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Tapada de Mafra: desvendar a diversidade da floresta portuguesa

A cerca de 40 quilómetros de Lisboa, é possível passear por entre a vegetação que serve de abrigo a veados, gamos, javalis, raposas, pequenos anfíbios e inúmeras aves. A Tapada de Mafra estende-se ao longo de cerca de 1200 hectares e é o destino ideal para um dia tranquilo, num cenário de floresta, esquecido da azáfama da cidade.

Com 273 anos de existência, a história deste local está estreitamente ligada à do Convento de Mafra. Criada com o propósito de servir de espaço de recreio e caça à realeza – assim como fornecer lenha e outros produtos florestais ao Convento –, a Tapada de Mafra evoluiu ao longo destes quase três séculos, assim como o  coberto vegetal que a caracteriza. Hoje, é um local de passeio em família, caminhadas e corridas no meio da natureza, onde a diversidade “espreita” a cada curva dos trilhos.

Pela oportunidade pedagógica de observar diferentes espécies de animais – de grande e pequeno porte – e diferentes espécies arbóreas, esta é uma visita para dar a conhecer às crianças a riqueza da floresta portuguesa. No entanto, esta “floresta encantada” – slogan adotado pela Tapada – não conquista apenas os mais novos: com diferentes graus de exigência, há diversos percursos florestais para percorrer por qualquer amante da natureza, a andar, em passo de corrida ou em BTT.

A biodiversidade local tira partido do microclima característico de Mafra, chuvoso, húmido, com amplitudes térmicas baixas, ou seja, meses frios com temperaturas mínimas amenas e verão fresco, ventoso e com algum nevoeiro. O relevo acidentado da Tapada, entre os 80 e os 358 metros de altitude, possibilita que, no ponto mais elevado, seja possível ver o mar e a costa do cabo da Roca a Peniche, quando o tempo permite. As nascentes de água abundantes são favoráveis às galerias de floresta ribeirinha que podem ser observadas na Tapada.

As nascentes de água da Tapada de Mafra foram aproveitadas para abastecer o Convento de Mafra através de um aqueduto, por iniciativa de D. João V. “O Magnânimo” fica para a história como o monarca responsável pela construção do monumento e pela criação da Tapada.

A Tapada de Mafra terá sido dividida, desde a sua criação, em três partes, identificáveis nos dias de hoje. A primeira, com uma área de 360 hectares, destinava-se à produção hortícola, pomares e pastagem para abastecimento alimentar do Convento. Esta área, contígua ao Jardim do Cerco e Convento, está hoje sob gestão militar e tem o acesso condicionado, constituindo a chamada Tapada Militar. As outras duas partes, com um total de 819 hectares, foram criadas para abastecimento de lenha (área de aptidão florestal) e para caçadas reais.

A Tapada de Mafra – em conjunto com o Palácio, Basílica, Convento e Jardim do Cerco – é considerada como Património Cultural Mundial da UNESCO. A distinção foi atribuída em 2019.

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© Ana Luísa Figueiredo

O que ver na Tapada de Mafra?

A Tapada de Mafra é reconhecida pela variedade de flora e pelas populações de animais que habitam o espaço – e que podem ser vistos por entre a vegetação ou até mesmo nos percursos, no caso de animais mais “curiosos”.

Flora

Devido às características do local e às intervenções feitas ao longo dos anos, a Tapada reúne hoje várias ocupações do solo, que incluem zonas ribeirinhas de vegetação ripícola a pinhais, manchas de sobreiros, eucaliptais e florestas mistas. Os diferentes habitats resultam, entre outros fatores, da disponibilidade de água, do tipo de solo e da exposição ao sol.

O pinheiro-bravo (Pinus pinaster) é uma das espécies arbóreas mais abundantes no parque. Também comuns são os carvalhos portugueses (Quercus faginea), os sobreiros (Quercus suber, presentes nas zonas de baixa altitude), os eucaliptos (Eucalyptus globulus) e os pinheiros-mansos (Pinus pinea), estes últimos localizados na zona do Pinhal da Chanquinha, segundo informação oficial da Tapada.

Junto às linhas de água, encontram-se espécies ribeirinhas comuns nas paisagens portuguesas: os choupos (Populus sp.), plátanos (Platanus sp.), salgueiros (Salix sp.), freixos (Fraxinus sp.) e os aromáticos loureiros (Laurus nobilis), entre outras.

