Comentário

Maria José Roxo

Reduzir, uma palavra fundamental para um desenvolvimento que se quer sustentável

Existe uma relação direta entre clima, solos, água e vegetação, pelo que reduzir a utilização da água, a degradação dos solos e a perda de vegetação é fundamental para um desenvolvimento que se quer sustentável. Este tem de ser um desígnio de todos e não apenas do meio rural, onde as consequências são mais evidentes.

Uma das frases que é comum ouvir-se é “O clima já não é como dantes”, ou ainda outras como “não temos mais estações do ano, só há duas: Inverno e Verão”, “no meu tempo chovia semanas a fio”. Poderiam ser enunciadas muitas mais que, por si, são reveladoras de que há uma perceção de que o clima está a mudar.

Portugal tem um clima de características mediterrâneas, onde a irregularidade das precipitações é uma das suas particularidades, bem como a variação das temperaturas máximas e mínimas, ao longo das estações do ano. Fenómenos com as secas e as cheias ou inundações também são fenómenos climáticos extremos que caracterizam este tipo de clima.

No entanto, todos estamos conscientes que as secas e episódios de chuvas muito intensas, que se traduzem na ocorrência de cheias e inundações, têm vindo, desde 2000, a aumentar no ritmo de ocorrência e no grau de gravidade. O mesmo tem acontecido com o registo de sucessivas ondas de calor, em que as temperaturas máximas estiveram muito perto dos 50 °C. Se a estes factos se adicionar a redução dos quantitativos totais anuais de precipitação, é fácil pensar que a disponibilidade de água, sobretudo no sul do país será um problema que, tendencialmente, se irá agravar nas próximas décadas, como preveem os cenários climáticos.

Diversas regiões do país têm sofrido situações complexas no que diz respeito à disponibilidade de recursos hídricos, à ocorrência de incêndios, entre outros fenómenos, com consequências catastróficas em termos socioeconómicos e ambientais. Uma das regiões mais afetadas tem sido o Algarve e o Baixo Alentejo (em particular a margem esquerda do Guadiana e o sudoeste alentejano), já obrigadas a reduzir a utilização da água. Em função desta situação muito se tem escrito e proposto para a resolução da falta de água.

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Degradação dos solos e morte do montado na Serra de Mértola, Baixo Alentejo © Helder Lagrosse

As soluções surgem dos mais diferentes sectores, umas mais racionais e sustentáveis do que outras, mas na sua grande maioria, têm sido soluções mais reativas do que estruturais. É sempre mais fácil proceder a cortes na utilização da água do que empreender medidas que, a longo prazo, permitam que a água seja um fator de desenvolvimento da economia e do bem-estar das populações e da conservação dos ecossistemas.

Todos temos conhecimento das diversas soluções apontadas, desde a dessalinização, à utilização das águas residuais tratadas, à redução das perdas de distribuição dos sistemas urbanos e de rega, à construção da chamada “autoestrada da água em Portugal” e a uma monitorização mais eficaz das águas subterrâneas, mas importa ter noção de que em cada região se devem equacionar as soluções em função de planeamento sério dos usos do solo, tendo por base uma visão estratégica para o território.

Reduzir requer uma mudança de planeamento, comportamentos e atitudes

Vamos ser realistas, a mudança climática é um facto e, nesse sentido, é fundamental proceder ao armazenamento da água da chuva, mas é igualmente necessário reduzir a utilização deste recurso, quer a nível urbano quer nas atividades económicas, com são a agricultura e a indústria.

Para reduzir necessitamos de uma mudança de comportamentos e de atitudes. Sabemos o esforço e o empenho que o sector agrícola está a fazer para o uso mais eficiente da água e há muitos bons exemplos de explorações agrícolas, tal como acontece na Quinta da Cholda, no Ribatejo.

Este sector tem pela frente um grande desafio, que é o de produzir mais com menos, ou seja, minimizar a utilização da água e igualmente reduzir a degradação dos solos. Tal implica conhecimento e utilização da tecnologia, tendo a monitorização da qualidade e quantidade dos recursos hídricos um papel crucial. Para gerir bem os recursos disponíveis é necessário saber com o que se pode contar a cada momento.

