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Pragas e Doenças

Pragas e doenças na floresta portuguesa: o que são e como atuam os seus agentes?

As árvores, como outros organismos, também adoecem. Mas quais são os principais agentes das pragas e doenças da floresta portuguesa e como atuam?

As pragas e doenças afetam a saúde e produtividade da floresta, com prejuízo para os seus produtos e serviços e consequências no equilíbrio deste importante ecossistema terrestre. Mas quais as diferenças entre pragas e doenças florestais e quais os organismos que provocam as mais preocupantes?

Em termos fitossanitários, uma praga é uma espécie de planta, animal ou agente patogénico, nocivo a plantas ou produtos vegetais, define a FAO – Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura. O termo engloba animais que se alimentam de plantas (as pragas no sentido estrito) e também agentes patogénicos, normalmente microscópicos, como os fungos, bactérias e vírus, que causam danos nos tecidos (no caso, as doenças das plantas). A sua ação pode provocar o enfraquecimento das árvores e a diminuição do seu crescimento, deformações, alterações na qualidade da madeira, obstrução e destruição de vasos condutores, destruição de folhas e sementes, e pode até levar à morte da planta.

Os maiores impactes verificam-se em povoamentos que estão debilitados, o que afeta a valorização dos produtos e serviços florestais, seja a madeira, a cortiça, os frutos ou ativos paisagísticos e culturais. As pragas e doenças afetam também a biodiversidade, porque debilitam as plantas, tornando-as mais suscetíveis a outros fatores bióticos e abióticos, e porque a morte de algumas espécies afeta o equilíbrio do ecossistema. Além disso, podem ainda afastar visitantes dos espaços florestais: ninguém quer passear numa área com árvores secas ou deparar-se com lagartas do pinheiro, cujos pelos podem causar reações alérgicas.

Em situações normais, muitos destes agentes bióticos potencialmente nocivos às plantas (fungos, nemátodos, bactérias, vírus, insetos, ácaros e outros artrópodes) estão em equilíbrio com os seus hospedeiros causando poucos ou nenhuns danos. No entanto, quando as árvores são afetadas por secas ou outros episódios climáticos extremos (fatores abióticos) e enfraquecem, estão criadas as condições de desequilíbrio que promovem o crescimento de populações, a agressividade de alguns destes agentes e, consequentemente, o aparecimento de danos. As alterações climáticas têm também provocado alterações nos padrões geográficos e sazonais expectáveis de determinadas pragas e doenças.

Embora a maioria dos insetos atue como praga primária, atacando plantas vigorosas, outros só atacam plantas enfraquecidas. As alterações climáticas têm aumentado a frequência de eventos extremos de seca, tempestades e fogos rurais, que são particularmente favoráveis a vários tipos de pragas e doenças que exploram árvores enfraquecidas. Além disso, em geral, as temperaturas mais elevadas favorecem o desenvolvimento de fungos, nemátodos, vírus e bactérias, que debilitam as árvores, tornando-as mais vulneráveis a ataques de pragas secundárias.

Conheça os diferentes tipos de pragas e doenças florestais

Pragas florestais

As pragas florestais são constituídas por insetos, ácaros e outros organismos que se alimentam de plantas (artrópodes fitófagos). Contudo, não se alimentam de toda a planta de forma indiferenciada. Cada grupo especializa-se num órgão: os desfolhadores consomem folhas, os perfuradores escavam galerias nas folhas, ramos e no tronco, enquanto os picadores-sugadores extraem seiva, néctar e/ou pólen e sementes.

Organismos desfolhadores

As árvores alojam um número variável de organismos desfolhadores, normalmente em pequena quantidade e, por isso, sem impactes significativos. Só quando as populações crescem muito é que as desfolhas podem prejudicar o desenvolvimento das árvores, que é sustentado pelas folhas.

