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Biodiversidade

Anfíbios e répteis únicos na Península Ibérica

Não existem em nenhum outro lugar do mundo. São exemplos de endemismos ibéricos, ou seja, de espécies “só nossas” e que reforçam o território de Portugal e Espanha como hotspots de biodiversidade.

A região ibérica tem um elevado número de endemismos, isto é, de espécies que existem apenas numa área específica do mundo. Entre estas, estão vários anfíbios e répteis únicos, que testemunham a riqueza da biodiversidade do nosso território.

Muitos destes anfíbios e répteis são pouco conhecidos da maioria dos portugueses, devido ao seu tamanho pequeno e por serem menos “vistosos” que outros animais. Além disso, alguns vivem longe das zonas onde a presença humana perturba o seu habitat e muitas pessoas continuam a receá-los ou a associá-los a crenças populares de feitiçaria, pelas características de alguns destes animais. Olhos grandes e salientes, verrugas ou comportamentos de defesa que incluem, por exemplo, a libertação de secreções tóxicas levam a que sejam “mal-amados”, como refere a ficha Informativa “À Descoberta da Biodiversidade”.

Estes pacíficos répteis e anfíbios são, no entanto, um tesouro que importa preservar. A sua limitada “área de residência”, e, em alguns casos, a redução de habitats e dispersão de populações, coloca várias espécies no Livro Vermelho dos Invertebrados de Portugal e também na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas. Esta última é uma iniciativa da União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN) que indica o estatuto de conservação das espécies a nível global.

5 anfíbios e répteis a descobrir entre a floresta e a água

O lagarto-de-água (Lacerta schreiberi), a rã-de-focinho-pontiagudo (Discoglossus galganoi), a rã Ibérica (Rana ibérica), a salamandra-lusitânica (Chioglossa lusitânica) e o Tritão-de-ventre-laranja (Triturus boscai) são os cinco endemismos a descobrir, com a ajuda do Atlas dos Anfíbios e Répteis de Portugal.

Estes anfíbios e répteis são animais que vivem entre dois mundos, a terra e a água doce, pelo que a sua proteção depende em muito da preservação de habitats onde os cursos de água e a vegetação que os circunda – a chamada galeria ripícola – são elementos centrais.

Sabia que os anfíbios respiram através da pele? Esta característica faz com que sejam muito sensíveis a alterações das condições ambientais, como a poluição do ar ou da água. Quando o seu meio ambiente se degrada, são os primeiros a morrer. Por esse motivo, os anfíbios servem de bioindicadores das condições do ambiente. Ou seja, encontrá-los significa que está numa zona bem preservada do ponto de vista ambiental.

Com quase meia centena de espécies entre anfíbios e répteis, Portugal é um dos hotspots de diversidade herpetológica no contexto europeu, assinala a Associação Portuguesa de Herpetologia, o ramo da zoologia dedicado ao estudo dos répteis e anfíbios – sua história, classificação, ecologia, comportamento e fisiologia.

Lagarto-de-Água

1. Lagarto-de-água

Em Portugal, a presença deste endemismo ibérico é contínua desde o Minho à região de Leiria e Abrantes. Esta área é complementada por várias populações dispersas e, por isso, mais isoladas e vulneráveis à extinção, em Sintra e em vários locais a sul do Tejo, como no Cercal, Odemira e Monchique.

É, no entanto mais fácil encontrar o lagarto-de-água (Lacerta schreiberi) a norte e centro, inclusivamente em algumas áreas de paisagem protegida, a exemplo da Serra do Açor (junto a Arganil, no centro de Portugal), onde vivem mais de 10 espécies de répteis, todas protegidas pela Convenção de Berna. Esta é uma zona de grande valor natural, que integra a rede europeia de reservas biogenéticas e que vale a pena descobrir.

Como o seu nome sugere, o lagarto-de-água encontra-se sobretudo nas margens de linhas de água protegidas por vegetação de características marcadamente atlânticas, seja em vales de montanha, junto a bosques com clareiras ou em pauis de baixa altitude. Em qualquer dos casos, a qualidade da água é um requisito.

Globalmente, a espécie é considerada como “quase ameaçada”, embora em Portugal o seu estatuto de proteção seja “pouco preocupante”.

Há quem considere o lagarto-de-água como um dos mais belos répteis de Portugal e esta eleição deve-se à coloração turquesa que cobre a garganta dos machos e que, na época de acasalamento, se torna evidente em toda a sua cabeça. No inverno, esta cor desvanece. Os tons do seu dorso, verde-alface e amarelo com manchas escuras, completam esta atraente paleta.

Curiosidades
A cauda dos lagartos de água pode medir até duas vezes o comprimento do seu corpo, o qual chega a atingir cerca de 13 cm. Nas fêmeas, a cauda é mais longa do que nos machos.

Os adultos preferem zonas húmidas e, muitas vezes, vivem no solo, onde escavam as suas tocas. Reproduzem-se entre a Primavera e meados do Verão e as suas posturas variam dos 6 aos 17 ovos, que são deixados em locais expostos e sem vegetação. Os ovos eclodem ao fim de dois a três meses de incubação.

