Comentário

Jorge Picão

Prevenção, vigilância e combate para assegurar a proteção florestal

A gestão florestal está, normalmente, associada à vertente da prevenção de incêndios rurais, mas ela é mais abrangente. Requer um trabalho contínuo de planeamento e gestão, com recursos humanos especializados e maquinaria adequada, que garantam um sistema eficaz de proteção florestal.

Em Portugal, os incêndios rurais levam a impactes ambientais, sociais e económicos consideráveis. O fogo não escolhe horas, dias, espécie florestal ou a titularidade do terreno.

A floresta portuguesa é essencialmente privada, fragmentada e em grande parte abandonada. O ordenamento do território e a gestão florestal são fundamentais para a salvaguarda das nossas florestas e é essencial existir uma política florestal coesa, que perdure no tempo, que produza resultados no terreno, que envolva as comunidades e que valorize os recursos florestais.

A floresta não deve ser tratada como um passivo para o Estado, para as empresas e para as pessoas, mas sim encarada com um ativo para todos nós, que nos presta serviços de ecossistema – da produção à conservação.

A gestão florestal está, normalmente, associada à vertente da prevenção de incêndios rurais, mas ela é mais abrangente, pois só com a garantia de um bom sistema de proteção florestal é possível salvaguardar de forma eficiente os recursos florestais.

Um exemplo de um sistema de proteção é a AFOCELCA, uma empresa de proteção florestal vocacionada para o combate a incêndios rurais, com implementação ao nível nacional, em que mais de 90% das intervenções são fora do património florestal sob sua jurisdição.

Além do combate a incêndios rurais, que é a atividade principal e mais conotada com a organização, a AFOCELCA também investe no fogo controlado (planeamento e execução), bem como na área da formação, sendo inclusivamente uma entidade certificada pela DGERT – Direção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho.

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© AFOCELCA

Prevenção, extinção e vigilância: o fogo e a proteção florestal

As operações de extinção de incêndios rurais são, efetivamente, operações muito complexas, que requerem a definição de uma estratégia, planeamento e sustentação logística, de forma a adotar uma filosofia de atuação adequada e eficaz, recorrendo a meios aéreos, maquinaria pesada, veículos e ferramentas manuais que permitem aos operacionais no terreno a extinção dos incêndios rurais e a sua consolidação.

A operação dos meios aéreos é muito importante no combate aos incêndios rurais, mas não pode ser encarada como uma operação isolada. Caso não existam operacionais no terreno, com botas no chão, a combater o fogo com ferramentas ou com água, as descargas de água isoladas dos meios aéreos são ineficazes para extinguir o incêndio. Todas as operações terrestres e aéreas devem ser combinadas e complementadas entre si de uma forma equilibrada.

Para a extinção efetiva de um incêndio, é imperativo que todo o seu perímetro fique bem ancorado, ou seja, a área queimada deve estar limitada por uma barreira à progressão do fogo, seja uma estrada ou um aceiro executado com ferramentas manuais ou com uma máquina de rasto. Deve garantir-se que não há contacto entre a vegetação ardida e a vegetação verde não ardida para que a probabilidade de reativar ou reacender o incêndio seja consideravelmente menor.

Ainda assim, o incêndio poderá reacender devido a projeções de material incandescente (folhas, casca ou pinhas) para fora do perímetro queimado, que não tenham sido detetadas durante as operações de combate. Se houver condições propícias de vento e humidade, estas projeções irão provocar um incêndio, normalmente de uma forma muito rápida porque os combustíveis já foram pré-aquecidos pelo incêndio anterior. Para mitigar esta questão, é necessário existir uma vigilância ativa do perímetro do incêndio por muitas horas ou até dias.

Durante o combate aos incêndios rurais, o uso do fogo designa-se por fogo de supressão, composto pelo contrafogo e o fogo tático. Em Portugal é mais comum usar o fogo tático, sobretudo para “rematar” áreas por arder, de forma a garantir que a área ardida fique rodeada por um caminho ou por um aceiro executado por uma máquina de rasto.

No âmbito da prevenção existem essencialmente duas formas de uso de fogo para gestão florestal: o fogo controlado usado em povoamentos florestais e matos, e a queimada para o tratamento de sobrantes florestais e para renovação de pastagens. O uso do fogo na prevenção, além de se constituir como uma ferramenta de treino operacional para o combate a incêndios rurais, permite ainda a gestão de combustíveis em grande escala de uma forma equilibrada, evidenciando-se também como um aliado da prevenção contra incêndios rurais.

Formação e mecanização são essenciais à proteção florestal e ao combate a incêndios

A formação é imprescindível ao bom funcionamento de um sistema de proteção florestal contra incêndios. Para ser efetiva deve responder às necessidades do sistema e deve ser adaptada à função de cada um, desde as operações com a ferramenta manual à agulheta e da máquina de rasto ao helicóptero.

Atualmente, uma das ferramentas didáticas privilegiadas para formar Chefes de Equipa, é a caixa de areia com projetor. Este método consiste na projeção do terreno e do incêndio para a areia, permitindo-nos desenvolver nos formandos conhecimentos de comportamento do fogo, através da análise da topografia, combustíveis e também das condições meteorológicas, assim como a escolha das melhores táticas para a extinção do incêndio. Com esta metodologia podemos estabelecer uma dinâmica bastante interessante no ensino da gestão dos incêndios e na respetiva avaliação dos formandos.

Um dos grandes problemas da atualidade no sector florestal é a falta de mão-de-obra, independentemente de esta ser ou não qualificada. É sentida sobretudo no sector primário e no interior do país.

Paralelamente, o incremento da mecanização das operações agrícolas e florestais em Portugal é notória. No combate aos incêndios rurais a tendência será a mesma: no futuro iremos ter menos operacionais no combate aos grandes incêndios rurais, mas, em contrapartida, iremos ter mais maquinaria especializada, particularmente as máquinas de rasto. As ferramentas manuais, as mangueiras e as agulhetas não irão ser descontinuadas – vão continuar a ter importância nos grandes incêndios –, mas o trabalho manual poderá vir a representar um papel mais cirúrgico e não tão massificado como é atualmente.

Março de 2024

O Autor

Jorge Picão é licenciado em Engenharia dos Recursos Florestais pela Escola Superior Agrária de Coimbra (ESAC), pós-graduado em Incêndios Florestais pelo Instituto Superior de Gestão e Administração de Santarém (ISLA) e em Dinâmicas Sociais, Riscos Naturais e Tecnológicos pela Universidade de Coimbra. É técnico credenciado em fogo controlado e fogo de supressão.

Desde 2017 que é Coordenador Operacional Regional (Lisboa e Vale do Tejo) da AFOCELCA – associação privada de proteção florestal dos grupos ALTRI e The Navigator Company que se dedica ao combate de incêndios rurais. Além desta coordenação, participa nas operações de fogo controlado e é responsável pela formação das equipas de combate terrestres, helitransportadas e máquinas de rasto ao serviço da organização. Anteriormente, participou também nas suas equipas helitransportadas.

Jorge Picão é ainda bombeiro voluntário, com funções de Adjunto de Comando nos Bombeiros Voluntários de Condeixa-a-Nova, formador externo de incêndios florestais da Escola Nacional de Bombeiros (ENB) e Assistente Convidado na ESAC – Escola Superior Agrária de Coimbra na disciplina de “Combate a incêndios com ferramentas manuais”, do Curso Técnico Superior Profissional de Defesa da Floresta.

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