Dada a diversidade do local, outras espécies podem ser descobertas. Dos castanheiros (Castanea sativa) às azinheiras (Quercus ilex) e ulmeiros (Ulmus minor), passando por um conjunto abundante de arbustos, como a urze (Erica sp.), o trovisco (Daphne gnidium), o pilriteiro (Crataegus monogyna) e o tojo (Ulex sp.) são exemplificativos. Existem mais de duzentas espécies vasculares registadas na Tapada.

Em resultado de um protocolo realizado, em julho de 2020, com o Fundo Ambiental e o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, a Tapada Nacional de Mafra contará com uma verba de 400 mil euros para reforçar a sua capacidade de conservação da natureza e requalificação, assim como para programas de educação ambiental e melhoria das condições disponibilizadas aos visitantes.

© Ana Luísa Figueiredo

Ocupação do solo da Tapada de Mafra, por tipologia

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Fonte: Website oficial da Tapada de Mafra (adaptado)

Fauna

A rastejar pelo chão, em corrida, escondidos nas árvores ou pelos céus, os “bichos da Tapada” são reflexo dos habitats existentes, fascinando os visitantes que os conseguem avistar. Em paralelo, são também um indicador da qualidade dos processos ecológicos e da biodiversidade existente na Tapada, sobretudo no caso de espécies mais exigentes, como o casal de Águias de Bonelli (Hieraaetus fasciatus) que faz de um dos pinheiros-bravos da Tapada a sua morada.

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Créditos da imagem: © Ana Luísa Figueiredo

javalis tapada de mafra
Águias de Bonelli tapada de Mafra

As Águias de Bonelli não são, contudo, os únicos exemplares de aves de rapina que encontram abrigo no parque. Há também açores (Accipiter gentilis), bufos-reais (Bubo bubo, a maior ave de rapina noturna da Europa) e águas-cobreiras (Circaetus gallicus) nos céus do parque. Estes exemplares podem cruzar rotas aéreas com as mais de 60 espécies de pequenas aves que vivem na Tapada, como os chapins (Parus caeruleus), os rabirruivos (Phoenicurus ochruros) ou os tentilhões (Fringilla coelebs).

Por mais emblemáticas que sejam as aves, os mamíferos da Tapada concentram a atenção dos visitantes – sobretudo os garbosos veados (Cervus elaphus) e gamos (Cervus dama), assim como os entroncados javalis (Sus scrofa). Segundo informação oficial, existem mais de 300 gamos e 50 veados no parque. Há também raposas (Vulpes vulpes), coelhos-bravos (Oryctolagus cuniculus), genetas (Genetta genetta) e doninhas (Mustela nivalis), entre outros mamíferos mais esquivos e difíceis de descobrir.

Para ajudar os visitantes, a Tapada de Mafra tem, ao longo dos trilhos, diversos painéis informativos com as principais características das espécies de fauna e flora que podem ser encontrados no parque, assim como curiosidades históricas do local.

Nas linhas de água, há um mundo de répteis e anfíbios por avistar – que atraem outros animais que deles se alimentam, como as aves. Estes são os habitats, por excelência, de tritões, salamandras, cobras, cágados, sapos e rãs.

Painel informativo Tapada de Mafra

© Ana Luísa Figueiredo

Património edificado

No coração da Tapada, a zona do Celebredo reúne as principais edificações do parque, em tons de rosa. É aqui que se encontram o antigo Pavilhão de Caça – construído no período áureo da Tapada nos reinados de D. Luís e D. Carlos –, as antigas cavalariças (que são hoje um espaço para eventos), a Casa de Campo (palacete de descanso do rei em dias de caçada, convertido atualmente em alojamento local e que possibilita a experiência de “viver na floresta”), o museu de carruagens, o museu da biodiversidade (na Casa da Tojeira) e um pequeno jardim romântico com três patamares e uma pequena linha de água.

Em Março-Abril, os tons rosa da Casa de Campo são complementados pela floração da majestosa olaia que se encontra à sua frente. A olaia, também conhecida por árvore-de-judas (Cercis siliquastrum) cobre-se de flores de cor rosa-arroxeada antes de ter folhas. Este exemplar tem como companheira, do outro lado da entrada da Casa de Campo, uma outra árvore de grandes dimensões: o castanheiro-da-índia, falso-castanheiro ou castanha-de-cavalo (Aesculus hippocastanum). Ambas as árvores estão classificadas como monumentais.