No grupo dos agentes desfolhadores incluem-se insetos que se alimentam de folhas e agulhas, no estado adulto ou de larva: gorgulhos e escaravelhos (ordem dos coleópteros), larvas de moscas (dípteros), moscas-serra, lófiros, vespas, formigas e abelhas cortadoras de folhas (himenópteros), lagartas de lepidópteros, gafanhotos e grilos (ortópteros). Algumas destas espécies mastigam bocados das folhas e chamam-se trituradoras. Outras fazem galerias no tecido interior das folhas (chamado parênquima) e tomam o nome de mineiras. Outras ainda consomem o tecido das folhas entre as nervuras, deixando como que um rendilhado e dizem-se esqueletizadoras.

Os insetos que se alimentam de folhas ou agulhas são, na grande maioria, larvas de lepidópteros, de coleópteros ou de himenópteros. Embora os adultos de coleópteros também possam causar desfolha, os danos das larvas são os mais significativos.

Uma das pragas desfolhadoras mais conhecidas no nosso país, não tanto pelos danos causados às árvores, mas por questões de saúde pública, é a processionária do pinheiro (Thaumetopoea pityocampa). Esta lagarta é um dos desfolhadores de pinheiro mais importantes da região mediterrânica. As larvas desenvolvem-se nas copas durante o inverno, consomem as agulhas, podendo causar desfolhas intensas e a diminuição do crescimento da árvore. No final do inverno, quando as temperaturas começam a aumentar, as lagartas deixam os ninhos nas copas e descem ao solo à procura de um local onde se possam enterrar e completar o seu desenvolvimento. Como as larvas são gregárias, ou seja, vivem em grupo, descem das árvores em filas, formando “procissões” de dezenas ou centenas de lagartas – daí o nome comum que lhes é dado. O problema de saúde decorre dos pêlos urticantes das lagartas, que projetam quando se sentem atacadas. Em contacto com a pele ou mucosas de animais e pessoas, injetam uma proteína (taumatopoína) que causa reações alérgicas.

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Perdas de folhas inferiores a 25% do total da copa não são significativas. Acima dos 25% de desfolha, reduz-se a respiração, transpiração e a fotossíntese da planta. Alteram-se os fenómenos de transporte de nutrientes na árvore, o crescimento diminui e esta fica enfraquecida e vulnerável a ataques de organismos nocivos.

Organismos perfuradores ou brocas

Os perfuradores são insetos que se desenvolvem por baixo da casca das árvores, onde vão escavando galerias que interrompem a circulação dos fluidos de seiva no floema e água no xilema. Desta ação resulta a seca da copa que debilita e pode até matar as árvores. As galerias internas no lenho destruem também a madeira.

Estes insetos podem ainda transportar esporos de fungos, facilitando a sua multiplicação nas árvores. Algumas espécies muito especializadas são conhecidas como micetófagas (que comem fungos) ou ambrosiófagas, pois os adultos transportam esporos de fungos do género Ambrosia, com os quais colonizam o lenho e que vão depois servir de alimento às larvas.

Os insetos que passam a maior parte do seu ciclo de vida debaixo da casca das árvores são conhecidos como subcorticais. Os escolitídeos são uma subfamília (dentro da família dos gorgulhos – Curculionidae) muito conhecida que faz galerias debaixo da casca do tronco ou dos ramos, cortando a circulação de seiva nos vasos condutores. Preferem árvores enfraquecidas, que podem levar à morte. Os escolitídeos mais conhecidos são as hilésinas e bóstricos. Outros perfuradores penetram no xilema (tecido condutor de água e nutrientes orgânicos) e fazem galerias larvares no lenho. Estes pertencem sobretudo às famílias dos cerambicídeos, conhecidos como longicórnios, brocas e buprestídeos (cobrilhas).

No sobreiro, a cobrilha da cortiça (Coroebus undatus) debilita a árvore e reduz a sua produtividade. Acresce que as galerias feitas pelas larvas na cortiça diminuem a sua qualidade e dificultam o descortiçamento.