A camuflagem proporcionada pelas suas cores e a capacidade de libertar a cauda são os principais mecanismos de defesa contra predadores.

2. Rã-de-focinho-pontiagudo

A rã-de-focinho-pontiagudo (Discoglossus galganoi) só existe em Portugal e na metade oeste de Espanha. No nosso país, está presente em praticamente todo o país e em todos os tipos de habitat, em núcleos mais ou menos fragmentados. Os locais onde é mais rara ou não se conhece com certeza a sua existência resumem-se a algumas regiões das Beiras e de Trás-os-Montes.

Apesar de estar amplamente distribuída pelo país, a dependência da rã-de-focinho-pontiagudo de massas de água temporárias para a reprodução torna esta espécie vulnerável às alterações de habitat, as quais, por sua vez, se tornam mais preocupantes dado o risco de secas prolongadas decorrentes das alterações climáticas.

Outra das principais ameaças à espécie está relacionada com a presença de um predador específico, o lagostim-vermelho-da-Louisiana (Procambarus clarkii), que se alimenta das larvas da rã-de-focinho-pontiagudo. Esta foi a causa identificada para algumas extinções localizadas, registadas em Espanha.

Ainda assim, o seu estatuto de proteção foi considerado como “pouco preocupante” na Lista de Vermelha, da IUCN.

A rã-de-focinho-pontiagudo tem aspeto de rã, mas parece que afinal é um sapo. Quem o diz é o projeto LIFE Charcos, que a caracteriza como um sapo com 4,5 a 6,5 cm de comprimento, cabeça larga, focinho pontiagudo e olhos proeminentes, com pupilas arredondada ou em forma de coração e um tom dourado na parte superior da íris. Sabe como distinguir uma rã de um sapo? Há vários elementos que os distinguem e um é bastante simples: as rãs têm as patas traseiras mais longas do que os sapos. As primeiras dão longos saltos (de um metro, por exemplo), enquanto os sapos saltam a pouca distância e tendem a arrastar-se.

Curiosidades
A fêmea acasala com vários machos e põe 20-50 ovos de cada vez. Pode pôr cerca de 1500 num único dia, que deposita em pequenos grupos no fundo das massas de água ou nas plantas aquáticas.

Na época de acasalamento o macho coaxa sucessivamente, mas apenas o ouve quem está próximo do animal.

A metamorfose ocorre ao fim de 4 a 9 semanas. Dos ovos nascem girinos, com brânquias em vez de pulmões, e cauda (sem pernas), ou seja, vivem como peixes na água. Depois, os pulmões vão-se formando e surgem os membros posteriores e anteriores ao mesmo tempo que a cauda se encurta ou desaparece. Enquanto vivem na água, são normalmente herbívoros e quando passam a viver fora dela convertem-se em carnívoros. Esta metamorfose ocorre em todos os anfíbios, embora com ligeiras diferenças do grupo dos sapos, rãs e relas (ordem dos Anuros) para o dos tritões e salamandras (ordem dos Urodelos).

3. Rã-ibérica

Rã-Ibérica

A rã-ibérica (Rana ibérica) é uma espécie endémica do norte e noroeste da Península Ibérica. Em Portugal distribui-se de forma praticamente contínua a norte do rio Tejo, com exceção de uma extensa faixa fronteiriça. Nesta zona de fronteira, que inclui o Planalto Mirandês, grande parte dos vales do Douro superior, Côa e Águeda Internacional e a área a sul das Serras da Malcata, Gardunha e Alvelos, foi identificada apenas uma pequena população isolada na Serra de Bornes.

A sul do Tejo, estas pequenas rãs têm também uma população na Serra de São Mamede, região fronteiriça do Alentejo.

A rã-ibérica habita preferencialmente em zonas montanhosas, junto a ribeiros de água limpa, com substrato rochoso e abundante vegetação nas margens, mas pode ser observada numa grande variedade de habitats, incluindo charcos, prados húmidos e terrenos encharcados, rodeados por ervas e árvores.

Em Portugal, o estatuto de proteção desta rã, de olhos salientes e focinho pontiagudo é “pouco preocupante”.

A presença da rã-ibérica está normalmente associada a habitats de características atlânticas, que é frequente partilhar com outros endemismos do noroeste peninsular, como a salamandra-lusitânica e o lagarto-de-água. Isto acontece, por exemplo, no Parque Nacional da Peneda-Gerês.

Curiosidades
Em adulta, a rã-ibérica tem apenas cerca de 5 a 6 cm de comprimento. Os seus tons variam entre o acastanhado, alaranjado e avermelhado no dorso e os tons esbranquiçados no ventre.

Em geral as fêmeas são maiores, mas os machos são mais elegantes, com membros anteriores mais robustos.

A reprodução é feita exclusivamente em ambiente aquático e cada postura produz entre 100 e 450 ovos, que são depositados na vegetação aquática, entre pedras ou no lodo que repousa no fundo dos charcos. Os girinos, contando com a sua cauda, chegam a atingir quase o mesmo tamanho da rã-ibérica adulta.

