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“Plantações florestais e biodiversidade – será a coexistência possível?”, por Luís Miguel Rosalino

As plantações florestais de espécies exóticas com objetivos de produção são, tipicamente, mais homogéneas do que as paisagens florestais nativas, mas com práticas de gestão adequadas estão longe de ser “desertos verdes”, como alguns as têm apelidado.

O número de espécies ameaçadas e de populações em declínio continua a aumentar, desde vertebrados a corais, indica o índice de sobrevivência das espécies, da IUCN – União Internacional para a Conservação da Natureza, pelo que é imperativo tomar medidas de conservação para travar esta tendência. Uma das ferramentas para proteger a biodiversidade tem passado pela implementação de áreas protegidas, mas elas só protegem cerca de 15% dos ecossistemas terrestres. Não são, por isso, suficientes e é necessário considerar também as áreas não protegidas, incluindo as áreas agrícolas e silvícolas, nas quais se enquadram as plantações florestais.

No entanto, estas áreas têm sido denominadas como desertos verdes. Será que o são? Esta ideia foi associada às plantações florestais sem que, muitas vezes, houvesse dados e estudos científicos robustos que a sustentasse.

É certo que ao pensarmos numa floresta com objetivos de produção de madeira, onde existe apenas uma ou duas espécies de árvores geridas intensivamente, não podemos esperar que exista a mesma diversidade do que numa floresta primária e intocada pelas atividades humanas. Da mesma forma que não se espera uma elevada biodiversidade numa plantação agrícola. Isto não impede, no entanto, que várias espécies continuem a ser observadas em plantações florestais.

É isto que têm demonstrado vários estudos, efetuados por equipas científicas, que acompanharam diferentes espécies, nomeadamente de mamíferos, em plantações florestais em distintos países do mundo. Em Portugal, existem alguns estudos recentes que chegaram aos mesmos resultados: as florestas plantadas não são “desertos verdes”.

Embora seja necessário saber mais, estes estudos indicam que diferentes configurações de plantações florestais, suas extensões e fases do ciclo produtivo, assim como idades de corte (que não são iguais nos vários países) e práticas de gestão silvícola têm impactes nas espécies que podem utilizar estes ambientes. Indicam também que as espécies com maiores registos nestes habitats alterados pela atividade humana são terrestres, omnívoras e mais generalistas (capivara no Brasil ou raposa no Brasil e em Portugal, por exemplo), pois são mais resilientes a perturbações e menos exigentes quanto à alimentação. Basta um eucaliptal ter algum mato e herbáceas para que estas espécies estejam presentes, refere Luís Miguel Rosalino, explicando que a abundância de espécies decai na fase de preparação para o corte, na qual a presença de máquinas, afasta espécies mais suscetíveis.

Cinco práticas para que ajudam a conciliar plantações florestais e biodiversidade

 

As opções e práticas de gestão aplicadas têm, por isso, repercussões muito diferentes na diversidade biológica das plantações florestais, sem com isto alterar o objetivo da produção de materiais florestais. Da investigação efetuada pela equipa de Miguel Rosalino, nomeadamente no projeto WildForest, surgem cinco práticas que ajudam a conciliar produção e biodiversidade:

1 – Criar descontinuidades nas plantações florestais, intercalando-as com ambientes nativos, como bosquetes de conservação e charcas, para incentivar a biodiversidade em toda a área. Por exemplo, numa nova plantação, a permanência de vegetação nativa dispersa em zonas plantadas e em áreas corta-fogo permitiu que 70% das espécies naturalmente presentes na anterior paisagem – pastagem – se mantivessem, revelou um estudo realizado no Uruguai.

2 – Manter algum subcoberto nativo (vegetação rasteira) sob as árvores plantadas permite a várias espécies encontrar abrigo e alimento em florestas de produção, nomeadamente em eucaliptais. Esta medida tem de ser equilibrada e gerida em contraponto com o risco de incêndio indexado à existência desta vegetação;

3- Promover a heterogeneidade etária das árvores plantadas em zonas vizinhas, evitando o corte simultâneo de talhões adjacentes, ajuda a manter árvores de diferentes idades em diferentes fases do ciclo produtivo, reforçando-se uma heterogeneidade global que promove a diversidade faunística;

4- Proceder ao corte desfasado das árvores plantadas em zonas adjacentes a áreas de vegetação ou floresta nativa, para que a heterogeneidade dentro e na envolvente das plantações seja suficiente para, pelo menos, as espécies mais resilientes conseguirem manter o seu habitat;

5 – Evitar intervenções de fundo no terreno em fases críticas do ciclo de vida das espécies, como a reprodutiva e de nascimentos, minorando a perturbação durante esse intervalo de tempo.

“Com pequenos ajustes na forma como a paisagem é gerida é possível às espécies mais resilientes utilizarem estes ambientes”, conclui Luís Miguel Rosalino.

Sobre o Formador

Luís Miguel Rosalino é um biólogo cuja investigação se foca no impacte das atividades humanas nos processos e padrões ecológicos. O seu trabalho visa desenvolver estratégias para a conservação de mamíferos, particularmente carnívoros, em distintos ecossistemas (naturais, agroecossistemas e paisagens silvícolas).

Doutorado em Biologia pela Universidade de Lisboa (UL), é professor da Faculdade de Ciências da UL e Investigador do cE3c – Centre for Ecology, Evolution and Environmental Changes, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

É (co)autor de dezenas de publicações científicas, capítulos de livros e livros.