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Biomassa

Há em Portugal biomassa florestal residual para produzir energia?

A utilização de biomassa florestal residual para produção de energia é reconhecida como um recurso sustentável que apoia a transição energética e as metas climáticas, reduzindo o uso de combustíveis fósseis. Mas que quantidade está disponível em Portugal e quem a transforma em energia?

A utilização de biomassa florestal residual é um importante recurso para aumentar a produção de energia de fontes renováveis e uma das soluções apontadas para apoiar a redução das emissões de gases com efeito de estufa, no contexto da transição energética e das metas climáticas.

Composta por sobras das atividades da silvicultura, como as que resultam dos desbastes ou exploração no terreno (por exemplo, casca, ramos e cepos), a biomassa florestal residual pode incluir outros componentes, como a matéria orgânica proveniente de espécies invasoras (resultado de ações de controlo de árvores e arbustos prejudiciais aos ecossistemas), as árvores atacadas por pragas e doenças que não possam ter outro tipo de aproveitamento e os materiais que resultam da abertura de faixas corta-fogo (aceiros, por exemplo).

A estes materiais residuais e sustentáveis provenientes da floresta – chamados de biomassa florestal secundária – juntam-se pelo menos mais dois:

• Os resíduos gerados pelas indústrias de base florestal: o pó da cortiça, as aparas e a casca de eucalipto descartadas na produção de pasta de papel e até vários subprodutos destas indústrias, como o líquido resultante do cozimento da madeira (habitualmente chamado de licor), são disso exemplos.

• Os produtos derivados da floresta, já depois de consumidos, podem também contribuir para a produção de energia, valorizando-os naquela que será a última etapa do seu ciclo de vida.

Adicionalmente, outros resíduos orgânicos podem ser considerados como matéria-prima sustentável para a produção de energia, designadamente os que provêm das atividades agrícolas e de parte dos lixos urbanos.

A remoção da biomassa residual da floresta ajuda a reduzir o risco de incêndio rural e a sua valorização energética constitui uma fonte de retorno adicional para as comunidades rurais e para o sector florestal. Deve, no entanto, ser mantida no solo a biomassa essencial para assegurar o equilíbrio deste importante ecossistema.

Que quantidades de biomassa florestal residual temos em Portugal?

É difícil saber com precisão qual a quantidade de biomassa florestal residual produzida e disponível para produção de energia em Portugal. Vários estudos apresentam valores diferentes entre si, mas indicam que temos quantidades significativas de resíduos passíveis de transformar em energia.

Uma estimativa de 2020 apontou para pelo menos 8 milhões de toneladas. O número foi avançado pelo Observatório Técnico Independente no documento “Redução do risco de incêndio através da utilização de biomassa lenhosa para energia”, que faz uma revisão de vários levantamentos:

– cerca de 2 milhões de toneladas por ano de biomassa florestal residual;
– 5,3 milhões de toneladas por ano de sobrantes da indústria de base florestal (subprodutos ou resíduos);
– até 1 milhão de toneladas por ano de material lenhoso pós-consumo (madeira, pasta e papel recuperados).

Estes valores são superiores ao estimados em 2017 no Plano Nacional para a Promoção das Biorrefinarias: 1,5 milhões de tonadas por ano de biomassa florestal residual e quase outro tanto de resíduos verdes herbáceos e matos, num total perto de 2,9 milhões de toneladas.

Adicionalmente, o mesmo Plano estimou a disponibilidade de mais 3,4 milhões de toneladas de biomassa provenientes dos resíduos agrícolas (palha de arroz, podas de árvores de fruto, entre outros) e de perto de 319 mil toneladas a de resíduos agroindustriais (casca de frutos rijos, bagaço de uva e azeitona, por exemplo).

Quantidade estimada de biomassa florestal residual para energia (mil toneladas/ano)

Pinheiro-bravoPinheiro-mansoEucaliptoSobreiroAzinheiraCarvalhosOutras espécies florestaisMatosResíduos verdes herbáceosTOTAL
totais 543,86776,712447,92155,06187,39100,57897,4221025,376441,02835,7

A disponibilidade de biomassa florestal proveniente de operações de redução do risco de incêndio é heterogénea ao longo do território nacional e os dados disponíveis não permitem saber em detalhe a distribuição da oferta, refere-se também em “Redução do risco de incêndio através da utilização de biomassa lenhosa para energia”. Esta é uma informação estrutural, nomeadamente para planear e dimensionar as cadeias logísticas e infraestruturas adequadas, desde as unidades de recolha à transformação.

A produção e disponibilização de cartografia sobre biomassa (e madeira) em Portugal, a cargo da AGIF (Agência para a Gestão integrada de Fogos Rurais) e prevista para 2024, deverá vir a apoiar um conhecimento mais preciso sobre quantidade e localização da biomassa florestal.