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Danos feitos pela cobrilha da cortiça © Pedro Neves

Quando as populações são pequenas, estes agentes têm um papel regulador no ecossistema florestal, ajudando à decomposição da madeira, à reciclagem de nutrientes e à eliminação das árvores mais enfraquecidas. Quando as árvores estão enfraquecidas – por exemplo, após seca extrema, tempestades ou incêndios – as populações de escolitídeos podem aumentar significativamente, bem como a severidade dos danos que causam.

Organismos picadores, sugadores ou galícolas

Para se alimentarem, os insetos picadores, normalmente os adultos, picam as plantas, o que pode levar à formação de galhas (na origem do nome galícolas).

Os insetos picadores-sugadores alimentam-se da seiva das plantas, possuindo para isso uma armadura bucal específica para picar e sugar. Neste grupo estão incluídos afídeos, piolhos e psilas, assim como cercopídeos ou cigarrinhas da espuma, cochonilhas e percevejos. Todos estes animais pertencem à ordem dos Hemípteros.

Já os insetos galícolas podem ser sugadores ou não. Os da nossa fauna são maioritariamente pequenas vespas ou dípteros (mosquinhas) que provocam a formação da galha com uma picada feita pelas fêmeas para a colocação dos seus ovos.

As galhas são estruturas que se podem comparar a tumores e são uma forma de proteção da planta. O crescimento das galhas é induzido pela picada e pelo desenvolvimento das larvas dos insetos, que crescem no seu interior após a eclosão dos ovos. Um exemplo de galhas são os bugalhos dos carvalhos, que podem aparecer isoladas ou em grupos. As galhas podem desenvolver-se em qualquer parte da planta, da raiz às folhas e têm formas, tamanhos e cores diferentes, conforme a espécie galícola que lhes deu origem.

 

Os insetos galícolas englobam, entre outros, os afídeos e psilas (hemípteros), as moscas (dípteros), as vespas (himenópteros) e algumas espécies da ordem dos coleópteros (poucas), e dos lepidópteros. Também existem galhas que são causadas por ácaros, nemátodos, bactérias, fungos e vírus. No nosso país atingem níveis preocupantes algumas espécies galícolas que são espécies exóticas e invasoras, em particular a vespa da galha do castanheiro (Dryocosmus kuriphilus) que causa perdas na produção da castanha e pode mesmo levar à morte de plantas jovens.

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Bugalhos num carvalho-português (Q. faginea) © João Ezequiel

Doenças das árvores

Quando uma árvore está doente, um organismo (o agente patogénico) causa o mau funcionamento dos tecidos e origina sintomas, que podem incluir manchas nas folhas ou agulhas, cancros ou podridão no tronco ou na raiz e a morte da árvore.

Embora os sintomas possam ser facilmente observáveis, a identificação do agente patogénico nem sempre é tarefa fácil. Um bom diagnóstico implica muitas vezes a observação de estruturas microscópicas e o isolamento do agente e o seu estudo em laboratório, em meio de cultura apropriado e com a consequente caracterização morfológica e molecular das culturas obtidas, como é o caso dos fungos e oomicetas. Além disso, muitos sintomas como as manchas nas folhas, murchidão e lesões nos ramos e troncos podem ser causados por diferentes organismos.

As doenças das árvores são causadas por fungos, oomicetas, bactérias, vírus e nemátodos e podem dividir-se consoante a parte da árvore que atacam: a raiz (doenças radiculares), o tronco e ramos ou as folhas e agulhas. Alguns destes agentes patogénicos são transportados por insetos, com os quais estabelecem relações de mutualismo ou simbiose.

Doenças radiculares

Causadas normalmente por fungos ou oomicetas (mas também por bactérias como a Ralstonia solanacearum que causa o mal murcho do tomate, batata e outras plantas), estas doenças afetam as raízes, debilitando as árvores. Os sintomas demoram algum tempo a aparecer e incluem a descoloração e murchidão das folhas e o enfraquecimento da árvore. À medida que a doença evolui, podem aparecer fendas no tronco e exsudados (secreção e libertação de líquidos orgânicos). É o caso da doença da tinta do castanheiro causada por espécies de Phytophthora (principalmente por Phytophthora cinnamomi), que, quando afeta castanheiros ou carvalhos, causa manchas escuras no tronco junto ao solo e lesões na casca com um exsudado negro, parecido com tinta de escrever.

