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Cultura e Floresta

10 poemas inspirados na floresta, árvores e natureza

De Fernando Pessoa a António Gedeão, partilhamos consigo 10 poemas inspirados na floresta e nas árvores, todos eles em língua portuguesa. Descubra a inspiração e deixe-se envolver para despertar a sua ligação à terra e à natureza.

Pela sua beleza poética, a natureza tem servido de estímulo criativo para inúmeras obras de arte, seja na pintura, desenho, fotografia, escultura ou música. A poesia não é exceção e nos mais variados locais do mundo, ao longo da história, não faltam poemas inspirados na floresta e nas árvores.

As sensações que as florestas e árvores despertam, com os seus sons, cores, perfumes, ritmos e longevidade têm sido musas de muitos poetas, inclusive de grandes nomes da literatura e poesia em língua portuguesa, povoando as páginas de livros e até as letras de canções. Vamos descobrir 10 destas obras.

A fermosura desta fresca serra

A fermosura desta fresca serra,
E a sombra dos verdes castanheiros,
O manso caminhar destes ribeiros,
Donde toda a tristeza se desterra;

O rouco som do mar, a estranha terra,
O esconder do Sol pelos outeiros,
O recolher dos gados derradeiros,
Das nuvens pelo ar a branda guerra;

Enfim, tudo o que a rara natureza
Com tanta variedade nos of’rece,
Me está se não te vejo magoando.

Sem ti, tudo me enoja e me aborrece;
Sem ti, perpetuamente estou passando
Nas mores alegrias, mor tristeza.

Luís Vaz de Camões, in “Sonetos”

Sabia que…
Luís Vaz de Camões (1524-1580) é um nome incontornável da história da literatura portuguesa e autor de variadíssimos sonetos que abordam o amor e a natureza, bem como do poema épico “Os Lusíadas”, a grande epopeia da literatura portuguesa que relata e celebra as conquistas marítimas durante a época dos Descobrimentos.

Como um vento na floresta

Como um vento na floresta,
Minha emoção não tem fim.
Nada sou, nada me resta.
Não sei quem sou para mim.

E como entre os arvoredos
Há grandes sons de folhagem,
Também agito segredos
No fundo da minha imagem.

E o grande ruído do vento
Que as folhas cobrem de som
Despe-me do pensamento:
Sou ninguém, temo ser bom.

Fernando Pessoa, in “Poesias Inéditas” 

Sabia que…
Fernando Pessoa (1888-1935) é um dos mais importantes poetas portugueses e um dos nomes mais reconhecidos da literatura portuguesa. Em nome próprio e através dos seus heterónimos, escreveu dezenas de poemas inspirados na floresta ou que a ela fazem alusão. Apesar do seu atual reconhecimento, a maior parte da sua extensa obra só começou a ser descoberta e publicada após a sua morte.

Poema das árvores

As árvores crescem sós. E a sós florescem.

Começam por ser nada. Pouco a pouco
se levantam do chão, se alteiam palmo a palmo.

Crescendo deitam ramos, e os ramos outros ramos,
e deles nascem folhas, e as folhas multiplicam-se.

Depois, por entre as folhas, vão-se esboçando as flores,
e então crescem as flores, e as flores produzem frutos,
e os frutos dão sementes,
e as sementes preparam novas árvores.

E tudo sempre a sós, a sós consigo mesmas.
Sem verem, sem ouvirem, sem falarem.
Sós.
De dia e de noite.
Sempre sós.

Os animais são outra coisa.
Contactam-se, penetram-se, trespassam-se,
fazem amor e ódio, e vão à vida
como se nada fosse.

As árvores, não.
Solitárias, as árvores,
exauram terra e sol silenciosamente.
Não pensam, não suspiram, não se queixam.
Estendem os braços como se implorassem;
com o vento soltam ais como se suspirassem;
e gemem, mas a queixa não é sua.

Sós, sempre sós.
Nas planícies, nos montes, nas florestas,
A crescer e a florir sem consciência.