Como visitar a tapada?

Apesar de a Tapada de Mafra ter sido criada como terreno de lazer e caça junto ao Palácio-Convento de Mafra, não procure a entrada oficial nas imediações. Deverá aceder ao parque via Portão do Codeçal, cerca de oito quilómetros a norte do Convento.

De forma a financiar a gestão florestal da vasta área da Tapada, cada entrada tem um valor, dependendo do tipo de atividade. Pode optar por um dos três percursos pedestres (entre quatro e oito quilómetros) disponíveis na programação de 2020, pelo percurso BTT (em bicicleta própria ou alugada), por uma corrida de 15 quilómetros, por um passeio de charrete ou por algum dos ateliers e demonstrações preparadas para os participantes. Os bilhetes podem ser adquiridos aqui.

O nosso conselho? Opte pelo percurso pedestre de maior duração que, não sendo demasiado exigente, lhe permitirá admirar, com tranquilidade, grande parte da Tapada e da biodiversidade local.

Habituados à presença de humanos, alguns exemplares – como gamos (particularmente sociáveis) e javalis – podem ser vistos com maior facilidade, sobretudo perto das linhas de água. Esteja atento e prepare-se para uma visita recheada de surpresas.

Da Real Tapada à Tapada Nacional: como evoluiu o parque?

Com a construção do Palácio-Convento de Mafra – que se iniciou em 1717 por iniciativa de D. João V –, o rei e a rainha sentiram necessidade de criar também uma área dedicada à caça. Deu-se então início à compra de diversos terrenos nas imediações (matos, terras, vinhas, entre outros), que seriam mais tarde unificados na Tapada de Mafra, criada formalmente em 1747.

Ao longo do tempo, a paisagem foi evoluindo. Cerca de 60 anos após a sua criação, a área de pinheiro-bravo foi alargada para satisfazer as necessidades de lenha do Convento. Em 1780, é feita a primeira sementeira para criar manchas de pinheiro-manso no local. No século XIX,  foram plantadas árvores silvestres e frutíferas.

Em paralelo com as alterações do coberto vegetal, a vocação da Tapada como terreno de caça real manteve-se, motivando visitas frequentes de monarcas desde D. João V a D. Carlos I. Com a implantação da República, a Real Tapada de Mafra passa a Tapada Nacional e divide-se em duas funções, sob administrações distintas: a militar e a florestal, geridas por diferentes entidades públicas ao longo dos anos.

Fonte: Website oficial da Tapada de Mafra

Ainda se caça na Tapada de Mafra?

A Tapada continua a ser uma Zona de Caça Nacional, na qual esta prática é vista como uma gestão cinegética essencial para manter o equilíbrio das populações animais e diminuir a pressão sobre a vegetação. As caçadas de animais de maior porte são organizadas apenas em determinadas alturas do ano, para não prejudicar as épocas de reprodução de cada espécie.

Durante a Primeira Grande Guerra, o coberto vegetal da Tapada foi danificado, o que gerou preocupação e esforços para a sua recuperação (foi particularmente importante o relatório de 1939 de José Maria de Carvalho para o diretor dos Serviços Florestais e Aquícolas, organismo com a tutela da função florestal da Tapada desde 1922).

Após a Revolução de 25 de Abril de 1974, a Tapada é aberta ao público, mas perante a ausência de uma gestão florestal vocacionada para o recreio, acelera-se a sua degradação. De 1981 a 1991, a Tapada é novamente fechada e acaba por se manter como terreno de investigação experimental em ecologia (flora, fauna e fogo controlado), numa intervenção liderada por Baeta Neves, do Instituto Superior de Agronomia (ISA). Reabre depois, com uma nova orientação para o recreio, mantendo a vertente experimental. A 11 de setembro de 2003, um forte incêndio rural queimou 70% da área do parque, o que levou a um extenso esforço de recuperação no coberto vegetal nos anos seguintes.

A Tapada é gerida, desde 1998, por uma Cooperativa que reune o Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV), a Câmara Municipal de Mafra e o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), entre outros.