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06.06.2024

Produção de sementes de faia sincronizada pelo solstício de verão

Produção de sementes de faia sincronizada pelo solstício de verão

Diferentes populações de faia-europeia, separadas por grandes distâncias, mantêm padrões de produção de sementes semelhantes e simultâneos. Um estudo científico recente, centrado nesta espécie, sugere que é o solstício de verão que as “acorda” e sincroniza para a reprodução.

Numa boa parte das espécies florestais e agroflorestais, como nas faias, carvalhos, pinheiros, abetos ou nogueiras, a quantidade de produção de sementes não é constante todos os anos. Existem anos de muita produção, chamados “anos de safra”, que alternam com outros de baixa produção, conhecidos como “anos de contrassafra”.

Curiosamente, os seus anos de safra ocorrem de forma sincronizada, simultaneamente entre diferentes populações da mesma espécie, ao longo de vastas distâncias, sem que se conheça exatamente a razão por detrás deste fenómeno. A faia-europeia (Fagus sylvatica) é uma das espécies em que esta sincronia é mais expressiva, com a produção de sementes simultânea de norte a sul da Europa, apesar das árvores viverem sob realidades climáticas tão distintas como as que separam o sul de França da Suécia.

Sabia-se já que a sincronização regional estava dependente de sinais ambientais simultâneos e que a alocação anual de recursos para a produção de sementes responde a fatores ambientais como a temperatura. Contudo, as temperaturas tão distintas nos vários países e latitudes europeias não explicam, por si só, esta sincronia entre populações de árvores em regiões distantes.

A razão por detrás desta sincronia foi recentemente elucidada graças a um estudo científico liderado pela Universidade de Liverpool e publicado na revista Nature Plants. Os investigadores dedicaram-se a estudar os fatores (e correlações) que poderiam contribuir para este “comportamento”, tomando como referência a faia-europeia, cuja presença na Europa se estende por uma faixa geográfica de dois mil quilómetros.

Produção de sementes: um acordar desencadeado pelo solstício de verão

A temperatura tem efeitos diferentes na senescência das folhas (no seu processo de envelhecimento) antes e depois do solstício de verão. De forma semelhante, quando os dias começam a diminuir a formação de madeira nas árvores muda o seu foco, da divisão celular para o espessamento das paredes celulares. A capacidade de responder ao solstício pode explicar a consistência temporal da resposta das faias no continente Europeu, mesmo com diferenças de temperatura entre os vários países.

Assim, a conclusão deste estudo é que o fenómeno que desencadeia esta resposta simultânea é o solstício de verão – o dia do ano com mais horas de luz solar, que ocorre simultaneamente em todo o hemisfério (habitualmente entre 20 e 22 de junho no hemisfério Norte, consoante ajustes de calendário), assinalando o início do verão.

É este dia mais longo do ano que “acorda” a faia-europeia, levando estas árvores, mesmo que separadas por muitos quilómetros, a começar a detetar e a responder em simultâneo aos sinais climáticos que as rodeiam. Com isto, no caso da faia-europeia, geram-se eventos ecológicos com alta sincronia espacial em todo o continente.

“De acordo com esta hipótese, a faia-europeia utiliza o solstício como um gatilho para abrir uma janela de sinal”, refere o artigo, explicando que foi observado um aumento abrupto na correlação entre a produção de sementes da faia-europeia e as temperaturas no solstício de verão, mostrando que o dia mais longo coincide com a abertura desta janela de sinal.

Mais para descobrir sobre clima e produção de sementes

A observação de que a produção de sementes na faia-europeia está altamente correlacionada com as temperaturas ao redor do solstício reforça a teoria de que os sinais climáticos podem servir como um mecanismo que permite às plantas sincronizar padrões de produção de sementes em escalas regionais. Este papel fundamental da variação climática na condução da produção de sementes não é controverso, mas a forma como a variação climática se traduz na variabilidade da produção de sementes permanece um tópico de debate.

A capacidade que as árvores têm para ajustar a sua sensibilidade à temperatura e aumento das horas de sol em torno do solstício pode ser uma estratégia adaptativa para lidar com as mudanças climáticas, mas essa adaptação pode ter limitações em face de perturbações climáticas extremas e este é outro tema que merece ser aprofundado.

É, por isso, importante continuar a monitorizar esta sincronia e as suas possíveis mudanças, especialmente num contexto de intensificação das alterações climáticas globais.

Efeitos e importância da ecologia sincronizada

Esta descoberta destaca a importância de considerar a variabilidade climática e a sincronização da semente (e da reprodução) no planeamento e gestão de áreas florestais, visando promover a resiliência dos ecossistemas florestais face às mudanças climáticas.

Aprofundar este conhecimento é importante para quem se dedica, por exemplo, à produção de frutos, como os pinhões ou as nozes. No entanto, esta sincronia regional ou continental na produção de sementes (ou as disrupções que a possam afetar) tem implicações de várias outras ordens:

  • Na multiplicação das espécies – a carência de sementes em anos de baixa produção pode comprometer a reprodução natural de plantas e árvores, assim como a disponibilidade de sementes para a reprodução (sementeira) apoiada pela atividade humana. Já os anos de abundância são particularmente importantes para a regeneração natural dos ecossistemas (em especial em locais que sofreram perturbações).
  • Na disponibilidade de alimento para animais silvestres – anos de safra promovem abundância de alimento para aves e mamíferos que se alimentam de sementes (desde veados e javalis, a esquilos e ratos), com aumento das respetivas populações (e das pragas que lhes estão associadas). Inversamente, anos de baixa produção significam fome, quedas populacionais destas espécies animais e, em alguns casos, migrações.
  • Doenças transmitidas a humanos (por animais) têm flutuações consoante os anos mais e menos produtivos de semente – por exemplo, as taxas de infeção da doença de Lyme, transmitida pela picada de carraças, aumenta em humanos dois anos após um ano de grande produção de sementes em espécies florestais.
  • Em algumas espécies, o crescimento das árvores e das folhas é reduzido nos anos de elevada produção de sementes – estas flutuações em larga escala alteraram a capacidade de sequestro de carbono da parte aérea das árvores.