Comentário

Maria Emília Silva

Produção e transferência do conhecimento científico florestal: conjugar sinergias é preciso

O problema da transferência do conhecimento científico florestal criado nos centros de investigação portugueses (Universidades, Laboratórios e Estado) para a sociedade em geral e para os seus utilizadores em particular, como proprietários e empresários florestais, é um assunto velho e recorrente nas discussões florestais em que, normalmente, ambas as partes apresentam argumentos válidos e sobejamente conhecidos.

O trabalho “Revisão do Estado da Arte da Investigação do Setor Florestal”, editado pela AIFF – Associação para a Competitividade da Indústria Florestal, em 2015, identifica a base desse problema, referindo que: “…para contribuir eficazmente para a transferência do conhecimento importa não apenas fazer chegar aos utilizadores, de forma compreensível, o trabalho académico, mas também fazer chegar aos investigadores as prioridades dos produtores.”

A quantidade e qualidade do conhecimento produzido parece não estar em causa. De facto, Portugal é reconhecido como um país onde a investigação em áreas como a dos fogos rurais, inventário florestal, cortiça, melhoramento do eucalipto, entre outras, é de elevada qualidade, com uma produção de artigos científicos relevante.

No entanto, uma maior produção científica não corresponde necessariamente a uma elevada utilização pelo sector produtivo, quer porque não vai ao encontro das prioridades do sector, quer porque não responde a questões concretas e essenciais dos diferentes agentes da fileira florestal, quer ainda porque implica uma eficiente transferência de tecnologia e/ou conhecimento que não encontra o meio mais ajustado para o fazer.

A multifuncionalidade da floresta, o seu papel ambiental, económico e social e o vasto conjunto de benefícios que gera só serão plenamente alcançados por uma floresta sustentável, resiliente e, portanto, bem gerida. Para cumprir este desígnio importa conjugar sinergias entre os diferentes intervenientes do sector florestal.

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Nos últimos anos, a necessidade de conjugação de sinergias entre todos os intervenientes da fileira florestal parece ter adquirido um papel relevante, tornando-se um assunto mais premente para o poder político. As questões relacionadas com as alterações climáticas, cada vez mais reais e com consequências profundas em diferentes áreas da sociedade, o acordo de Paris ou o Pacto Ecológico Europeu realçaram o papel que os ecossistemas florestais podem desempenhar no desenvolvimento do País. No entanto, a multifuncionalidade da floresta, o seu papel ambiental, económico e social e o vasto conjunto de benefícios que gera só serão plenamente alcançados por uma floresta sustentável, resiliente e, portanto, bem gerida.

Neste sentido, cada vez mais o poder político cria instrumentos de financiamento da ciência que a aproximam de uma economia de mercado, tentando que a investigação tenha uma aplicação prática imediata e se torne mais proveitosa para o sector, de forma a aumentar o seu valor económico, social e ambiental e, ao mesmo tempo, estreitar as relações existentes entre ciência, indústria, mercado e política.

A dinamização dos Programas Mobilizadores, que têm como objetivo aumentar o investimento empresarial em I&D para promover o crescimento das atividades económicas em conhecimento e a criação de valor baseada na inovação, ou a determinação do Conselho de Ministros, que cria o Laboratório Colaborativo ForestWISE para conjugar esforços da universidade, administração pública e indústria e dá um ênfase especial à transferência do conhecimento, são oportunidades de partilha, essenciais para a valorização, competitividade e sustentabilidade tanto das universidades como das fileiras florestais.

O longo ciclo da floresta não se coaduna com o tempo político e requer decisões baseadas em ciência, tanto na ciência aplicada, como na ciência fundamental que lhe serve de alicerce. E a produção e a transferência do conhecimento científico são indispensáveis para transformar a floresta portuguesa num recurso mais resiliente e sustentável.

Há, no entanto, uma característica da floresta pouco compreendida pelos políticos e com a qual, de uma maneira geral, não sabem lidar: o tempo da floresta! A floresta necessita de tempo, tempo para crescer, tempo para se equilibrar, tempo para produzir resultados, tempo para gerar rendimento. E este tempo é sempre mais longo que o tempo dos políticos e das suas políticas. Como consequência, frequentemente assistimos à substituição sucessiva de instrumentos de planeamento e ordenamento florestal.

É necessário que as decisões que determinam o futuro da nossa floresta sejam baseadas em ciência, em informação rigorosa, recolhida com recurso a novas tecnologias que nos permitem obter mais dados, em áreas maiores, mais rapidamente e com menores custos. Só assim poderemos ter as melhores decisões das empresas e dos proprietários florestais, complementadas por políticas públicas mais adequadas que culminaram em ganhos de produtividade e aumento da vitalidade da floresta.

Mas não nos podemos esquecer o que refere o Prof. Cláudio Soares, reitor do ITQB da Universidade Nova de Lisboa, num artigo sobre a missão das universidades: “Aquilo que nos parece inútil hoje poderá́ ser fulcral para o nosso amanhã. A investigação fundamental sempre foi o motor do desenvolvimento e só́ se distingue da investigação dita aplicada porque ainda não encontrou a sua aplicação.” Significa isto que a investigação ligada ao setor produtivo e à economia de mercado é fundamental e, portanto, os centros de investigação têm que saber trabalhar para dar respostas às empresas e indústrias florestais, mas também estas têm que ter a sensibilidade para apoiar a investigação dita fundamental que tantas vezes é criticada pelo sector, duvidando da sua utilidade, mas que está nos alicerces da investigação aplicada, abrindo-lhe o caminho e tornando-a mais robusta.

Peter Drucker, economista austríaco e professor na universidade de Nova York, considerado pai da administração ou gestão moderna referia, em 1993, que “no passado, as fontes de vantagem competitiva eram o trabalho e os recursos naturais, agora e no próximo século, a chave para construir a riqueza das nações é o conhecimento”. Saibamos nós produzir e transmitir o conhecimento necessário para transformar a floresta portuguesa num recurso mais resiliente e sustentável e certamente passaremos também a ser uma sociedade mais rica e desenvolvida.

O Autor

Professora Auxiliar da Universidade de Trás‐os‐Montes e Alto Douro, no Departamento Ciências Florestais e Arquitetura Paisagista, Maria Emília Silva é licenciada em Engenharia Florestal pela mesma universidade, onde fez o doutoramento em Ciências Florestais, na área da Tecnologia dos Produtos Florestais.

É ainda investigadora do CITAB – Centro de Investigação e Tecnologias Agroambientais e Biológicas.
Em paralelo, é Presidente da Sociedade Portuguesa de Ciências Florestais, membro do Conselho de Administração do Laboratório Colaborativo ForestWise e membro da direção do Conselho da Fileira Florestal Portuguesas PEFC Portugal.