Comentário

Joana Rodrigues

Geodiversidade: uma das faces da sustentabilidade do planeta

A natureza é um conceito amplo, que engloba a muitas vezes esquecida geodiversidade. Esta é uma componente que não pode ser relegada no planeamento do território e na proteção da natureza, uma vez que é estruturante para a vida no Planeta e a base da biodiversidade.

Quem de nós nunca considerou as palavras “natureza” e “biodiversidade” como sinónimos, tratando-as como se tivessem o mesmo significado, sem sequer levantar uma sobrancelha?

Pois considerar estes conceitos sinónimos é como confundir o corpo humano com os seus músculos: a biodiversidade seriam os músculos, cheios de ação e vida, mas a natureza seria o corpo inteiro, envolvendo também os ossos e os órgãos, essenciais para o equilíbrio e funcionamento global.

A natureza é, portanto, um conceito mais amplo que inclui não só a biodiversidade, mas também a “geodiversidade”, a componente não viva da natureza, frequentemente invisível aos nossos olhos e, por isso, pouco valorizada.

Mas em vez de um ensaio sobre a cegueira sugiro antes um exercício de dissecação.

Ao falarmos de geodiversidade falamos da diversidade de materiais geológicos que compõem o nosso planeta, como os minerais, as rochas ou os fósseis, assim como das formas de relevo como as montanhas, os vales, as falésias, as dunas ou tantas outras que caracterizam a Terra. Falamos também dos processos ativos que moldam o planeta, como os sismos, os vulcões ou os fenómenos de erosão. A geodiversidade inclui igualmente elementos essenciais, como a água, e ainda o solo – a interface entre a biodiversidade e a geodiversidade, frequentemente chamado de “pele” do planeta, uma vez que corresponde a uma camada externa que sustenta a vida.

Além de estar por todo lado à nossa volta, a geodiversidade é essencial ao bem-estar da nossa sociedade atual, fornecendo matérias-primas, energia, água pura, habitats e contribuindo para a regulação dos ciclos naturais. Pode mesmo dizer-se que a geodiversidade é fundamental para a sustentabilidade do nosso planeta e para a qualidade de vida da sociedade.

A geodiversidade é também a base para a biodiversidade e um elemento fundamental para a vida no planeta Terra. Os elementos da geodiversidade criam habitats diversos e únicos, que permitem a adaptação e a sobrevivência das diferentes espécies. Por exemplo, as áreas montanhosas proporcionam variações de altitude e microclimas, o que possibilita a presença de uma grande diversidade de formas de vida. Os solos ricos em minerais favorecem o crescimento de vegetação que, por sua vez, sustenta uma ampla variedade de espécies de animais e contribui para a manutenção das cadeias alimentares e o equilíbrio ecológico.

A geodiversidade é a base da biodiversidade, sublinha Joana Rodrigues

© Joana Rodrigues

Se olharmos agora com mais detalhe para as florestas vemos que estes ecossistemas dependem diretamente da geodiversidade para sustentar a sua biodiversidade e exercer funções vitais, como a regulação do clima ou o ciclo da água. Evidentemente, a diversidade das florestas e a sua distribuição geográfica estão ligadas às rochas e às formas de relevo, que influenciam o tipo de solos, os microclimas, a forma como a água é drenada e outros fatores que afetam a retenção de nutrientes no solo e o crescimento da vegetação.

E por isso, graças à geodiversidade de Portugal, encontramos, por exemplo, florestas de pinheiros em zonas mais montanhosas, onde o solo é geralmente mais arenoso, solto e permeável, com drenagem mais lenta. Ou os montados, formados por azinheiras, sobreiros e carvalhos, que crescem em relevos suaves, típicos das regiões de planalto, com solos permeáveis e boa drenagem, adequados a climas mais secos, enquanto as florestas ribeirinhas, como as de amieiros e salgueiros, ao longo dos rios e em áreas de planície, são influenciadas diretamente pelos cursos de água.

Fortes laços entre geodiversidade e biodiversidade

Por outro lado, as florestas, devido à sua estrutura e às suas funções naturais, desempenham um papel importante na retenção de água e na prevenção da erosão, o que demonstra que a relação entre geodiversidade e biodiversidade é, além de complexa, profundamente interdependente!

Mas continuemos a dissecar…. Falemos agora dos fósseis, que também fazem parte da geodiversidade e são de grande relevância, tanto no contexto da investigação científica como do património geológico.

Os fósseis de plantas, preservados por processos naturais ao longo de milhões de anos, funcionam como testemunhos e janelas para o passado. Permitem traçar a evolução das plantas, desde as formas mais primitivas, como os musgos, até à grande diversidade de espécies que atualmente compõem as florestas. Ajudam a compreender aspetos como os antigos ambientes, as mudanças climáticas, o surgimento de novas espécies, as adaptações dessas espécies e a sua extinção ao longo da história do planeta. Note-se que, em Portugal, têm sido feitas descobertas recentes de grande relevância nessa área.

Este forte vínculo entre geodiversidade e biodiversidade torna a sua gestão integrada essencial para uma melhor sustentabilidade ambiental. Embora a geodiversidade pareça, à primeira vista, robusta e imune a ameaças, essa percepção não corresponde à realidade. Atividades como a construção de grandes infraestruturas, urbanização, agricultura intensiva ou a exploração não sustentável de recursos geológicos podem comprometê-la. Ações como estas podem causar alterações irreversíveis nos sistemas naturais, como a impermeabilização e até a destruição do solo, a aceleração da erosão ou a degradação dos equilíbrios geoquímico e ambiental, afetando ciclos naturais fundamentais, como o ciclo da água.

Não é possível concluir sem sublinhar que o ordenamento do território e a conservação da natureza devem, inevitavelmente, incorporar a gestão da geodiversidade e a preservação do património geológico. Isso implica, antes de tudo, retirar a geodiversidade da invisibilidade, tornando-a evidente aos olhos de todos, reconhecendo a sua importância e atribuindo-lhe o valor que verdadeiramente merece.

Abril de 2024

O Autor

Joana Rodrigues é licenciada em Geologia, pela Universidade do Porto, e mestre em Património Geológico e Geoconservação, pela Universidade do Minho, onde está a fazer o seu doutoramento em Geologia (em 2025),  prosseguindo o tema da Comunicação de Ciência, no Instituto de Ciências da Terra.

Ao longo dos seus últimos 16 anos de trabalho tem desempenhado funções de geóloga no Geopark Naturtejo, nas áreas do Património Geológico, Geoturismo, Comunicação e Desenvolvimento Local. Em paralelo, é colaboradora da Casa das Ciências, do Roteiro das Minas e Pontos de Interesse Mineiro e Geológico de Portugal e da Ciência Viva, membro do Comité de Outreach/Divulgação da EGU (União Europeia de Geociências), representante da ProGEO Portugal (Associação Internacional para a Conservação do Património Geológico) e avaliadora do Programa Geoparques Mundiais da UNESCO.

Anteriormente, Joana Rodrigues foi professora do Ensino Básico e Secundário, membro do Comité de Coordenação da Rede Portuguesa de Geoparques Mundiais da UNESCO e do Comité de Aconselhamento da Rede Global de Geoparques, e ainda investigadora na Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (Brasil).

Temas | 

Comentário