4. Salamandra-lusitânica

Salamandra-Lusitânica

A salamandra-lusitânica (Chioglossa lusitânica) foi descoberta pelo naturalista português Barbosa du Bocage, em 1864, e no nosso país a sua presença concentra-se na zona noroeste e centro oeste, segundo o Atlas dos Anfíbios e Répteis de Portugal.

A espécie existe em várias áreas protegidas, incluindo o Parque Nacional da Peneda-Gerês, o Parque Natural da Serra da Estrela, o Parque Natural do Alvão (concelhos de Mondim de Basto e Vila Real), a Paisagem Protegida da Serra do Açor (concelho de Arganil) e a Paisagem Protegida da Serra da Gardunha.

A maioria das observações desta salandra realizou-se em locais especialmente húmidos, em regiões montanhosas onde as altitudes máximas pouco ultrapassam os mil metros, nas proximidades de ribeiros de águas límpidas, delimitados por vegetação abundante.

A salamandra-lusitânica é considerada uma espécie vulnerável. Para reduzir os riscos que enfrenta é importante, entre outras medidas, preservar os seus habitats preferenciais – as margens de ribeiras nas regiões montanhosas. Assegurar a qualidade e oxigenação da água corrente e a existência de faixas de vegetação autóctone em torno destes cursos de água são duas das medidas em foco.

O mistério da Salamandra-lusitana em Sintra

Quem se dedica ao ramo da zoologia que estuda os répteis e anfíbios – os herpetologistas – há muito ouvia falar de uma possível população de Salamandra-lusitana na Serra de Sintra. Teria sido ali introduzida em 1943 pelo naturalista português Anthero Seabra, mas nos 70 anos seguintes não foi encontrado qualquer exemplar. O mistério foi desvendado entre 2015 e 2017, por uma equipa de investigação liderada por Francisco Aguilar, da Universidade de Lisboa, que identificou uma população com cerca de 330 indivíduos residentes nesta Serra. Em Sintra, os adultos são maiores do que a média e a população movimenta-se numa área muito restrita, ao longo de pouco mais de cem metros de um curso de água.

Curiosidades
As salamandras-lusitanas podem acasalar tanto em terra como em águas pouco profundas. Os ovos são postos em locais húmidos e protegidos: pequenas concavidades naturais nas margens dos cursos de água, debaixo de pedras ligeiramente submersas ou nas paredes de grutas próximas das linhas de água.

Quando são adultas e apesar de boas nadadoras, estas salamandras têm hábitos terrestres, embora o meio aquático seja o local escolhido como refúgio dos predadores. Esta é a única espécie de salamandra em Portugal que liberta a cauda quando se sente ameaçada: a cauda permanece em movimento o tempo suficiente para atrair a atenção do predador e permitir a sua fuga.

4. Tritão-de-ventre-laranja

Tritão-de-Ventre-Laranja

Podemos encontrá-los em praticamente todo o território de Portugal continental, assim como no oeste de Espanha, os dois únicos locais do mundo onde existe o tritão-de-ventre-laranja (Triturus boscai). Apesar de ser um endemismo ibérico que importa proteger, esta é uma espécie relativamente abundante e mantém-se globalmente com um estatuto de “pouco preocupante”.

Estes tritões vivem numa grande variedade de habitats, desde florestas de coníferas e de folhosas caducifólias a prados ou até em zonas agrícolas desde que existam charcos, poças, ribeiros e lagoas de água doce e pouco movimentada.

No nosso país, existem populações de tritão-de-ventre-laranja no norte e centro, que são praticamente contínuas até ao Tejo, estendendo-se à Costa Vicentina. Subsistem algumas dúvidas sobre a sua presença em zonas mais áridas, como o baixo Ribatejo, o interior alentejano e a costa sul algarvia e também no litoral entre a Figueira da Foz e a Nazaré.

Na época de reprodução, os tritões-de-ventre-laranja vivem na água e a sua pele é lisa. No resto do tempo, vivem em terra, a sua pele torna-se rugosa e a sua coloração muda para um tom mais escuro e uniforme. A descrição é feita no site do LifeCharcos, um projeto de conservação de Charcos Temporários Mediterrânicos (CTM) concluído em 2018, que descreve várias espécies neste tipo de habitat.

Curiosidades
O tom laranja que dá o nome a este tritão domina a sua região ventral, que é salpicada por manchas laterais redondas e escuras. Já a sua coloração dorsal é variável, com tons castanhos, verde-azeitona ou amarelos, ponteados por algumas manchas negras. Por vezes, uma linha mais clara percorre a região vertebral.

Os machos são mais pequenos do que as fêmeas. Estes têm entre 6,5 e 7,5 cm de comprimento, enquanto as fêmeas medem entre 7 e 10 cm. O acasalamento ocorre dentro de água e é precedido por um complexo cortejo nupcial.

Cada fêmea põe entre 100 e 250 ovos ao longo da época reprodutora. Os ovos são fixados individualmente em plantas aquáticas ou noutros objetos que se encontrem nos leitos, refere a Ciência Viva, numa ficha informativa sobre esta e outras espécies que habitam no Parque de Monserrate, em Sintra.