Virtude vegetal viver a sós
e entretanto, dar flores.

António Gedeão, in “Obra Poética”

Sabia que…
António Gedeão (1906-1997) era o pseudónimo de Rómulo de Carvalho, professor de física e química, que enveredou por uma carreira poética sem nunca deixar de ensinar. Poeta com uma obra reconhecida, o seu poema “Pedra Filosofal”, cantado por Manuel Freire, é um hino ao sonho e à liberdade e um marco do seu tempo.

A um carvalho

Eis o pai da montanha, o bíblico Moisés
Vegetal!
Falou com Deus também,
E debaixo dos pés, inominada, tem
A lei da vida em pedra natural!

Forte como um destino,
Calmo como um pastor,
E sempre pontual e matutino
A receber o frio e o calor!

Barbas, rugas e veias
De gigante.
Mas, sobretudo, braços!
Longos e negros desmedidos traços,
Gestos solenes duma fé constante…

Folhas verdes à volta do desejo
Que amadurece.
E nos olha a prece
Da eternidade
Eis o pai da montanha, o fálico pagão
Que se veste de neve e guarda a mocidade
No coração!

Miguel Torga, in “Diário V”

Sabia que…
Miguel Torga (1907-1995) é o nome literário do médico Adolfo Rocha. O Poeta, é considerado um mestre da escrita autobiográfica. Nascido em meio rural, explica esta ligação num dos seus diários publicados: “Vivo a natureza integrado nela. De tal modo, que chego a sentir-me, em certas ocasiões, pedra, orvalho, flor ou nevoeiro.”

Regulus regulus

Árvore

Um passarinho pediu a meu irmão para ser uma árvore.
Meu irmão aceitou de ser a árvore daquele passarinho.
No estágio de ser essa árvore, meu irmão aprendeu de sol,
de céu e de lua mais do que na escola.

No estágio de ser árvore meu irmão aprendeu para santo
mais do que os padres lhes ensinavam no internato.
Aprendeu com a natureza o perfume de Deus.
Seu olho no estágio de ser árvore, aprendeu melhor o azul.
E descobriu que uma casa vazia de cigarra, esquecida no tronco das árvores só serve para poesia.

No estágio de ser árvore meu irmão descobriu que as árvores
são vaidosas. Que justamente aquela árvore na qual meu irmão
se transformara, envaidecia-se quando era nomeada para o
entardecer dos pássaros e tinha ciúmes da brancura que os
lírios deixavam nos brejos.
Meu irmão agradecia a Deus aquela permanência em árvore
porque fez amizade com as borboletas.

Manoel de Barros, in “Poesias Completas”

Sabia que…
Manoel de Barros (1916-2014) nasceu no Brasil e foi advogado, fazendeiro e um dos grandes poetas brasileiros. Escreveu o seu primeiro poema aos 19 anos. O seu primeiro livro premiado, em 1060, foi “Compêndio Para Uso dos Pássaros”, galardoado com o Prémio Orlando Dantas, atribuído pela Academia Brasileira de Letras.

Jacanrandá florido

As flores do jacarandá

O jacarandá florido
Brando cantar trazia
Branda a viola da noite
Branda a flauta do dia

O jacarandá florido
Brando cantar trazia
O vinho doce da noite
A água clara do dia

Quem o olhava bebia
Quem o olhava escutava
O jacarandá florido
Que o silêncio cantava

Matilde Rosa Araújo, in “As Fadas Verdes”

Sabia que…
Matilde Rosa Araújo (1921-2010), nasceu numa quinta, no meio de árvores, flores e animais. Foi ficcionista, poetisa, cronista, professora e pedagoga. O seu livro “Fadas Verdes” é leitura obrigatória no terceiro ano de escolaridade do Ensino Básico.

