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Pedro Martins Barata

As florestas após Glasgow: o papel das soluções baseadas na natureza

Uma tendência forte dos últimos dias na discussão sobre a mitigação climática, depois da Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP26), prende-se com o contributo das florestas após Glasgow e o papel das soluções baseadas na natureza (“nature based solutions” ou NBS no inglês) tanto na adaptação como na mitigação climática.

O papel das soluções baseadas na natureza na mitigação climática tem vindo a ser cada vez mais reconhecido, porquanto é hoje indiscutível que, nos cenários mais prováveis de evolução tecnológica e social, não será possível atingir as metas que a Humanidade se propôs sem um papel determinante dos sumidouros naturais. Esses sumidouros incluem vários ecossistemas naturais, desde as pradarias marinhas às pastagens e florestas naturais.

Se, historicamente, a Europa em particular considerasse quase uma distração o papel das florestas na mitigação – em relação ao núcleo central da descarbonização dos sistemas energéticos e industriais –, a mera constatação de que, mesmo que essa descarbonização prossiga a bom ritmo não seria só por ela condição suficiente para limitar o aumento da temperatura, levou a essa constatação crescente.

Contudo, o debate sobre o papel das soluções baseadas na natureza na mitigação continua ainda a ser controverso. Se é verdade que o seu papel de sumidouro começa a ser realçado, há muitos que veem na enfâse sobre o papel climático uma visão pobre e redutora dos múltiplos serviços ecossistémicos que as florestas naturais servem.

Essas preocupações acumulam-se também com a falta, na visão de muitos, do papel fundamental dos povos indígenas e comunidades locais como repositórios do saber sobre a gestão sustentável histórica da floresta.

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É neste contexto que em Glasgow se procedeu à reafirmação do objetivo, já anteriormente pronunciado em Nova Iorque, de parar e reverter a tendência de desflorestação em curso até 2030, a daqui apenas nove anos. Dois sinais encorajadores: mais de 90% das florestas mundiais estão cobertas pelo conjunto dos países que assinaram a Declaração dos Líderes de Glasgow sobre as Florestas, e a mesma foi apoiada diretamente pela COP26 e pela sua Presidência. Este objetivo está hoje por isso mais ancorado nas próprias estruturas de reporte da Convenção Clima.

Em paralelo com esta Declaração, e de uma forma possivelmente ainda mais significativa, a iniciativa LEAF – Lowering Emissions by Accelerating Forest Finance” – anunciou a mobilização de 1000 milhões de dólares americanos para atividades de combate a desflorestação. Naquela que é vista como um novo marco na colaboração climática, a iniciativa LEAF junta governos de países desenvolvidos (EUA, Noruega e Reino Unido), empresas com compromissos vários na luta climática (como Amazon, Salesforce ou Airbnb) que financiam conjuntamente jurisdições (estados ou regiões) com planos para atacar deliberadamente e quantificadamente metas de conservação e recuperação de floresta tropical nativa. Os valores que são mobilizados são pagos contra a produção de resultados e com um conjunto de regras de distribuição que asseguram que as comunidades locais são cobeneficiárias (e não apenas as entidades governamentais). O valor mobilizado em apenas seis meses é a mais rápida mobilização obtida por um programa de combate à desflorestação e ultrapassa em muito anteriores tentativas.

Esta iniciativa é, por isso, um raio de esperança para a preservação de ecossistemas de floresta tropical. Tal como outras iniciativas similares noutros domínios (como seja o apoio ao sector energético sul-africano para a sua descarbonização em massa), corresponde a um novo modelo de governação ambiental, em que são convocados não apenas os governos, mas os participantes na gestão direta da floresta, tanto a nível internacional como a nível nacional.

Haverá sempre uma tentação de perceber como este novo modelo poderia ser aplicado em Portugal ou em outros contextos. O que ele indicia é a necessidade de contemplar não apenas os proprietários dos terrenos em que as florestas produzem os seus benefícios, mas todos os que intervêm no ecossistema, com um sistema de incentivos corretos e com a atribuição de direitos de participação na cogestão do bem público. Em Portugal, sendo a floresta maioritariamente privada, importa consagrar esse sistema de incentivos para os diferentes serviços que a floresta portuguesa poderá proporcionar, por forma a que a floresta portuguesa possa contribuir de forma decisiva para a neutralidade carbónica que Portugal pretende atingir em 2045/2050.

Dezembro 2o21

O Autor

Pedro Martins Barata tem 25 anos de experiência em política climática e mercados de carbono. Tem um mestrado em Economia pela London School of Economics. Actualmente é Senior Director do Environmental Defense Fund, ONG ambiental norte-americana e Partner da Get2C. É membro do Advisory Board do NetZero Standard dos Science-Based Targets e Co-Chair do Painel de Peritos do Conselho para a Integridade dos Mercados Voluntários de Carbono. Entre 2017 e 2019, coordenou os trabalhos da equipa que elaborou o Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050, principal documento de orientação estratégica do país para o combate às alterações climáticas.

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