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03.08.2020

WWF: clima e abandono rural tornam Portugal vulnerável a incêndios extremos

WWF: clima e abandono rural tornam Portugal vulnerável a incêndios extremos

Portugal é o país europeu mais fustigado por incêndios rurais, destaca a WWF no seu mais recente relatório “Um planeta em chamas”. A organização aponta as alterações climáticas, aliadas ao despovoamento rural, diminuição da agricultura tradicional, ausência de aproveitamentos florestais e falta de políticas eficazes, como fatores que aumentam a vulnerabilidade da Península Ibérica a incêndios extremos.

Anualmente, em média, Portugal perde mais de 3% da sua superfície florestal em incêndios rurais, com cerca de 120 mil hectares ardidos e 17 mil ocorrências registadas. Este é o cenário descrito pelo relatório conjunto da WWF e ANP – World Wide Fund for Nature e Associação Natureza Portugal –, que coloca o país na dianteira da Europa (e em quarto lugar no mundo) no que concerne à massa florestal perdida desde o início do século XXI (em grande parte devido aos incêndios que ocorrem todos os verões).

A dimensão destes números ganha maior significado quando a realidade portuguesa é comparada com a espanhola. Portugal tem 35% mais ocorrências de fogo e 20% mais hectares ardidos por ano do que o país vizinho, apesar de ter uma área florestal 80% menor. De recordar que, no caso espanhol, o número de incêndios anuais tem vindo a diminuir na última década, embora a taxa de incêndios intencionais continue muito elevada.

 

Vulnerabilidade ibérica e previsões negativas para o futuro

O relatório da WWF destaca os fatores que estão na base deste impacte dos incêndios rurais em Portugal e Espanha – e que tornam a Península Ibérica uma área particularmente vulnerável:

– Forte despovoamento e envelhecimento rural;

– Cessação de atividades agrícolas tradicionais;

– Ausência de aproveitamentos florestais;

– Falta de políticas que possam gerir eficazmente o território.

Como consequência, o território ibérico apresenta hoje uma superfície florestal com elevada carga combustível e sem gestão adequada. Estes fatores agravam-se com as alterações climáticas, que enfraquecem as florestas e aumentam a vegetação seca, contribuindo para a inflamabilidade destes territórios, indica a WWF. Estas conclusões estão, aliás, em linha com os fatores já identificados no relatório Gestão de Incêndios Florestais numa Nova Era (2018).

O agravamento dos padrões de fogo não é caso único ibérico. O relatório da WWF evidencia que 2019 foi um ano de incêndios sem precedentes no mundo, com um denominador comum: o impacte das alterações climáticas (incluindo ondas de calor, secas acumuladas e vegetação muito seca), que propicia incêndios extremos, ou seja, incêndios de sexta geração. Estes são incêndios de propagação muito rápida, elevada intensidade e impossíveis de extinguir.

A vulnerabilidade da Península Ibérica às consequências das alterações climáticas e ao surgimento destes incêndios extremos é muito elevada. “As alterações climáticas e as cruéis consequências do abandono dos territórios rurais condenam-nos a um futuro cada vez mais negro: verões com grandes incêndios em simultâneo, muito violentos e impossíveis de controlar através dos meios de extinção, que constituem verdadeiras crises nacionais”, pode ler-se no relatório da WWF.

O documento antecipa ainda que Portugal viverá incêndios extremos com custos cada vez maiores em termos de vidas humanas e bens materiais, se nada for feito para reduzir a vulnerabilidade do país.

 

Recomendações WWF para diminuir vulnerabilidade nacional e risco de incêndios extremos

Uma vez que os incêndios de sexta geração são impossíveis de extinguir, a prevenção integral é a única alternativa eficaz para diminuir a vulnerabilidade do território e gerir o impacte do fogo. A WWF defende que os governos das regiões mais vulneráveis, como Portugal e Espanha, devem implementar políticas de prevenção centradas na redução da sinistralidade, promoção de paisagens mais adaptadas e resilientes e minimização do risco para pessoas e infraestruturas.

A organização não-governamental recomenda, por isso, que as autoridades nacionais ponham em prática as seguintes medidas para a prevenção de incêndios rurais:

– Redução da inflamabilidade da paisagem – através da identificação de áreas de maior risco, implementação de planos de prevenção eficazes (com o foco nas paisagens em mosaico), reversão do abandono rural e florestal e um restauro coerente das áreas pós-incêndio para promover paisagens menos inflamáveis.

– Políticas públicas de estímulo ao setor florestal – através do estímulo ao associativismo para uma gestão florestal coletiva, políticas de fiscalidade verde (que compensem proprietários que invistam em plantações de árvores autóctones), políticas de compras públicas que privilegiem produtos de base florestal certificados e da revitalização do meio rural, reforçando a estratégia preconizada no Plano Nacional de Gestão Integrada dos Fogos Rurais com meios adequados.

– Redução da alta sinistralidade e reforço de sanções – através de maior prevenção social em áreas de elevada recorrência de incêndios, maiores esforços na investigação das causas das ignições, novos programas de sensibilização e educação e sanções exemplares para quem for identificado como incendiário.

– Melhorar as capacidades de proteção civil – através da melhoria da coordenação entre os vários organismos responsáveis, execução de Planos Territoriais de Emergência em municípios em área de interface urbano-rural e reforço da capacidade de autoproteção dos habitantes em povoações mais vulneráveis.

Como a WWF reforça, todos estes esforços nacionais deverão ser acompanhados por ações decisivas a nível macro (à escala europeia e mundial) que permitam: um combate mais assertivo às alterações climáticas (no qual a transição para a bioeconomia circular pode dar um importante contributo), uma reversão da desflorestação global e uma transição para sistemas alimentares mais sustentáveis.