A verdade é que as questões relacionadas com a água têm de ser analisadas de forma sistémica. Há uma relação direta entre clima, solos, água e vegetação. Neste sentido, o solo desempenha um papel fundamental, através das suas propriedades físico-químicas, com particular destaque para o teor em matéria orgânica. Esta é a componente orgânica do solo, consistindo em pequenos resíduos vegetais frescos, pequenos organismos vivos do solo, matéria orgânica em decomposição e matéria orgânica estável (húmus).

A matéria orgânica funciona como um íman que agrega as partículas do solo (areias, limos, argilas, entre outros elementos) e cria torrões (agregados). Estes criam espaços entre eles, que vão conter ar e água, elementos fundamentais para a vida do solo. Ou seja, a matéria orgânica é um elemento primordial para se criar um ambiente saudável no solo. Aumentar o teor deste elemento do solo é aumentar a capacidade de um solo reter água.

Um solo rico em matéria orgânica é um solo que vai funcionar como uma “esponja”, absorvendo mais água e dificultando a evaporação. Em consequência, essa água irá proporcionar a existência de um coberto vegetal e a recarga dos aquíferos. Neste sentido, há que reduzir todas as práticas que conduzem à degradação dos solos e à destruição do coberto vegetal.

Nesta linha de pensamento, surge a problemática dos incêndios, que não só destroem os cobertos vegetais (floresta, matos e culturas), mas que ao mesmo tempo favorecem os processos de erosão hídrica dos solos, traduzindo-se, sempre, por uma grande quantidade de solo erodido, transportado pelos cursos de água, que ao chegar às barragens vai acumular-se no fundo dos reservatórios. Muitas das barragens em Portugal estão cheias de sedimentos e a sua capacidade de armazenamento de água é menor do que deveria. Importa ainda destacar a grave perda de biodiversidade provocada pelos incêndios. Assim, a redução do risco destes fenómenos passa pelo ordenamento e gestão da floresta, bem como, por uma vigilância ativa e empenhada da sociedade.

Os problemas de falta de água, perda de biodiversidade ou de degradação dos solos não devem ser encarados como sendo apenas do meio rural, só porque é nestes territórios que as consequências são mais evidentes. São questões que devem preocupar a sociedade, a qual, no seu conjunto, deve empreender um caminho de transição, em que a palavra reduzir vai ter cada vez mais significado.

As mudanças de comportamento devem ser motivadas por princípios, como o do combate ao desperdício, a redução de consumos e de utilização de recursos naturais, baseados na necessidade de se estabelecer um equilíbrio dinâmico com a Natureza. Os meios urbanos não podem ser apenas “consumidores” de recursos, devem ser, igualmente, produtores de biodiversidade, de conservação do solo e da água (zonas e corredores verdes, cursos de água renaturalizados, entre outros).

Importa ter consciência que todas as nossas decisões têm impactes e que cada um de nós faz parte de um processo de transição, apesar de se saber que cabe aos decisores políticos a implementação das melhores decisões para o território, pensadas de forma estratégica e tendo em conta as especificidades geográficas de cada território.

Portugal tem tudo para ter uma verdadeira política de coesão territorial de solidariedade, baseada num ordenamento do território em que os recursos naturais sejam equacionados de forma sistémica. Reduzir a utilização e o consumo de água, reduzir a degradação dos solos e a perda de biodiversidade, por outras palavras, armazenar e utilizar a água de forma eficiente, conservar os solos e promover a conservação e regeneração dos ecossistemas, deviam ser desígnios nacionais.

Abril de 2024

O Autor

Maria José Roxo é professora do Departamento de Geografia e Planeamento Regional, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas – Universidade Nova de Lisboa, sendo ainda investigadora no Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais CICS NOVA. Como coordenadora e investigadora, Maria José Roxo integra vários projetos nacionais e internacionais sobre temáticas relacionadas com a Desertificação, as Mudanças Climáticas e as Catástrofes Naturais. É membro da Comissão Nacional de Combate à Desertificação e da Academia das Ciências de Lisboa. Recebeu o prémio das Nações Unidas – “Dryland Champions“- UNCCD (2013).

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