“A gestão florestal dos povoamentos e da paisagem para redução do risco de incêndio deverá representar um acréscimo significativo a esta biomassa disponível. Não existe, contudo, uma avaliação desta biomassa”, refere o Observatório Técnico Independente.

Quem transforma a biomassa florestal em energia?

Parte significativa da biomassa residual é transformada em energia (eletricidade e calor) em centrais termoelétricas e de cogeração. Entre 2015 e 2019, segundo o relatório “Energia em Números” (edição 2021), estas centrais transformaram 58% da biomassa portuguesa usada para energia.

Em Portugal, o projeto e2p – Energias Endógenas de Portugal (Tecnologia: Biomassa) lista 23 centrais de referência e, à exceção de duas localizadas em Setúbal, todas estão a norte do Tejo.

Mais de metade destas unidades – e parte representativa da potência instalada – integra grupos industriais de base florestal, nomeadamente no sector da pasta e papel. Este sector é também um dos principais consumidores desta energia: por exemplo, cerca de dois terços do consumo de calor produzido em regime de cogeração, no qual a principal forma de energia é a biomassa, é por ele utilizado.

No período 2009 – 2019, a utilização de biomassa na produção de eletricidade em centrais termoelétricas cresceu 29%. Nas centrais dedicadas a biomassa, o crescimento foi de 57%.

CentralLocalizaçãoPotência instalada (Megawatt)DesdePropriedade
Cogeração AmorimAveiro12004Amorim Revestimentos, Grupo Amorim
Cogeração de CaciaAveiro35,12005The Navigator Company
Termoelétrica de CaciaAveiro12,52009The Navigator Company
Termoelétrica Terras de Sta. MariaAveiro10,752008Central Termoeléctrica de Biomassa de Terras de Santa Maria, S.A.
Central a Biomassa de Vila Nova de Famalicão Braga10,82018Probiomass
Central de Biomassa de Corga de FradelosBraga102017PA BIOMASSA, S.A.
Cogeação CeltejoCastelo Branco23,691992CELTEJO - Empresa de Celulose do Tejo, Grupo Altri
Termoelétrica CentrolivaCastelo Branco5,631998CENTROLIVA, Indústria e Energia, Grupo CENTROLIVA
Termoelétrica da PalserCastelo Branco3,32010Palser - Bioenergia e Paletes, Grupo PALSER
Termoelétrica de BelmonteCastelo Branco2,532010Ecotator, Grupo Tavfer
Termoelétrica de RodãoCastelo Branco12,52007EDP Produção Bioeléctrica, Grupos Altri & EDP
Cogeração CelbiCoimbra70,961987CELBI – Celulose Beira Industrial, Grupo Altri
Cogeração da Figueira da Foz (Lavos)Coimbra952004The Navigator Company
Termoelétrica CelbiCoimbra6,261987CELBI – Celulose Beira Industrial, Grupo Altri
Biomassa CaimaSantarém 7,04Caima Energia, Grupo Altri
Cogeração CaimaSantarém 82001Caima Energia, Grupo Altri
Termoelétrica de ConstânciaSantarém 13,232009EDP Produção Bioeléctrica, Grupos Altri & EDP
Cogeração de SetúbalSetúbal53,92004The Navigator Company
Termoelétrica de SetúbalSetúbal12,52009The Navigator Company
Cogeração Europac Energia VianaViana do Castelo103,72002Portucel Viana Energia, Grupo Europac
Cogeração SIAFViseu3,81996Sociedade de Iniciativa e Aproveitamentos Florestais – Energia S.A.
MangualdeViseu12,62019SIAF Energia, Grupo Capwatt
Termoelétrica de MortáguaViseu91999Altri & EDP

Outra parte significativa da biomassa florestal nacional é transformada diretamente em calor, maioritariamente pelas famílias portuguesas, em lareiras, salamandras e fogões. Esta fração rondava os 34% em 2019 e, além de lenha tradicional, inclui também pellets e briquetes. No mesmo ano, “cerca de 11% da biomassa foi exportada sob a forma de pellets e briquetes”.

Portugal figura entre os 10 maiores produtores e exportadores da Europa destas “lenhas compactadas”, com uma produção anual a rondar as 783 mil toneladas e uma capacidade instalada de 1,3 milhões de toneladas em 2018, segundo dados dos relatórios Bionergy Europe 2018 e 2019, referidos pelo Observatório Técnico Independente, em “Redução do risco de incêndio através da utilização de biomassa lenhosa para energia“. O nosso país contava com mais de 20 unidades industriais que produziam pellets, maioritariamente a partir de biomassa florestal.

Em 2020, perto de 661,6 mil toneladas de lenhas, incluindo pellets, foram exportadas por Portugal, segundo as Contas Económicas da Silvicultura, do INE – Instituto Nacional de Estatística, quantidade muito superior às importações, que pouco ultrapassaram as 2,5 mil toneladas.