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05.03.2024

155 milhões para a revitalização da Serra da Estrela

155 milhões para a revitalização da Serra da Estrela

O Governo aprovou, no início de fevereiro, 155 milhões de euros para o Programa de Revitalização da Serra da Estrela. O montante destina-se a recuperar o Parque Natural dos incêndios que ali ocorreram em 2022, dinamizar a economia e promover o desenvolvimento sustentável da região, mas faltam medidas para a regeneração dos valores naturais e a valorização dos serviços de ecossistema.

Depois dos incêndios que deflagraram na Serra da Estrela no verão de 2022, afetando um quarto da área do seu Parque Natural e zonas limítrofes, o Governo declarou uma situação de calamidade e aprovou verbas extraordinárias para apoiar as áreas, populações e instituições afetadas.

Foram definidas prioridades de restauro dos habitats naturais afetados e recuperação dos valores naturais e paisagísticos. As ações a operacionalizar incluíam, entre outras, estabilizar encostas, prevenir a erosão, as derrocadas e a contaminação das linhas de água, extrair árvores queimadas, remover resíduos e construir estruturas de apoio à fauna selvagem.

Na altura, o Governo comprometeu-se também com a elaboração de um Programa de Revitalização da Serra da Estrela (PRPNSE) que incidisse sobre domínios temáticos mais vastos, que incluíam “Pessoas, Inovação Social, Demografia e Habitação; Economia, Competitividade e Internacionalização; Ambiente, Proteção Civil, Florestas, Agricultura e Ordenamento; Cultura, Turismo e Marketing Territorial”.

A elaboração deste plano para a revitalização da Serra da Estrela – do Parque Natural e dos seus territórios – era, aliás, uma reivindicação dos municípios afetados – as Câmaras Municipais de Celorico da Beira, Covilhã, Gouveia, Guarda, Manteigas e Seia – que integram agora os 15 municípios da Comunidade Intermunicipal das Beiras e Serra da Estrela, entidade beneficiária do apoio e que está responsável pela implementação do PRPNSE.

Ano e meio após os incêndios, o Governo disponibilizou 155 milhões de euros, provenientes de fundos nacionais e europeus, para investir em dezenas de iniciativas que estas edilidades e outras organizações locais defendem para a revitalização da Serra da Estrela nas suas múltiplas dimensões.

De acordo com informação oficial, as verbas serão aplicadas em iniciativas como:

  • Recuperar infraestruturas e aldeias afetadas e construir edifícios mais resilientes ao fogo;
  • Construir a Barragem das Cortes e elaborar o projeto da Barragem da Senhora de Assedasse;
  • Criar ‘Zonas Económicas Especiais’ e uma área de acolhimento empresarial;
  • Implementar uma ‘Zona Livre Tecnológica’ para desenvolver produtos e serviços inovadores no sector energético, agroalimentar, turístico, entre outros;
  • Criar, dinamizar e modernizar unidades locais dos centros municipais de Proteção Civil;
  • Construir um novo quartel de bombeiros em Manteigas;
  • Acelerar o desenvolvimento do Porto Seco na Guarda;
  • Revitalizar a Escola Profissional Agrícola Quinta da Lageosa;
  • Implementar medidas de controlo de erosão, tratamento e proteção de encostas;
  • Reabilitar a rede hidrográfica;
  • Criar o Observatório das Alterações Climáticas e o Centro de Ciência Viva de Montanha;
  • Estabelecer uma rede de percursos pedestres e praias fluviais;

Regeneração de ecossistemas deve integrar Plano de Revitalização da Serra da Estrela

Embora várias intervenções dirigidas à recuperação ambiental, de ecossistemas e biodiversidade continuem a decorrer, espera-se que os 155 milhões de euros do Plano de Revitalização do Parque Natural da Serra da Estrela possam reforçar estas iniciativas, que irão necessariamente estender-se por vários anos.

Muitas delas estão a ser promovidas ou dinamizadas por associações e organizações sem fins lucrativos, que já manifestaram a sua preocupação relativamente às ações anunciadas no âmbito do Plano de Revitalização da Serra da Estrela e ao facto de a regeneração do território de conservação e dos serviços de ecossistema no Parque Natural – água, solos, carbono, biodiversidade – não constituírem prioridades.