Outra doença comum em Portugal é a chamada podridão radicular, causada por espécies do género Armillaria, que atacam pinheiros, sobreiros, azinheiras, ulmeiros, choupos, ciprestes e eucaliptos. Nos Açores, a espécie Armillaria mellea causa o “brocado do cerne” em povoamentos de criptoméria, doença que tem atingido níveis preocupantes atendendo às vastas áreas afetadas.

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Armillaria mellea afetando Cryptomeria japonica © Helena Bragança

Doenças dos troncos e ramos

Estas doenças podem ser causadas por fungos ou por bactérias e os sintomas variam de acordo com o agente envolvido. Algumas espécies de fungos e bactérias atacam o sistema vascular e causam murchidão nas folhas e morte das pontas dos ramos. Outros tipos de fungos causam lesões nos ramos e troncos que levam à morte da casca e se podem estender ao interior da madeira, dando origem a cancros. Neste grupo de fungos está incluído o cancro do castanheiro (Cryphonectria parasitica), que ataca também carvalhos e que se encontra um pouco por todo o país, incluindo Açores e Madeira.

Existem alguns agentes endófitos, organismos que vivem dentro dos seus hospedeiros sem lhe causar sintomas, que podem causar doenças quando fatores bióticos ou abióticos promovem o stress e o enfraquecimento das árvores. O fungo causador do carvão-do-entrecasco (Biscogniauxia mediterranea) é um destes casos e pode ser encontrado em árvores afetadas por outro tipo de agentes ou enfraquecidas pela seca. A estrutura reprodutiva típica deste fungo (estroma carbonáceo) – que dá o nome à doença – tem a forma de placas negras que se assemelham a carvão. Pode ser observado nos montados, em ramos mortos caídos no chão, mas também em árvores vivas (sobreiros, azinheiras, choupos, castanheiros e eucaliptos). Pressupõe-se que a sua entrada na planta se faça através de feridas ou orifícios de insetos.

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Cancro do castanheiro causado por Cryphonectria parasítica © Helena Bragança

Doenças das folhas e agulhas

Os agentes que atacam as folhas e agulhas, normalmente fungos, não causam habitualmente tantos danos como os que atacam as raízes ou o tronco. No entanto alguns fungos que causam sintomas nas folhas e agulhas são também agentes de doença noutros órgãos da planta. Além disso, ataques severos às folhas podem levar só por si à morte da planta. Todavia, em ataques moderados, a árvore tem a capacidade de produzir mais folhas, ao contrário do que sucede nos ataques às raízes ou ao tronco, em que o sistema vascular das árvores fica comprometido e estas não conseguem recuperar. Ainda assim, os agentes que atacam as folhas, em casos mais extremos, podem levar ao enfraquecimento das árvores, deixando-as mais suscetíveis a ataques de outros agentes.

Doenças transportadas por insetos

Existem algumas doenças que tiram partido de insetos vetores para conseguir infetar os seus hospedeiros. Um dos casos mais conhecidos é o nemátodo do pinheiro (Bursaphelenchus xylophilus). Este minúsculo agente é transportado por um inseto (Monochamus galloprovincialis) que se alimenta nas árvores e que, desta forma, as vai infetando.

Outro exemplo é o azulado da madeira, um complexo de fungos (Leptographium /Ophiostoma) que são geralmente transportados e cultivados por insetos ao longo das galerias que escavam nas árvores. Os fungos servem de alimento ao inseto, ajudam a degradar a madeira ou controlam o crescimento de outros fungos, razões pelas quais o inseto os dissemina. O nome da doença deriva da cor azulada da madeira, em resultado do crescimento do fungo e do bloqueio dos vasos condutores. Esta doença é especialmente preocupante no caso da madeira queimada de pinheiro – é uma das razões que motiva a sua rápida remoção e aproveitamento.

Foto de topo © Catarina Gonçalves: declínio do montado.