença no território, revitalizando uma profissão que tem vindo a desconsiderar a leitura integrada, e assumir a multiespecialização da intervenção.

Atravessamos um período de risco acrescido no qual as alterações do contexto são inúmeras e com um elevado grau de imprevisibilidade. Por um lado, o clima exige uma leitura atenta para que as soluções encontradas permitam manter as funções dos espaços florestais e a profissão de engenheiro florestal continue a desempenhar o seu papel na gestão responsável destes recursos naturais. Por outro lado, as condições geopolíticas e de mercado criam pressões circunstanciais, alheadas da dimensão temporal dos ciclos produtivos, porém determinantes para as decisões de planeamento e gestão, obrigando a um esforço adaptativo acrescido.

Apesar do curso dos tempos levar cada vez mais ao entendimento de que esta profissão é algo que emerge da necessidade de assegurar a exploração sustentável de recursos (cuja procura se tem vindo a potenciar e assim se prevê manter para o futuro), persiste-se de forma agressiva em impedir que a natureza tenha tempo para dar a resposta necessária à expressão das soluções que são colocadas no terreno.

Os três pilares da sustentabilidade, incontornáveis na equação da gestão dos recursos naturais, teimam em ter diferentes velocidades, ou então prioridades inversas para velocidades que se revelam inadequadas.

 

A opção pela ausência de intervenção, revestida de pendor conservacionista, tem dado origem a ineficiências funcionais na preservação dos ativos naturais, da mesma forma que as estratégias imediatistas têm demonstrado ineficácia nas soluções. Quando a atuação não respeita as dinâmicas do ecossistema não podem salvaguardar os valores do bem, nem a disponibilidade de produtos e serviços que os ecossistemas prestam.

A ausência de consenso sobre soluções transversais, que abranjam as diferentes vertentes e perspetivas, permite que prosperem soluções únicas, que afunilam a atuação numa espiral de erros e conduzem a situações de degradação dos ecossistemas.

Os mercados têm, de alguma forma, condicionado o exercício da profissão de engenheiro florestal, obrigando-o a um esforço desproporcional em relação aos efeitos conseguidos. Mas temos necessariamente de analisar os problemas do exercício da profissão em oposição às dinâmicas dominantes no sector.

Como referia Carlos Manuel Gonçalves, em “Profissões e mercados; notas de reflexão”: “Pensar sociologicamente a construção social dos grupos profissionais, sempre referenciada a contextos geográfico-temporais historicamente específicos, traduz-se desde então, entre outros aspetos, na análise dos processos de produção dos modos como se efetivou a monopolização de segmentos dos mercados de trabalho e o consequente fechamento social desses grupos.”,

Temos de estar preparados para disponibilizar às pessoas, aos detentores da capacidade de decisão, a todos, as respostas e a eventual solução para a resolução dos problemas de que estão dependentes e que os limitam na gestão do ecossistema.

Falta em muitas decisões a evidência das competências do engenheiro florestal

As soluções não virão sem que se conheça a razão da sua necessidade. Não deverão ser paliativas, mas fortemente sustentadas na competência da profissão e na continuidade da sua aplicação. Para tal exige-se uma formação sólida e estruturada, assente nas bases de uma engenharia complexa que integra distintas vertentes.

Se queremos ter profissionais sustentados num ensino estruturado, resiliente, capazes de dar resposta à sociedade em geral, então deveremos poder entender a nossa posição atual.

O conjunto de proprietários com acesso a apoio técnico para tomar decisões florestais fundamentadas está limitado a 50 ou 60 mil num universo de 600 a 900 mil. Os números falam por si, sem necessidade de os adjetivarmos.

O futuro avizinha-se muito distinto do que é conhecido, contextualizado em alterações climáticas profundas e marcantes fenómenos extremos. É o processo evolutivo, por estas circunstâncias determinado, que urge ser contemplado nas decisões de ordenamento e gestão dos espaços florestais, promovendo assertivamente a adaptabilidade destes sistemas.

A elevada complexidade dos sistemas florestais requer um conhecimento aprofundado das dinâmicas neles presentes. Neste sentido, é essencial recuperar uma leitura holística e atuar através de uma gestão assertiva e responsável, capaz de assegurar que os processos regenerativos ocorrem em tempo útil.

A especialidade da engenharia florestal tem o privilégio de estar capacitada para abraçar a complexidade da adaptação dos sistemas florestais à realidade emergente, assim como de os conduzir a um futuro sustentável e resiliente, capaz de assegurar as funções sociais, económicas e ambientais que se exigem enquanto garante da sustentabilidade da nossa sociedade.

Uma inequívoca capacidade de diagnóstico, metodologia de análise e potencial de planeamento é crucial nestes tempos. O futuro que se vislumbra exige racional técnico, competência específica, inovação, pensamento multidirecional e atuação ao nível da paisagem.

Continuará a ser necessária a intervenção humana para assegurar a transição evolutiva e obviar o hiato que se perceciona de uma degradação acelerada e deletéria. É necessário restaurar um equilíbrio que, inquestionavelmente, apenas poderá ser alcançado com a nossa participação.

É-nos exigido garantir um legado geracional. Assumamos o desafio, saibamos discutir criticamente as (re)evoluções que se registaram nos últimos dois séculos e tenhamos a capacidade e o engenho de encontrar as soluções para o futuro.

O Autor

João Gama Amaral (1960) é licenciado em Engenheira Florestal pela UTAD – Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (1986) e pós-graduado em Engenharia dos Recursos Florestais também pela UTAD (1993/1994). É membro sénior da Ordem dos Engenheiros, onde desempenha as funções de Presidente do Colégio Nacional de Engenharia Florestal (2022/2025).

Exerce a sua profissão no sector florestal, na área privada e comunitária. É proprietário da empresa Bosque, Projectos de Engenharia Unipessoal, Lda, desde 1994 e desenvolve atividade complementar, enquanto sócio-gerente, na Treeplus, Lda Spin-off da UTAD e na Bosque, Inovação e Desenvolvimento Florestal, Lda.

É coautor do livro “O Cadastro e a propriedade rústica em Portugal”, com Rodrigo Sarmento de Beires e Paula Ribeiro, uma edição da Fundação Francisco Manuel dos Santos (2013), e da obra “Relançar o Investimento Florestal em Portugal”, com Rodrigo Sarmento de Beires (2005).