Recorde-se que este Parque está integrado no Sistema Nacional de Áreas Classificadas (SNAP) e partilha vários estatutos de proteção. É uma área protegida de âmbito nacional (Parque Natural), um Sítio de Interesse Comunitário (Zona Especial de Conservação da Rede Natura 2000) e está parcialmente integrado num Sítio Ramsar (Planalto Superior da Serra da Estrela e Troço Superior do Rio Zêzere), além de parte do seu território ter sido designado pelo Conselho Europeu como uma Reserva Biogenética (Reserva Biogenética do Planalto Central da Serra da Estrela).

O Parque Natural da Serra da Estrela (PNSE) é a maior área protegida portuguesa, com uma extensão superior a 89 mil hectares e os incêndios de 2022 afetaram mais de 21,7 mil hectares no interior do Parque, mais 6 mil hectares em zonas limítrofes, num total de 27,3 hectares. Esta área estava principalmente ocupada por matos (11,5 mil hectares) e florestas (8,5 mil hectares), segundo dados do ICNF – Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas.

A área ardida no PNSE em 2022 correspondeu a 24,4% da área total da Área Protegida, segundo o Relatório de Danos e Recuperação Pós-Incêndio, do ICNF.

Classes de uso do solo do PNSE e parte afetada pelos incêndios rurais de 2022

A mesma fonte indica que 15 habitats sob proteção da Rede Natura foram afetados, incluindo habitats raros como os piornais de piorno-da-estrela (Cytisus oromediterraneus) – Habitat 5120, que só existem em Portugal neste Parque Natural e que correspondem a 4% da área ardida.

Maiores extensões estavam ocupadas por urzais, urzais-tojais e urzais-estevais mediterrânicos não litorais (cerca de 36%), que integram o Habitat 4030pt3 e por sub-estepes de gramíneas e anuais da Thero-Brachypodietea (cerca de 33%), integradas no Habitat 6220 (prioritário).

Muitas outras áreas com populações de flora sob proteção foram igualmente afetadas, incluindo, por exemplo, 60 hectares de azevinho (Ilex aquifolium). O mesmo aconteceu com vários exemplares de árvores, arbustos e plantas raras, como o teixo (Taxus baccata), o codeço-de-gredos (Adenocarpus hispanicus subsp. gredensis) e o alcaçuz-bastardo (Astragalus glycyphyllos) – três espécies consideradas “Em Perigo” de extinção – e com o “Quase Ameaçado” azereiro (Prunus lusitanica). Nas espécies florestais, a mais afetada terá sido a que mais área ocupa no Parque: o pinheiro-bravo (Pinus pinaster).

Entre as zonas percorridas pelas chamas, merece referência um vasto conjunto de corredores ecológicos considerados pelo ICNF “de extrema importância na conexão entre áreas florestais” e que favorecem o intercâmbio genético essencial à manutenção da biodiversidade. Além de recuperar estes corredores ecológicos, é essencial melhorar as condições de habitat, abrigo e alimento para os muitos animais que povoam o Parque Natural da Serra da Estela.

Embora não seja possível conhecer em detalhe como as espécies animais foram afetadas, importa perceber que na área de ocorrência destes incêndios estão recenseadas:

  • 32 espécies de mamíferos terrestres, como a toupeira-de-água (Galemys pyrenaicus), o toirão (Mustela putorius) e o gato-bravo (Felis silvestris), a que acrescem 22 espécies de quirópteros (ordem a que pertencem os morcegos), algumas consideradas “Em Perigo” ou “Criticamente em Perigo”, como é o caso do morcego-rato-pequeno (Myotis blythii) e do morcego-de-bechstein (Myotis bechsteinii);
  • 167 espécies de aves, referindo-se, pela importância destas populações face ao total em Portugal, a cegonha-negra (Ciconia nigra), e as classificadas como “Em Perigo” águia-de-bonelli (Aquila fasciata) e águia-real (Aquila chrysaetos), entre várias outras;
  • 23 espécies de répteis, entre as quais a “Vulnerável” lagartixa-da-montanha (Iberolacerta monticola subsp. monticola), cuja distribuição se encontra limitada ao planalto da Serra da Estrela.
  • 14 espécies de anfíbios, cinco dos quais endemismos ibéricos (só existem naturalmente na Península Ibérica), como a salamandra-lusitânica (Chioglossa lusitanica).

Estes são apenas alguns exemplos ilustrativos dos valores naturais que é essencial monitorizar, recuperar e proteger e que precisa de ser apoiado pelo Plano de Revitalização da Serra da Estrela e do seu Parque Natural.