Algumas proposições com pássaros e árvores que o poeta remata com uma referência ao coração

Os pássaros nascem na ponta das árvores
As árvores que eu vejo em vez de fruto dão pássaros
Os pássaros são o fruto mais vivo das árvores
Os pássaros começam onde as árvores acabam
Os pássaros fazem cantar as árvores
Ao chegar aos pássaros as árvores engrossam
movimentam-se
deixam o reino vegetal para passar a pertencer ao reino animal
Como pássaros poisam as folhas na terra
quando o outono desce veladamente sobre os campos
Gostaria de dizer que os pássaros emanam das árvores
mas deixo essa forma de dizer ao romancista
é complicada e não se dá bem na poesia
não foi ainda isolada da filosofia
Eu amo as árvores principalmente as que dão pássaros
Quem é que lá os pendura nos ramos?
De quem é a mão a inúmera mão?
Eu passo e muda-se-me o coração

Ruy Belo in “Homem de Palavra(s)”

Sabia que…
Ruy Belo (1933-1978) estudou Direito e Filologia Românica. No ano em que inicia este segundo curso, 1961, escreve o seu primeiro livro de poemas – “Aquele Grande Rio Eufrades”. Muitos dos seus poemas denunciam a realidade social contemporânea ocidental e as várias vertentes do ser humana, da espiritualidade ao existencialismo.

Árvore

Onde os frutos maduram:
sal e sol em minhas veias
luz e mel em boca alheia.

Onde plantei
a alta acácia das febres
eu mesmo me deitei,
para ser a raiz da semente,
e da madeira e seiva
se fez o meu corpo.

Agora,
Chove dentro de mim,
em minhas folhas se demoram gotas,
suspensas entre um e outro Sol.

Em mim pousam
cantos e sombras
e eu não sei
se são aves ou palavras.

Mia Couto, in “Vagas e Lumes”

Sabia que…
Mia Couto (1955- presente), de origem moçambicana, é autor de uma obra variada que inclui poemas, romances, crónicas e contos. Conhecido como o “escritor da terra”, pelo valor que atribui à tradição oral e beleza natural de Moçambique, já foi galardoado com diversos prémios e alguns dos seus livros foram já adaptados ao teatro e cinema. Em “Vaga e Lumes”, o poeta vale-se de inúmeras metáforas em diferentes poemas inspirados na floresta, onde se apresenta como árvore, raiz e pássaro.

As árvores e os livros

As árvores como os livros têm folhas
e margens lisas ou recortadas,
e capas (isto é copas) e capítulos
de flores e letras de oiro nas lombadas.

E são histórias de reis, histórias de fadas,
as mais fantásticas aventuras,
que se podem ler nas suas páginas,
no pecíolo, no limbo, nas nervuras.

As florestas são imensas bibliotecas,
e até há florestas especializadas,
com faias, bétulas e um letreiro
a dizer: «Floresta das zonas temperadas».

É evidente que não podes plantar
no teu quarto, plátanos ou azinheiras.
Para começar a construir uma biblioteca,
basta um vaso de sardinheiras.

Jorge Sousa Braga, in “Herbário”

Sabia que…
Jorge Sousa Braga (1957 – presente) é médico e poeta. Publicou a sua primeira obra em 1981. Em 1999, lançou “Herbário”, um livro de poesia dirigido aos jovens e que permite conhecer diversas plantas e flores. Esta obra foi distinguida com o Grande Prémio Gulbenkian de Literatura Infantil.

Dos castanheiros a folhagem árida

Dos castanheiros a folhagem árida
já desce no ar morto que se move
dentro da palidez do céu de outono
sobre as aves imóveis

Movem-se as folhas só na tarde escassa
de clareiras do sol movem-se as aves
extintas do outono
dentro dele e do sol

que mais que as aves mortas sob as árvores
se move
e movem-se aves

mais do que as folhas que do alto caem
mas sem sol grande as aves não se movem
nem já não caem com a calma as aves

Gastão Cruz, in “Poemas Reunidos”

Sabia que…
Gastão Cruz (1941-2022) foi professor, poeta, tradutor e crítico literário. Foi Leitor de Português na Universidade de King’s College, em Londres, onde ensinou Poesia, Drama e Literatura Portuguesa.